"O Estado Social é uma relativa novidade em Portugal — a criação da actual Segurança Social data de 1982.
Na Alemanha, criadora do conceito, remonta ao final do século XIX. Nos anos 1950 e 1960, o Estado Social viveu os seus anos dourados, suportados por uma demografia favorável e fortes acréscimos de produtividade reflectidos em aumentos de rendimento. O modelo social germânico assenta num mecanismo de protecção social generoso indissoluvelmente relacionado com a estrutura produtiva.
A redução da pobreza nos exemplos por excelência do Estado Social — os países nórdicos, Alemanha, Áustria e Países Baixos — esteve associada a estratégias nacionais de promoção do trabalho bem remunerado (evitando empregos com baixos salários), privilegiando a especialização industrial em sectores geradores de elevado valor acrescentado e com potencialidade exportadora.
O seu sucesso radicou em exportações de produtos com alto conteúdo tecnológico e com pouca sensibilidade do preço, capitalizando vantagens competitivas ancestrais. Dado o alto valor acrescentado incorporado, os salários pagos eram elevados, limitando a incidência de pobreza associada ao factor trabalho: numa visão que se distingue do modelo anglo-saxónico, menos protector e mais flexível.
Nos anos 70, a crise petrolífera desferiu um rude golpe nas economias no Norte da Europa, as quais na maioria dos casos, com os países nórdicos à cabeça, numa tentativa de aumento da produtividade e reciclagem das suas indústrias, promoveram uma renovação geracional da força de trabalho mediante esquemas massivos de reformas antecipadas, que engrossaram os beneficiários da Segurança Social, num momento em que as taxas de fertilidade atingiam patamares mínimos.
Nos anos 80, a dívida e os défices públicos revelaram-se insustentáveis, dando azo a crises graves e posterior reforma da Segurança Social. Impuseram-se significativos cortes dos benefícios, evoluiu-se no sentido de esquemas de capitalização de contributo definido, e repensaram-se os incentivos à natalidade. Em paralelo, no mercado de trabalho, a legislação foi alterada com vista à obtenção de maior flexibilidade nos despedimentos e formação dos desempregados (nascimento da flexigurança).
Na Alemanha, as reformas foram mais tardias, mas consubstanciaram-se em medidas semelhantes (excepto natalidade). Antecipando a concorrência asiática e contrariando previsões de futuro recessivo, nos anos 90 e 2000, reformulam-se os mecanismos de protecção social e a força de trabalho suportou perdas de rendimento nominal.
Entre 2000 e 2008, os custos unitários do trabalho na Alemanha caíram (5%). No mesmo período (cumulativamente), subiram 20% em Portugal, 25% em Itália, 30% em Espanha e Grécia, e 35% na Irlanda. Contudo, nos sectores manufactureiros, a realidade foi muito diversa. Na Alemanha e Irlanda, desceram 10%; enquanto em Portugal aumentaram 10%; em Espanha e Itália subiram 30% e 55% na Grécia. Desta forma, não será surpreendente o comportamento das exportações portuguesas nos últimos anos e o facto da Grécia ser o país com menor contributo das exportações para o PIB e o maior desequilíbrio externo na área do euro.
O ajustamento do Estado Social em curso em Portugal, mas também em Espanha, Itália e Grécia, consiste numa compressão temporal (mais notória em Portugal onde a Segurança Social chegou mais tarde) do processo observado na Europa do Norte ao longo dos últimos trinta anos. Como os países nórdicos, também Portugal viveu o seu apogeu das reformas antecipadas nos anos 90 para promoção de produtividade e modernização da estrutura produtiva. Hoje, defronta rácios de dependência insustentáveis.
Recorde-se que, em 1982, existiam cerca de sete contribuintes para um beneficiário; hoje existem pouco mais de três por cada pensionista e, segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2012, serão menos de dois por cada beneficiário em 2050. A pressão manifesta-se no acréscimo do peso das prestações sociais: desde 1977, subiram de 8% do PIB para 21% em 2010. A despesa pública corresponde a cerca de 50% do PIB, dos quais 42% são prestações sociais e 23% são remunerações de empregados. A composição não difere, contudo, substancialmente da observada na média da UE.
A sustentabilidade do Estado Social não se esgota com a reforma da Segurança Social, falta a componente associada às estruturas produtivas e à demografia. A esse respeito, os progressos demográficos são inexistentes; mas constatam-se avanços materiais ao nível da orientação produtiva para sectores com vantagens competitivas e sua capacidade de conquista de mercados internacionais, como o desempenho recente do sector exportador revela. Falta-lhes escala suficiente (necessidade de maior investimento: logo, poupança; sendo que o crédito é um canal de transferência de poupanças) para promover a criação de empregos associados a elevada produtividade e salários compatíveis, suficientes para combater a fragilidade e assimetria sociais.
Este é o receituário que a Europa do Norte pretende que a Europa do Sul perfilhe; criando, segundo a chanceler Merkel uma "união de estabilidade" por contraponto a uma "união de transferências ou de dívidas"; ou seja, um Estado Social europeu à luz do conceito original germânico (esquecendo, todavia, os diferentes pontos de partida de rendimento por habitante).
Cristina Casalinho
Economista-chefe do Banco BPI"
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