Jorge Miranda fez hoje 70 anos. Nesta admirável entrevista à Antena 1, iniciada com a sétima sinfonia de Beethoven, o Professor Catedrático da Universidade de Lisboa e da Católica faz uma crítica vigorosa ao sistema político português.
Considera Jorge Miranda que o actual "sistema de partidos está em estado comatoso" (4:00), sem qualquer capacidade de renovação, onde os chefes partidários dominam por completo e dá dois exemplos: o caso Fernando Nobre que "mostra o desprestígio da instituição parlamentar" por desrespeitar a votação, por voto secreto, para a eleição para a presidência da Assembleia da República; o Congresso do PS, do unanimismo, tal como na velha Albânia (5:43).
Os responsáveis por esta situação foram Sá Carneiro e Mário Soares que em 79 e início dos anos 80 formataram o PSD e o PS como partidos que obedecem ao chefe. Uma das causas é "a eleição directa dos chefes dos partidos antes dos congressos, que depois são congressos de aclamação". Acredita, porém, que se fossem hoje líderes dos respectivos partidos, pela qualidade intelectual e humana de ambos, a situação seria diferente.
As causas vêm de longe e são "a entronização do chefe e o culto da personalidade do chefe. (...) Um supremo dirigente partidário é eleito por cerca de 40 ou 30 mil militantes, menos do que os sócios do Sporting que agora elegeram o presidente da direcção, e depois vai determinar o sentido de voto dos deputados que são eleitos por milhões de eleitores.”
Constata a "incomunicabilidade entre os agentes políticos" (12:11) Presidente da República, Primeiro-ministro e Passos Coelho, o que "mostra uma perda de qualidade da democracia porque em democracia não há inimigos, pode haver adversários que se devem respeitar. Outro problema é a "pouca capacidade de exigência democrática dos portugueses."
Afirma que "Cavaco Silva devia ter demitido o governo porque ele fez uma moção de censura ao governo, ou Sócrates devia ter-se demitido depois do discurso de posse" (15:20) e, como tal não aconteceu, é o "sistema que não está a funcionar (...) em qualquer país normal uma destas coisas teria acontecido."
Considera que, na crise que se seguiu ao "episódio lamentável do PEC IV em que as oposições, em vez de apresentarem uma moção de censura, fizeram a rejeição do PEC (...) O PR podia ter insistindo num acordo como fez agora para evitar a dissolução. (...) Não faltaram poderes constitucionais ao PR que tem poder de intervenção para o regular funcionamento das instituições democráticas. Era o que eu esperava dele. (...) Mas tem uma concepção de presidente parlamentar".
Entende que das eleições legislativas do próximo dia 5 de Junho deve sair um governo de Bloco Central porque o que está para vir não se resolve com uma maioria de um só partido e muito menos uma maioria de Direita. Se for caso disso o "PR pode nomear um governo com os partidos mas liderado por outros protagonistas" (23:09) porque a situação assim o exige.
Jorge Miranda define-se como um social-democrata de inspiração cristã que não se revê nos actuais partidos políticos. Como não é abstencionista, "tem votado em branco" (26:10) e concorda com a proposta de Campos e Cunha de "deixar no parlamento lugares vagos provenientes dos votos em branco (...) porque daria um sentido positivo ao voto em branco. Seria uma forma positiva de manifestação de desagrado em relação aos partidos existentes".
Nesta entrevista para assinalar a sua jubilação, o Professor Jorge Miranda presta aos elementos dos movimentos cívicos os esclarecimentos jurídicos que careciam para fortalecerem as suas convicções.
Discorda-se, porém, sobre a eficácia do voto em branco, aliás em linha com alguns comentadores do Público cujas opiniões se regista no final. Mas temos de agradecer ao constitucionalista que esta questão comece a ser debatida na comunicação social.
O voto branco em Portugal presta-se a fraudes: num país onde se cometem assassínios em assembleias de voto, também se poderá pôr uma cruz num boletim de voto em branco. Quem duvidar das profundezas tenebrosas a que desceu a política em Portugal, pode ler este artigo que descreve, fielmente e com experiência pessoal, os comportamentos de edis e munícipes no interior do país.
Melhor será o eleitor, que não se revê em nenhum dos partidos políticos concorrentes, anular o seu boletim de voto escrevendo uma frase elucidativa e exigir que o voto nulo corresponda a lugares vagos na Assembleia da República.
Arrependido, Algures. 15.04.2011 10:51
Voto em branco
Pois eu já estive numa mesa em que se votava nos votos em branco depois das 19 horas.
- Francisco, algarve. 15.04.2011
RE: Voto em branco
Não sei se está a dizer a verdade, mas eu sempre temi que alguém pudesse fazer isso, aproveitarem o voto em branco e porem lá uma cruz. Nos votos devia haver a opção: nenhum dos outros. De outro modo é preferível fazer voto nulo, penso que as pessoas que votam nulo ou branco têm a mesma opinião. Não sei por que fazer separação entre brancos e nulos...
Também sou de opinião que votos brancos e nulos deviam ter cadeiras vazias no parlamento. Votos brancos e nulos são de pessoas que se dão ao trabalho de ir votar... é bem diferente da abstenção.
Finalmente alguém diz alguma coisa de jeito!
ResponderEliminar"Também sou de opinião que votos brancos e nulos deviam ter cadeiras vazias no parlamento. Votos brancos e nulos são de pessoas que se dão ao trabalho de ir votar... é bem diferente da abstenção."
É exactamente o que tenho feito nos últimos tempos...VOTO NULO...entendo que nenhum merece a minha confiança...mas entendo também que NÃO DEVO ABDICAR DO DIREITO DE VOTAR.
Quem se abstém não só deixou de lutar, como abdicou de um direito pelo qual muita gente deu a vida.
EliminarO voto branco pode ser interpretado como dificuldade na escolha, enquanto o voto nulo diz claramente que, numa dada eleição, não nos sentimos representados por nenhum dos partidos/coligações concorrentes.
Portanto concordamos absolutamente com a sua opinião, cara leitora.