quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Público versus privado


Foi hoje divulgado pelo secretário de Estado da Segurança Social, que o valor médio das novas pensões tem subido 4% ao ano, em claro abrandamento face aos 5% registados antes da reforma da Segurança Social de 2007.
O valor das novas pensões atribuídas pela Segurança Social em Setembro foi, em média, 452 euro.

Actualmente o valor das pensões da Segurança Social é, em média, 373 euro (se apenas forem consideradas as pensões de velhice, o valor médio é 413 euro).

Por vezes notícias singelas, como esta, originam excelentes discussões:



Sr.Tuga 20 Outubro 2010
Credo!
Tanto?
Já agora, qual o valor médio das pensões na CGA?


zenonico 20 Outubro 2010
Para o Sr Tuga, com o devido respeito

Exmo Sr. Tuga,
Permita-me que o elucide. A Caixa Geral de Aposentações paga aposentações de valor médio superior ao que se verifica para os pensionistas provenientes da actividade privada basicamente por uma simples razão: os Funcionários Públicos ganham, em média, mais do que os trabalhadores das empresas privadas. E isto pelo simples facto de, na Função Pública, o pessoal subalterno ser minoritário.
Na sua maioria, os Funcionários Públicos são Bacharéis, Licenciados, Mestres e Doutores, entre estes alguns com post-Doc. e Agregação feitas; juristas, médicos, enfermeiros, engenheiros, economistas, advogados, tradutores, curadores de museu, restauradores, professores do ensino básico, médio e superior, enfim, técnicos e técnicos superiores, em geral, e cientistas que trabalham, na maior parte dos casos, unicamente por espírito de missão.
Por sinal pessoal bem mal pago e com piores aposentações relativas. Para ter uma ideia do facto talvez não fosse má ideia se comparasse, classe a classe, os vencimentos dos funcionários públicos portugueses com o vencimento correspondente na actividade privada portuguesa e, se quiser, só para atender à variância, na estrangeira.
Um cientista reputado, com nome internacional, membro de academias internacionais de Ciência, com mais do que uma centena de trabalhos publicados em revistas de renome pode custar à República bem menos do que 4000 euro... Um cientista Alemão ou Americano pode trabalhar, ao mesmo tempo, em duas ou mais instituições separadas por um oceano. E posso-lhe referir que, num congresso havido há não muito tempo, soube até que uma Senhora, doutorada e laureada, auferia o miserável ordenado dum Técnico Superior de 2ª classe.
Estes indivíduos criam realmente riqueza e são chamados muitas vezes a remediar as borradas feitas pelas empresas privadas, cuja actividade visa basicamente o lucro.
Já agora, saberá V. Exª. que o grave problema que temos na antibioticoterapia associada às infecções bacterianas multirresistentes por agora ainda só, ou quase só, hospitalares, está ligado ao desinvestimento das empresas da área por ausência de lucro?
Acresce que na Função Pública, entendida como tal, não existem mordomias complementares, só as que são conhecidas. Nada de seguros de aposentação complementares, nada de seguros de saúde, enfim, nada daquilo que, se não é a norma, pelo menos, é o corrente na actividade privada correspondente.


Sr.Tuga 20 Outubro 2010 - 17:39
Caro Sr. zenonico,
Agradeço a informação (de forma educada). Provavelmente o problema não são os ordenados da FP, mas sim os (miseráveis) salários do privado!
Cumprimentos


CarlosSimoes 20 Outubro 2010 - 17:39
Teatralização
Mas que raio de implicância com a pensão média paga! Esses tipos que recebem só isso, são os que andaram só uns 40 ou 50 anos a trabalhar em empregos básicos, onde só deram aos patrões a sua força de trabalho, empenho e saber acumulado.
Ora isso é trabalho básico... Olharam pela sua vidinha de outra forma? Não. Estão muito bem pagos assim e deixem de contestar. Senão vejam:
"Eu que me licenciei em Direito, naquela onda pós-74 em que se fazia aquilo quase sem ir à universidade...
Eu que depois ainda tentei fazer como vocês e ganhar uns trocos fingindo que sabia de leis...
Eu que depois de ver que por essa via estava agora como vocês...
Pois é, eu abri os olhos, mexi-me, aderi a um partido dito democrata (têm mais gente!), tive a canseira de participar numas almoçaradas, tive de fingir que me interessava pelo povo, tive de passar meses e meses na capital em andanças onde gastava as noites (dormia depois)...
Eu que me cansei nessa vida, passando depois longos períodos sentado numa assembleia quando podia estar numa esplanada, não deveria ter direito àquilo que hoje me pagam de pensão e que multiplica por 10 ou 20 esses valores dos tais básicos?
"
Tansos!


sergiomanel 20 Outubro 2010 - 17:56
zenonico

Caro zenonico,
Tenho pena que esses funcionários altamente qualificados não saiam do público e abram os seus negócios no privado. Histórias de Médicos que também dão umas consultas "por fora" não faltam.
Enfim, o engraçado é que reclamam por tudo e por nada mas demitir-se e começar um negócio com os seus vastos conhecimentos é que não.
Deve ser cansativo ter o risco todo.


mares 20 Outubro 2010 - 18:21
Alguns esclarecimentos sobre CGA
Segue a tabela com o valor médio das reformas atribuídas aos reformados da Caixa Geral de Aposentações, relativa ao mês de Junho de 2010:


--------------------------------------
GNR
PSP
Direcção-Geral Impostos
Exército
Ministério da Justiça
Ministério do Ambiente
Ministério da Economia
Ministério da Agricultura
Ministério das Obras Públicas
Ministério do Trabalho
Ministério do Saúde
Ministério do Educação
Ministério do Ensino Superior
Ministério da Cultura
Empresas Públicas
Licenciaturas especiais

€/mês
---------
1424
1318
1471
1930
1725
700
1287
1188
1695
1216
1237
1687
2019
1132
1429
1703

Neste mesmo mês, a reforma mais alta foi para Empresas Públicas com 6289 €, seguida da Justiça com 6130 €. A mais baixa para o Ambiente com 230 €.

Neste mês de Junho de 2010 entraram mais 1611 novos reformados do Estado, aumentando as despesas da CGA em 2,11 M€.
Actualmente a Caixa Geral de Aposentações é deficitária em 4000 M€ por ano, sendo essa diferença coberta por transferências do subsector Estado.

A lista dos reformados do Estado é publicada no Diário da República, II Série, podendo ser obtida aqui.
Espero poder ter contribuído para o esclarecimento das pessoas interessadas neste assunto. A interpretação fica a cargo de cada um.
Abraço


Zenonico 20 Outubro 2010 - 18:55
Para Sr. Tuga

Exmo Sr. Tuga,
Permita-me que lhe agradeça a sua amável resposta. Não tenha dúvidas de que os salários praticados na actividade privada não serão propriamente condignos ao nível do pessoal subalterno, sendo abstrusos, mesmo obscenos, no topo da pirâmide.
Não consigo compreender como se pode aceitar humanamente que um concidadão sobreviva com 500 euro por mês enquanto outro se alambaza com um quarto de milhão. É tão imoral e socialmente inconveniente, que um grande banqueiro americano de meados do século XIX e início do século passado, J. P. Morgan, se não estou em erro, homem não conhecido propriamente pela sua magnanimidade, referiu que algo estava mal numa empresa em que o elemento de salário mais alto auferisse mais do que vinte vezes o ordenado do funcionário situado na base da pirâmide. E ainda há quem fale na necessidade de diminuir salários...
Um dos grandes problemas da nossa sociedade é, aliás, a brutal variância salarial e a erosão do centro da distribuição social, que foi alocado à cauda esquerda da distribuição e, como tal, deixou de servir de tampão, termo que aqui uso por analogia com o conceito químico.
A Sociedade pede às Ciências da Vida a solução para o síndrome de Alzheimer, para o cancro e para tantas outras maleitas; exigem sistematicamente às Ciências da Vida o uso do princípio da precaução.
Pergunta-se: não será de pedir igualmente à Ciência Económica que trabalhe seriamente na extinção da pobreza, que não das classes sociais, já que tal, a meu entender, é impossível por decorrer directamente da diferença (e não obrigatoriamente desejável por ser compatível com a dignidade e a felicidade humana generalizada), e que lance mão do princípio da precaução sempre que se lance numa experiência social como a que está em curso?
Atenciosamente,
Zenónico


Zenonico 20 Outubro 2010 - 19:15
Para sergiomanel

Que V. Exª. me desculpe, mas faz alguma ideia dos custos e do tempo de laboração associados à procura duma nova molécula ou o trabalho, diria mesmo as canseiras e os riscos, para já não falar dos custos, ligados, por exemplo, aos estudos em Etnobotânica?
A Função Pública, como o Instituto Nacional de Saúde ou o Instituto de Higiene e Medicina Tropical, trabalha a um nível incompatível com a actividade empresarial, a não ser, evidentemente, com a actividade das multinacionais do sector. E nestas a capacidade criativa está coarctada pelo aguilhão do lucro. Se improdutivas num lapso de tempo determinado, as linhas de investigação são descontinuadas e o conhecimento perde-se.
Um cientista que não busque os proventos imediatos, mas tão só o conhecimento e o trabalho de investigação, tende a fugir da actividade empresarial.
Note que a História da Ciência reflecte bem a necessidade da liberdade e dos meios disponibilizados pelo sector estatal para a evolução do conhecimento já que não torna as linhas de investigação dependentes dum qualquer gestor de interesses comerciais.


mares 20 Outubro 2010 - 20:00
Para Zenonico

Ex.mo Zenonico,
Poderá elucidar-me, que tendo a Função Pública tanta gente qualificada "Na sua maioria, os Funcionários Públicos são Bacharéis, Licenciados, Mestres e Doutores, (...) unicamente por espírito de missão", onde estão os resultados de tanta dedicação e de tanta formação?
Como explica que tenha de ser o cidadão comum a cobrir o rombo nas contas da CGA já que os mesmos FP no activo não conseguem descontar o suficiente para cobrir esse buraco nas contas?
Não acha que deveriam ser os mesmos funcionários públicos a equilibrarem as contas da CGA?


2 comentários:

  1. A explicação é fácil. Enquanto nas empresas privadas é obrigatório entregar à Segurança Social a taxa de 23,75% sobre os salários pagos, na função pública a entidade patronal nada descontava e só muito recentemente o passou a fazer, mas a uma taxa que, creio, se situa nos 15%. Tanto quanto sei,a administração central continua a não descontar nada.

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  2. Caro Fernando,

    Tem toda a razão. Enquanto no sector privado é obrigatório entregar à Segurança Social a taxa de 23,75% sobre os salários pagos, na função pública a entidade patronal entrega apenas a taxa de 15%, inclusive na administração central.

    Como pode verificar na Síntese da Execução Orçamental de Agosto deste ano, no quadro da Despesa do Estado - classificação orgânica (clique para ampliar).

    Aí, na rubrica Despesas com o pessoal, a parcela Segurança Social é 15% da parcela Remunerações Certas e Permanentes, em cada um dos ministérios.

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