sábado, 2 de outubro de 2010

"Funcionários temporariamente sós" - I


"01 Outubro 2010, 11:48 por Pedro Santos Guerreiro

Milhares de funcionários públicos estão a ser, neste momento, informados sobre quanto dinheiro vão deixar de receber a partir do próximo ano: são centenas de euros por mês. Isto é justo? Não. Nada disto tem, aliás, a ver com justiça.

O Estado é uma besta anafada, custa-nos dinheiro de mais para o que faz. Há funcionários a mais? Sim, ainda há. Eles ganham de mais? Sim, ganhavam cada vez mais. Então os cortes salariais são justos? Não. Porque um erro não corrige outro: o de se ter contratado tanta gente e pago de forma tão "automática", sem cuidar do mérito ou do desempenho. Os funcionários do Estado têm uma produtividade factualmente miserável, por responsabilidade de quem os gere.

Quando José Silva Lopes disse que isto só lá ia com um corte de salários no Estado, vai para dois anos, caiu-lhe o Carmo em cima. Quando Miguel Frasquilho disse o mesmo, em Abril deste ano, no Congresso do PSD, caiu-lhe a Trindade. Mesmo no PSD de Pedro Passos Coelho tal era renegado, e Frasquilho ficou mais isolado na sua "família" do que um leproso entre hipocondríacos. Mas a conta era certa, ou se atacava na quantidade (número de funcionários) ou no preço (salário). Foi-se o salário.

Nas páginas de hoje do Negócios, o desfile de números é assustador. 3,6 milhões de portugueses estão a perder rendimento real com as medidas de austeridade deste ano e do próximo. 380 mil perderão abono de família. 450 mil funcionários do Estado e das empresas públicas perderão mais de 140 euros por cada mês.

Ainda há meses o Governo cedia nas negociações com os professores, pagando mais 400 milhões de euros por uma paz com a classe. Agora, veio a ressaca. Os funcionários públicos foram os últimos a ser afectados na "defesa do Estado social" mas foram-no pela medida grande. E ninguém voltará a chamá-los de privilegiados.

Vindo tarde, e sob ultimato internacional, o pacote de medidas de austeridade tem muito pânico e pouca estratégia. É muito financeiro e pouco económico. Não se percebe como é que o Governo teve um gabinete de crise política tão competente e não teve um gabinete de crise económica que criasse, pelo menos, planos de contingência.

As pensões mais baixas também são congeladas, o que é inédito; as pensões mais elevadas ficam intactas, o que é descabido. Até a acumulação de pensões pública e privada permanece para os casos actuais, passando a aplicar-se apenas doravante. E a classe política sai praticamente incólume, quando é ela a grande responsável por este descalabro. A única medida para aplacar a "ira" é a taxa sobre o sistema financeiro, que está longe de ser voraz.

Este é, de facto, um plano de austeridade financeiro, que foi acelerado pelas pressões mediáticas e discretas da banca portuguesa há duas semanas. Estávamos mesmo a ir "contra a parede" que Fernando Ulrich um dia desenhou na nossa imaginação. Como diz nesta edição o economista da OCDE que acompanha Portugal, a alternativa à recessão que vamos ter seria outra recessão ainda pior, provocada por falta de financiamento. Não encontrámos outra solução que não fosse uma recessão económica, que cura e arde como álcool numa ferida aberta."


Este artigo do director do Negócios pretende incentivar uma profunda reflexão. Antes de procurarmos as causas da profunda decadência na educação, começamos por registar a opinião de alguns comentadores do artigo:


jtpacheco 01 Outubro 2010
Injustiças
Se dúvidas ainda houvesse, tornou-se agora evidente que já passámos a fase da ponderação do que é justo. Não há dinheiro para continuar tudo como dantes e, independentemente da justiça das medidas, temos que ajustar a despesa àquilo que conseguimos pagar. A alternativa é assumir compromissos no papel, sabendo à partida que não os conseguiremos honrar.
Verdadeiramente injusto (e eu diria criminoso), foi tratar deste tema como se nada se estivesse a passar, sempre a reboque dos acontecimentos, como se o mundo tivesse mudado sempre na quinzena anterior.
Verdadeiramente injusto foi ter adiado sucessivamente as medidas de controle da despesa e racionalização do investimento (esquecido neste pacote) e, sobretudo, ter aldrabado sistematicamente o país, criando expectativas irrazoáveis que tornam agora incompreensíveis e tão difíceis de aceitar estas medidas.
Se a poupança era necessária, por que é que se reduziram as taxas dos certificados de aforro, passando a mensagem de que era preferível envidarmo-nos lá fora a poupar cá dentro? Se a despesa precisava ser controlada, por que é que foi fechado um aumento extraordinário de 2,9% aos funcionários públicos?
A coerência é indispensável para a credibilidade e estes ziguezagues retiraram ao Governo uma e outra. Quem nos diz que amanhã não venham dizer o contrário do que disseram hoje, argumentando que o mundo voltou a mudar nos quinze dias precedentes?

WofG 01 Outubro 2010
Até um cego vê!
Mesmo quem não percebe nada de economia percebeu logo, após o anúncio do governo, três aspectos que aqui aparecem descritos:
  • Vindo tarde, e sob ultimato internacional, o pacote de medidas de austeridade tem muito pânico e pouca estratégia. É muito financeiro e pouco económico
  • As pensões mais baixas também são congeladas, o que é inédito; as pensões mais elevadas ficam intactas, o que é descabido.
  • Até a acumulação de pensões pública e privada permanece para os casos actuais, passando a aplicar-se apenas doravante. E a classe política sai praticamente incólume, quando é ela a grande responsável por este descalabro.
Quanto aos funcionários públicos, eles não ganham nem bem, nem muito bem, a maioria neste momento ganha mal e com poucas condições. Nem sequer trabalham pouco, o que fazem é que pode ser pouco eficiente e produtivo, mas isso é culpa dos dirigentes, da burocracia, do excesso de controlo e zelo (em coisas insignificantes).
Acham que, para um trabalhador competente e esforçado, é gratificante saber que as tarefas que desempenha são tratadas sempre de igual forma quer sejam importantes, irrelevantes, bem ou mal feitas? É difícil manter os níveis de motivação!

hmco2000 01 Outubro 2010 - 18:30
Quando se diz alguma coisa deve-se saber do que se fala
Dizer que os funcionário públicos ganham 1500 euros é pura demagogia e, infelizmente para os funcionários públicos, pura mentira. Se há alguns funcionários públicos a ganharem 1500 euros e até mais, a grande maioria ganha bem menos e até o escalão mais baixo da remuneração dos funcionários públicos aufere menos que o salário mínimo nacional. Se é verdade que há alguns funcionários públicos a auferirem vencimentos superiores aos 1500 euros é também verdade que no sector privado há quem aufira bem mais que os melhores vencimentos da função pública e não é por mérito muitas das vezes mas sim por serem " filhos e afilhados".
É sempre óptimo falar-se do que se sabe e não embarcar na demagogia de que os funcionários públicos são uns privilegiados. Mas uma coisa são os funcionários públicos e outra bem diferente são os políticos (deputados, ministros, etc.), os gestores públicos, os assessores avençados (que são do sector privado mas trabalham para o Estado fazendo o que fariam melhor e mais rapidamente os funcionários públicos dos respectivos sectores).
Mas descansem os felizes pelo corte dos vencimentos do sector público que esse corte vai cair ainda com maior força no sector privado. O exemplo já se começa a ouvir quando o patronato diz que não vai assegurar o aumento acordado para o salário mínimo nacional. Atrás deste virão as falências e o desemprego.
E os trabalhadores do sector privado, que tão contentes ficaram com o corte nos vencimentos do funcionários públicos, vão dar graças a Deus de ainda haver alguns funcionários públicos a trabalhar nos hospitais, e assim poderem ter cuidados de saúde, a trabalhar nas escolas, e assim poderem dar instrução aos filhos, a trabalhar nas polícias, e assim ainda haver alguma segurança, etc.
É que muito do pessoal da função pública que ganha mais de 1500 euros é muito diferenciada e facilmente arranja emprego noutras paragens a ganhar mais. Depois escusam os felizes pelos cortes na função pública de dizer que deve haver serviço nacional de saúde gratuito ou escolaridade gratuita assegurados, porque se não houver profissionais para assegurar tais serviços públicos podem haver muitas e boas leis que elas não serão implementadas por falta de recursos humanos. Os funcionários públicos são profissionais, não são beneméritos nem mecenas.

cesc.melo1 02 Outubro 2010 - 00:51
Preconceito
Deixe-me dizer-lhe.
Funcionários a mais? É fácil afirmá-lo. Difícil é prová-lo. Todos os dias ouvimos queixas de todos os lados (escolas, hospitais, polícias, bombeiros profissionais, etc.) de falta de pessoal para cumprir a missão. Aconselho-o a ler o relatório comparativo do emprego público nos países europeus.
Ganham de mais? Em que se baseia para produzir esta afirmação? Considerando os seus níveis de habilitações ganham menos que o sector privado. E já agora dou-lhe um simples exemplo: a subdirectora de informação da RTP (Judite de Sousa) ganha mais que o primeiro-ministro de Portugal!
Não são produtivos? É possível. Diga isso ao médico ou ao enfermeiro que o atender no hospital ou centro de saúde, se necessário operando-o durante 20 horas sucessivas para o salvar, ou ao polícia que arrisca a sua vida para o resgatar, quando for feito refém de um qualquer grupo de assaltantes. E tantos mais exemplos que eu lhe poderia dar.
Ah, já sei, à hora de saída do emprego saem a correr não dando nem mais um minuto ao serviço. Não se esqueça que no Estado os trabalhadores administrativos são quase todos do sexo feminino. E saem para irem buscar os filhos à creche ou à escola, para que os maridos, trabalhando em bancos ou companhias de seguros, possam valorizar as suas carreiras, em detrimento da carreira das mulheres.
Podia dizer-lhe muito mais, com conhecimento de causa, pois trabalho para o Estado e habituei-me a ter horas de entrada (9 horas) e não de saída (19, 20 ou 21 horas), pois de outra forma nunca teria visto a carreira ser valorizada.

AtomSmith 02 Outubro 2010 - 16:36
A Função Pública tem o que merece
É isto que acontece aos parasitas quando o hospedeiro deixa de ter sangue para os alimentar.
Quem quis transformar a função pública numa organização parasitária e a quis manter assim? Agora aguentem-se. Só tenho pena neste país das pessoas que não quiseram este governo e que não querem socialismo nem Estado social e que vão ter que pagar pela imbecilidade da maioria da população.
Quem é que andou a deseducar os portugueses? A ensinar-lhes que o Estado tinha a obrigação de tomar conta deles e que haveria sempre dinheiro para tudo?
Isto é como na Idade Média, só que esta peste negra tem de facto origem nos vícios e imoralidades que se instalaram no nosso país: hipocrisia, mentira, ostentação, ignorância, ócio, etc.

freigada1 02 Outubro 2010 - 21:32
Tenham vergonha
Pergunto eu:
Onde estão os congelamentos de admissões na administração pública local (APL)?
Tem sido o refúgio para os boys (de todos os partidos).
Onde está a verdade sobre os concursos públicos?
Mais de 90% das admissões estão viciadas: à partida o Boy já está escolhido. Hoje a APL é, na grande maioria, a classe dos beneficiados de um sistema completamente corrompido. E admirem-se pelo estado das coisas. Na pirâmide da APL temos incompetentes desde a base até ao topo.
Tenham vergonha, Funcionários Públicos, e admitam a verdade. Têm emprego, não pela competência mas pela cunha do presidente da câmara, do deputado amigo, do vereador que é padrinho, etc. Este pacote é apenas uma amostra do que deveria ser feito.
Eu despediria todos os FP’s admitidos nos últimos 15 anos e colocaria uma agência internacional a efectuar as readmissões. Só assim esta situação se resolveria.
Este país não tem emenda.


2 comentários:

  1. Abaixo a Ditadura dos Grisalhos!
    Muito do que os "colegas" comentaristas dizem está certo.
    Mas concentrem-se no essencial: o País só vai encarrilar se a nossa classe dirigente tiver moral para nos conduzir.
    E isso só acontece quando derem o (bom) exemplo.
    Comecem por cortar a acumulação de pensões, e o desvario de pensões dadas com poucos anos de serviço, e as pensões ganhas com regras (emolumentos, biénios, etc.) injustas para com o resto da população.
    Comecem por resolver esssas injustiças, legalizadas ao longo de 30 anos de desvarios legislativos, mas imorais!
    Não são os abonos de família que prejudicam a moral da Nação.
    É termos um PR que acumula 3 ou 4 pensões, com ordenado.
    Abaixo a Ditadura dos Grisalhos!

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  2. Caro Pedro,

    Concordo que o PEC 3 consagra medidas de uma grande injustiça social. As pensões mais baixas são congeladas e as pensões mais elevadas ficam intactas. Até a acumulação de vencimentos e pensões continua para os casos actuais, prometendo-se apenas evitar no futuro.

    Os blogues podem ser um veículo de esclarecimento ao permitirem ligar documentos que atestem essas injustiças.

    Mas há uma esperança: nota-se que as pessoas com acesso à Net estão a exigir uma transformação de mentalidades e a observância de um código de ética que, espera-se, dará origem a políticas mais justas.

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