Há 36 anos que esperava pelo dia da queda salarial na função pública. Sabia que iria acontecer porque a subida dos rendimentos das famílias não esteve associada a uma subida do nível cultural da sociedade, só não sabia quando. A pouca qualificação é uma das causas da estagnação económica e vai seguir-se o empobrecimento generalizado da população.
O problema começou na época do alargamento da escolaridade obrigatória para 6 anos (1964), porque não havia escolas, nem professores suficientes. Montaram-se pavilhões pré-fabricados e criaram-se licenciaturas em ensino para formar rapidamente professores. Tinham cinco anos, como as outras, mas só havia exames nos dois primeiros anos, seguiam-se mais dois de conversa fiada e o último era um estágio pedagógico numa escola.
Depois aconteceu o 25 de Abril e das universidades saíram licenciados com três semestres de passagens administrativas (sem exames). Surgiram as Ciências da Educação a defender que os alunos podiam adquirir competências sem que os professores transmitissem conhecimentos, apenas brincando. Os defensores de pedagogias estritamente activas e da teoria (oca) das competências multiplicaram-se como cogumelos nas universidades e nas escolas superiores de educação dos institutos politécnicos, entraram na Assembleia da República e instalaram-se no Ministério da Educação (ME).
Construíram-se muitas escolas, bem equipadas, mas admitiram-se professores cientificamente mal preparados, muito permissivos com a indisciplina, sem rigor na avaliação dos alunos, que aderiram de alma e coração às teorias dos técnicos das Ciências da Educação, actualmente conhecidos por técnicos do “eduquês”. Teorias essas que contaminaram a política educativa, a legislação relativa ao ensino e os programas escolares, com o resultado que está à vista: os alunos estão a terminar o 9º ano sem serem capazes de interpretar um pequeno texto, escrever meia dúzia de linhas sem erros ortográficos e gramaticais ou resolver um problema simples de Física ou de Matemática.
Alguma vez se separou o trigo do joio? Nunca.
Guterres permitiu-lhes aceder ao topo da carreira em 26 anos e Lurdes Rodrigues promoveu-os a professores titulares, através de um concurso administrativo, permitindo-lhes consolidar os lobbies que já tinham criado nas escolas. Alguns tiveram de pedir ajuda a colegas para abrir a aplicação informática do concurso, não obstante foram nomeados coordenadores de departamentos e núcleos pelos directores e o modelo de avaliação elevou-os à categoria de avaliadores de todos os outros docentes.
Haviam transformado a avaliação dos alunos numa farsa para melhorar estatísticas. Estão a converter a avaliação dos docentes numa tragédia, pois se até aqui só tinham influência na distribuição de horários e turmas, agora podem, e estão, a prejudicar gravemente a carreira dos colegas.
Bastava o ME criar uma base de dados com as habilitações académicas dos 125 mil docentes para concluir que só uma avaliação externa às aulas, feita por professores do ensino superior da área de leccionação, poderá garantir que um docente será avaliado por mérito. E criar uma escola pública onde haja, de novo, rigor e exigência.
Mas o PEC 3 é apenas um plano de austeridade financeira, não altera a política educativa, portanto o problema de fundo vai permanecer. E não vai ser resolvido na próxima década: pegue-se na lista de deputados, ministros, secretários de estado e veja-se quantos pertencem ao lobby das Ciências Sociais e das chamadas “ciências da educação”. No ME é toda a cúpula.
A solução reside na transformação da classe política. Ora Pedro Santos Guerreiro reconhece, e bem, que a classe política sai praticamente incólume da redução salarial, quando é ela a grande responsável por este descalabro.
Então, o que nos resta? Esperar que os estratos sociais mais cultos da população desencadeiem uma transformação de mentalidades que depois se reflectirá na escolha, pelos eleitores, de uma nova classe política.
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