segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um visionário, ou um artigo a ler obrigatoriamente


Transcrevemos, com a devida vénia, este artigo de António Brotas, professor catedrático jubilado do Instituto Superior Técnico, publicado no semanário Alentejo Popular, pela importância que o assunto tem no futuro de Portugal:


"A auto-estrada Sines/Beja

A construção da auto-estrada Sines/Beja, aplaudida por todos os partidos na imprensa regional quando das recentes eleições autárquicas, é uma obra com um impacto insignificante na nossa economia e no desenvolvimento regional, como imediatamente compreenderá quem se der ao trabalho de olhar um mapa das estradas.
Os argumentos apresentados para a justificar são risíveis, como é o caso de permitir que os contentores chegados a Sines por via marítima saiam do país pelo aeroporto de Beja (os contentores usados nos aviões são diferentes).
O facto de esta auto-estrada ter de atravessar propriedades agrícolas é um inconveniente inevitável neste tipo de obras. O que é grave são os juros que os nossos filhos e netos terão de pagar por esta obra descabida e mal pensada.

A Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu, em Janeiro e Fevereiro, uma série de três conferências sobre o tema: «China, Panamá, Sines. A Rota da Seda do século XXI?».
No último encontro sobre «Sines e os transportes terrestres», em que eu e o Professor Luis Mancorra, da Universidade de Badajoz, falámos, ficou perfeitamente claro que a obra que temos de fazer nos próximos anos é uma linha ferroviária de bitola europeia e baixa velocidade, com custos relativamente diminutos, na direcção Norte-Sul. (...)
Permito-me transcrever aqui a intervenção de síntese que fiz no final da segunda conferência, diante do Senhor Embaixador da China, que nos deu a honra de estar presente acompanhado por um conjunto de técnicos:

"Portugal, na Europa, ao longo da sua história, foi sempre ou um país periférico ou um país central. Foi um país central quando soube tirar proveito da sua geografia para estabelecer contactos com todo o resto do mundo.
Actualmente, há mercadorias vindas do Oriente que desembarcam em Roterdão e vêm por caminho-de-ferro para Portugal. Isto significa que estamos na situação de país periférico. Mas o aparecimento dos muito grandes navios de carga vem em nosso favor. Estes navios têm dificuldades cada vez maiores no acesso aos portos do Norte da Europa, dum modo geral já saturados. O número destes navios, actualmente muitos em construção, está a aumentar devido ao previsto alargamento do canal do Panamá, que será efectivo em 2014.

O porto de Sines é, possivelmente, na Europa, o porto com melhores condições para receber os navios vindos da China pelo canal do Panamá. Esta ligação deve ser encarada não como uma ligação da China a Portugal, mas como uma ligação da China à Europa. De Sines, as mercadorias irão em grande parte por via marítima para o Norte da Europa e para o Mediterrâneo.
Por isso, a Sociedade de Geografia de Lisboa ousou pôr na designação destas conferências, embora ainda com um ponto de interrogação, a expressão: «A Rota da Seda do século XXI?». Para nós, no entanto, trata-se de uma certeza.

Há uma questão que só foi levemente aflorada nestes dois encontros, mas que convém focar. É o problema do retorno. O que é que vão levar os navios que regressam à China? Estamos certos que as relações entre a China e a Europa atingirão, num prazo não muito longo, uma situação em que as mercadorias circularão dum modo equilibrado nos dois sentidos.
A zona de Sines e as regiões a ela ligadas por bons transportes terrestres transformam-se, assim, em regiões com condições excepcionais para montar indústrias destinadas a exportar para metade do Mundo. Portugal e a Espanha, sobretudo a Estremadura espanhola, vão beneficiar desta situação. E esta é a razão da última conferência: «Sines e os transportes terrestres».
"

António Brotas
Lisboa"


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