sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Intoxicações de poder"


"29 Julho 2011 | 11:55
Miguel Pina e Cunha


A detenção de Dominique Strauss-Kahn, a 14 de Maio, foi um dos acontecimentos do ano nos planos da política e da sociedade.

O caso foi um "évènement" político não apenas porque DSK era presidente do FMI mas porque constituía o principal adversário de Sarkozy na próxima eleição presidencial francesa. Tratou-se também de um acontecimento de sociedade, dado o estilo de vida de DSK, um socialista com gostos de luxo, ou na linguagem gaulesa, um socialista champanhe.

Para lá das suas características próprias, o "affaire" DSK ajuda a compreender algo mais vasto e interessante: o efeito intoxicante do poder sobre o comportamento humano. O fenómeno é conhecido nos seus traços gerais, tal como reflectido na famosa citação de Lord Acton: o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Henry Kissinger disse também algo que importa para o episódio que aqui se trata: "o poder é o derradeiro afrodisíaco". Analisando o episódio DSK, a "Time" colocou na capa da sua edição de 30 de Maio um porco para ilustrar o título: "Sex. Lies. Arrogance. What makes powerful men act like pigs". (...) Independentemente das reviravoltas do caso, das passadas e das futuras, algumas notas merecem atenção:
  1. O poder intoxica. Deve por isso ser usado com cautela. Trabalho experimental realizado em várias partes do mundo tem confirmado este efeito. Evidência recente mostra por exemplo que os mais poderosos têm maior dificuldade em colocar-se no ponto de vista dos outros. O mundo é diferente, por outras palavras, quando visto a partir do alto. O poder diminui as inibições. Como resultado, influencia o comportamento sexual. Homens e mulheres mais poderosos adoptam comportamentos de abordagem sexual mais desinibidos e os homens adoptam comportamentos mais desinibidos do que as mulheres.

  2. Como consequência, os poderosos actuam mais facilmente de uma forma que desafia as convenções e a moral e que desconta as consequências do comportamento sobre os outros. A explicação é simples: os poderosos têm uma capacidade de influência que os desinibe e os leva a pensar em oportunidades; os pouco poderosos receiam sobretudo ameaças e inibem comportamentos potencialmente sancionados. À medida que o tempo passa e os padrões se acentuam, os muito poderosos habituam-se a viver num mundo com fracas barreiras à sua vontade.

  3. Estes padrões podem todavia ser temperados. Indivíduos mais auto-conscientes podem tentar auto-limitar os seus comportamentos. Ou, mais eficazmente, o sistema pode criar pesos e contrapesos que estabelecem os limites do poder de actores individuais. O poder é distribuído. Por exemplo, quando a mesma pessoa é CEO e "chairman", o sistema não desconcentra poderes e tenta os líderes com a "hubris", a eterna síndrome da presunção.

  4. Não por acaso, os antigos romanos criaram uma série de mecanismos que visavam lembrar ao comandante vitorioso, na hora da consagração, a sua condição humana.

  5. Os fenómenos anteriores são mais gravosos em culturas de forte distância de poder — como a portuguesa. Nestas, o poderoso é constantemente lembrado da sua condição especial. Nas outras, todos são iguais perante a lei. Donde a guerra cultural entre França e EUA. Merece DSK ser tratado como foi? Para os americanos sim, porque se trata de alguém igual aos outros; para os franceses não, porque DSK não é um comum mortal (Bernard Henry-Levy dixit).

  6. Pelas razões anteriores foi uma grata surpresa escutar o novo ministro da economia Álvaro Santos Pereira dizer que prefere ser chamado Álvaro em vez de Ministro — ou, acrescento eu, Sr. Ministro ou mesmo Excelência. Obrigado, caro Álvaro, continue a desempoeirar mentalidades.
(...)"


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