Henrique Neto foi deputado do PS na VII legislatura (1995-1999), durante o primeiro governo de António Guterres, e é uma das vozes mais críticas, no interior do partido, da governação de José Sócrates e da falta de debate no partido.
Eis um excerto da sua entrevista de ontem ao jornal i:
“Discutir, por exemplo, o número de deputados como um grande objectivo é ridículo. Do ponto de vista do custo é ridículo e o problema não é haver 230 deputados ou 180 deputados.
O problema é os deputados estarem lá e não fazerem nenhum. Não terem ideias, não terem propostas nem capacidade crítica. O problema é serem escolhidos pelas direcções partidárias em vez de serem escolhidos pelos eleitores, ou pelo menos pelos militantes dos partidos.”
Os registos das sessões da Assembleia da República mostram que Henrique Neto cumpriu o seu dever de deputado, defendendo o desenvolvimento do distrito que o elegeu, em vez dos interesses partidários, e confrontando o governo de Guterres:
"22 DE JUNHO DE 1996
O Sr. Henrique Neto (PS): — Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Os Deputados do PS, eleitos pelo distrito de Leiria, pretendem, através desta pergunta ao Governo, defender o sistema ferroviário como uma forma moderna de transporte de pessoas e mercadorias e reivindicam, concretamente, a modernização da linha do Oeste, nomeadamente a sua electrificação e a construção da via dupla. As gentes do distrito de Leiria, na sua sabedoria simples, não compreendem e sentem-se revoltadas com o desamparo e o abandono a que a linha do Oeste foi votada. É que consideram que o comboio é a forma de transporte que melhor corresponde às suas necessidades, por razões de preço, de comodidade, de defesa do ambiente e, finalmente, porque coabitam diariamente com as notícias dos mortos e estropiados resultantes de acidentes nas estradas do distrito. Neste século, o distrito de Leiria cresceu e desenvolveu-se ao longo da via férrea que foi o eixo essencial do seu progresso e que atravessa o centro de quase todos os concelhos do distrito. É esta autêntica rede vital para o distrito de Leiria que se deixou morrer aos poucos até ao colapso actual: carruagens em que chove, horários «surrealistas» e não cumpridos, estações degradadas e ao abandono e um tempo de chegada variável, isto é, em que acontece tudo o que pode acontecer. Como transporte de mercadorias, a linha do Oeste limita-se a transportar cimento e já vai longe o tempo em que era o meio de transporte preferido para toneladas de vidro, de madeira e de combustíveis. Entretanto, apenas na Marinha Grande de hoje, três empresas vidreiras produzem 1300 toneladas de garrafas por dia, ou seja, entre 3 e 4 milhões de garrafas, o que significa dezenas de camiões diários a congestionar as estradas do País e da Europa. Recentemente, o distrito de Leiria foi atravessado pela auto-estrada, que é, supostamente, a nova via fundamental do distrito. Só que a A1 não tem ligação moderna a nenhuma sede de concelho, a nenhuma zona industrial, a nenhum porto de mar, a nada com interesse económico que exista no distrito. A auto-estrada A1 foi criada para ligar Lisboa ao Porto, ponto final! Esta «arrogância» da nova auto-estrada é um contraponto chocante à humanidade decadente representada pela velha linha do Oeste, mas é principalmente a arrogância de uma política de obras públicas desintegrada de qualquer estratégia de desenvolvimento, obras que representam apenas custos, sem contribuir significativamente para a criação de riqueza e competitividade da nossa economia. Por outro lado, representa o modelo típico. dos países subdesenvolvidos, porque em vez de se fazer a manutenção e a modernização dos equipamentos existentes, deixam-se ao abandono e fazem-se novos. Por esta e por outras é que somos pobres! Por nós, o caminho de ferro será o grande meio de transporte do século XXI, e para que tal aconteça nem sequer é necessário pensarmos nos novos supercondutores ou em comboios que circulam a 600 ou 800 km/hora. Basta ver o que acontece na Europa. O que é moderno é poder chegar a Lisboa numa hora, com todo o conforto e segurança, a ler o jornal ou a tomar o pequeno almoço, em vez de se gastar a mesma hora nos engarrafamentos das zonas urbanas das duas cidades. Modernidade é ainda antecipar a linha do Oeste como uma extensão do sistema de transportes da grande Lisboa do futuro, quando for uma rotina ir à praia a S. Martinho, à Nazaré, ou almoçar em Óbidos, a partir de qualquer ponto da Área Metropolitana de Lisboa, em apenas 45 minutos; modernidade é a criação de uma rede de transportes que sirva os cidadãos com conforto, bem como as empresas e a economia, em que o objectivo essencial seja promover a qualidade de vida das pessoas e a competitividade das empresas portuguesas no mundo.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Termino, Sr. Presidente, com uma pergunta simples: o que pensa o Governo fazer relativamente à linha do Oeste?
O Sr. Presidente (João Amaral): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.
O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Guilhermino Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, antes de responder à questão que me colocou, gostaria de enquadrar a intervenção que o Governo pensa fazer na linha do Oeste com alguma reflexão, ou seja, enquadrar a estratégia que vamos seguir com o que se tem passado nos últimos anos. Com efeito, ao longo dos últimos anos, tem havido uma quebra substancial do tráfego de passageiros na linha do Oeste, quebra essa que, nos últimos cinco anos, atinge os 12%. Esta situação deve-se, certamente, ao aumento da competitividade da rodovia em relação ao caminho de ferro. Por outro lado, relativamente ao tráfego de mercadorias na linha do Oeste, aí sim, verifica-se um aumento substancial, situado na ordem dos 40%. Ainda no que diz respeito aos passageiros, ao longo de toda a linha, há uma distribuição muito desequilibrada da procura, ou seja, existem tráfegos com alguma intensidade entre Lisboa e Torres Vedras e tráfegos relativamente diminutos entre Torres Vedras e Figueira da Foz. Pelo contrário, ao nível das mercadorias, os tráfegos crescem, fundamentalmente, entre Torres Vedras e a Figueira da Foz. Existem, portanto, duas estratégias de intervenção para a linha do Oeste: por um lado, nos troços entre Lisboa e Torres Vedras, será feita uma melhoria substancial ao nível do tráfego de passageiros, através da duplicação e electrificação da via, prevendo-se um investimento de 10 milhões de contos até ao ano 2000; por outro lado, nos troços entre Torres Vedras e Figueira da Foz, os investimentos serão destinados, muito mais, a potenciar esta linha como transporte de mercadorias, ou seja, entende-se que todo o desenvolvimento desta região pode ter como suporte o caminho de ferro e uma boa acessibilidade a este. Assim, está em estudo a sua ligação ao porto da Figueira da Foz e, ao mesmo tempo, vai tentar-se melhorar a sua inserção na Rede Ferroviária Nacional principal, isto é, a linha do Norte. Neste troço, estão em causa investimentos no valor de 2,7 milhões de contos, precisamente por causa do crescimento que se tem verificado, nos últimos anos, ao nível do tráfego de mercadorias, designadamente nas áreas do papel e das madeiras, bem como dos cimentos e dos cereais. No fundo, os investimentos serão canalizados, fundamentalmente, para criar uma maior acessibilidade à Rede Ferroviária Nacional e à zona portuária.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Transportes, para além do Sr. Deputado Henrique Neto, inscreveram-se os Srs. Deputados Nuno Abecasis e Roleira Marinho. Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto, por dois minutos.
O Sr. Henrique Neto (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, devo confessar que o que me diz não é muito animador. A minha avó, que era uma senhora relativamente sábia, costumava dizer que só fica feito aquilo que se faz! Sei que é uma evidência, mas por vezes esquecemo-nos disso. O Sr. Secretário de Estado falou de algumas dificuldades, dificuldades essas que são conhecidas e que resultam do facto de não ter existido nenhum estudo sério sobre o que pode representar uma linha férrea moderna naquela região. A linha do Oeste é essencial para as pessoas do distrito de Leiria, mas é evidente que, em presença da degradação da via, as pessoas não a utilizam — faço o caminho entre a Marinha Grande e Lisboa três a quatro vezes por semana e, se existisse um caminho de ferro razoavelmente moderno, a última coisa que me passaria pela cabeça era vir de automóvel! É evidente que, como eu, há dezenas ou centenas de milhares de pessoas que também o fariam, pessoas essas que, sendo normalmente oriundas das classes médias ou médias-altas, são as que melhor podem pagar estes serviços. Portanto, do meu ponto de vista, a situação actual não serve de exemplo para coisa nenhuma. Penso que deve ser feito um estudo sério sobre esta questão que nos permita saber, para começar, quais as pessoas, as classes sociais que se deslocariam a Lisboa, à Figueira da Foz, às Caldas da Rainha ou a Torres Vedras, utilizando a via férrea, e quais as empresas com grandes movimentos de cargas que poderiam usar o caminho de ferro para o efeito. Posso dizer que, por exemplo, na garrafaria de que já falei existe o desejo de poder fazer o transporte das garrafas por caminho de ferro, porque seria um meio mais eficaz, mais barato, que não congestionaria as estradas e envolveria uma gestão e uma logística mais simples. A questão do desequilíbrio da procura é evidente, Sr. Secretário de Estado, porque as pessoas das classes médias, que possuem automóvel ou podem recorrer a outras alternativas, não utilizam a linha do Oeste, que é pré-histórica! Só as pessoas que não tem qualquer alternativa — e são muito poucas — é que o fazem. Creio que não podemos encarar este problema da linha férrea com uma lógica do passado, antes temos de perguntar qual vai ser a forma de transporte privilegiada do futuro e em que medida uma linha férrea moderna pode servir não só os habitantes da Área Metropolitana de Lisboa, que «passa a vida na ponte», sem alternativas de transporte para outros locais, como também todas as pessoas da região Oeste, da Alta Estremadura.
O Sr. Presidente (João Amaral): — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis, que dispõe de um minuto para formular a sua pergunta.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, penso que a pergunta que o Sr. Deputado Henrique Neto aqui nos trouxe foi bastante oportuna, até porque é dificilmente explicável que se fale, com grande insistência, da necessidade de criar um corredor de transporte pesado entre Loures e Lisboa — que não se sabe muito bem por onde é que poderá penetrar em Lisboa... —, e nunca tenha ocorrido a ninguém que a linha do Oeste seria uma excelente alternativa, principalmente se fosse possível fazer a ligação de Loures não directamente a Lisboa, mas aumentando o hinterland da Linha do Oeste. Sr. Secretário de Estado, esta é uma ideia que pode ser criadora. De facto, também penso como o Sr. Deputado Henrique Neto: no dia em que circularem nos carris da linha do Oeste carros de bois vai ver que não passa lá ninguém! E o que se tem feito até agora é aproximar as carruagens dos carros de bois.
O Sr. Henrique Neto (PS): — É verdade!"
Na entrevista de ontem o empresário defende que a única solução para o país passa pelo próximo congresso dos socialistas substituir José Sócrates por António José Seguro.
O ex-deputado alerta que, se reeleger José Sócrates, "o PS vai pagar caro os erros do actual primeiro-ministro" e corre o risco de ser empurrado para a oposição durante muitos anos.
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António José Seguro é um licenciado em Relações Internacionais por uma universidade privada irrelevante que se profissionalizou na política: secretário-geral da Juventude Socialista, entre 1990 e 1994 e deputado à Assembleia da República, eurodeputado ou membro do governo a partir de 1991. Talvez seja o melhor que por lá se consegue encontrar... Vejamos a opinão de alguns comentadores da notícia:
abx 08 Fevereiro 2011
O PS?
O PS vai pagar? Eu quero que o PS se dane. Estou preocupado é com Portugal e os portugueses. Comecem a pensar pela própria cabeça e estabeleçam paralelismos com a I República.
ABemDaNacao 08 Fevereiro 2011
Uma chapelada ao Henrique Neto!
Que seguramente não pertence à geração "tão parva que eu sou".
Para mal dos nossos pecados, quase tudo o que este senhor diz é a mais crua verdade. Apenas não concordo quando diz que o que o José Sócrates faz é quase sempre errado. Eu diria que é exactamente ao contrário, é quase sempre certo, mas não genuinamente na lógica do beneficio dos cidadãos, da sociedade e da economia.
Sabemos que a democracia ainda é o melhor dos sistemas mas não é um sistema perfeito. A pergunta que fica para reflexão é: como podemos prevenir que líderes com este tipo de perfil e padrão de valores possam chegar a ocupar as posições de PM ou de PR (no caso actual, infelizmente, não muito diferente, embora em estilo algo distanciado do outro)?
HectorX 08 Fevereiro 2011
PS e oposição interna
É importante que se conheça que há vozes internas que pensam e propõem alterações no PS. Este partido está tomado pelo "aparelho" e dificilmente Assis, Lelos, Almeidas, etc e associados em simbiose e que se aproveitam das regalias do partido e do Estado vão permitir alterações. Seja como for, parece também ser estranho que apenas agora, na desgraça, apareçam os "coveiros" e infelizmente num tom pessoalista e fulanizado o que, para pessoas sérias, parece tratar-se de vendita. Temos muitos que querem fazer política, e poucos que tenham qualificação, e tal passa transversalmente por todos os partidos.
Olisipone 08 Fevereiro 2011
Mediocridade e servilismo
Pelos comentários se vê que há aqui muitos adeptos do Sócrates e muita gente desonesta, que se deve ter estado a servir bem nestes anos de desgoverno PS e que continua a tentar aproveitar-se.
Manelze 08 Fevereiro 2011
Sem partido, clube ou religião
E não gosto do Socas nem com molho de tomate. Parece-me aquele sujeito que está nas feiras a vender aquelas pomadas que dão para todas as doenças. Estou nas tintas para o PS, BE, PSD, PCP. São todos tão iguais que só se nota diferença no fato de macaco que albergam quando estão à manjedoura. Estou nas tintas para as ditaduras internas de cada partido. Ninguém anda lá por obrigação.
Mas, uma coisa é certa. A senhora Merkel está a ditar as ordens e o Socas está a cumpri-las na íntegra. Portugal parece um animal de matilha, "tem que ter um líder". Que Portugal tenha proveitos.
Observador-JF 08 Fevereiro 2011
É tempo de clarificar posições
Não concordo com tudo o que Sócrates tem feito, mas temos que reconhecer, primeiro, que ele tem feito muita coisa, e muita coisa boa, e tem demonstrado muita coragem e determinação na governação do País.
As oposições dos outros partidos, se acham que sabem e podem fazer melhor, devem apresentar a tal anunciada moção de censura o mais breve possível.
As oposições internas no seio do PS, se existem, que avancem e vão a votos já para o mês que vem.
Se uns e outros o não fizerem, e até por uma questão patriótica, deixem governar quem foi eleito para o fazer. E não dificultem ainda mais a governação nestes tempos de crise internacional em que vivemos.
ABemDaNacao 08 Fevereiro 2011
Não concordo com a tese de que mais vale ...
... termos um ditador manipulador que nos conduziu até onde hoje estamos, porque fala bem e fica bem no boneco, do que termos sabe-se lá o quê.
Certo que a situação actual não começa com o PS de Sócrates, começa bem lá mais atrás, com o Sr. que hoje se instalou em Belém.
Espero que os Portugueses abram bem os olhinhos e que não se ponham com maiorias absolutas, que degeneram no que se sabe, mas sim que obriguem os partidos a encontrar compromissos e equilíbrios na AR. Parece-me a única via para refrear a sofreguidão, voracidade, agressividade e intolerância de quem está dentro e para além dos aparelhos partidários, a qual está, aliás, bem retratada em alguns dos comentários aqui deixados...
partidocracia 08 Fevereiro 2011 - 22:53
Vencedores antecipados
Os partidos nunca deviam ter o poder de impor aos eleitores a ordem pela qual os lugares de deputado são atribuídos aos membros da lista.
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