terça-feira, 6 de maio de 2014

O adeus à troika


Não conseguimos resistir à tentação de transcrever este artigo de opinião que consegue dizer as verdades que doem fazendo sorrir:


"Obrigado, troika

JOÃO MIGUEL TAVARES 06/05/2014 - 07:46

Agora que eles se estão a ir embora, agora que tanta gente celebra a “saída limpa”, agora que Paulo Portas já pode festejar o seu novo 1640, agora que se cospe no prato de quem nos salvou da bancarrota em 2011, agora que se “joga pedra na troika” da mesma forma que na canção do Chico Buarque “se jogava pedra na Geni”, agora, nesta altura de suposta libertação, deixem-me agradecer publicamente aos homens e às mulheres que durante os últimos anos permitiram que continuássemos a ter dinheiro para pagar as reformas dos nossos idosos, os salários dos nossos funcionários públicos, a saúde dos nossos doentes e a educação dos nossos filhos. Obrigado, troika.

Agora que se descobriu que, afinal, a espiral recessiva deixou de espiralar, agora que o pó dos arquivos já embala os artigos de jornais com profecias apocalípticas, agora que os partidos da oposição mudam o seu discurso e a saída sem um programa cautelar já não é, afinal, a questão central, agora que os reformados Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix se preparam para recuperar algum do seu poder de compra, agora que Pedro Passos Coelho nos voltou a mentir com os dentes todos no espaço de 15 dias, agora que o Governo decidiu sacar mais dinheiro à economia para pagar o velho Estado gargantuesco, agora que se lixou o “lixem-se a eleições”, deixem-me agradecer publicamente aos homens e às mulheres que impediram que o IVA subisse ainda mais, contrariando os desejos do próprio Governo. Obrigado, troika.

Agora que PSD e CDS voltaram a ser amigos dos pensionistas e dos funcionários públicos, agora que o governo até já faz voz grossa à troika e discute com ela, agora que já não há desculpas para não perceber que o neoliberalismo nunca existiu em Portugal, agora que é claro como água — IVA a 23,25%, senhores — que sempre tivemos e sempre teremos partidos estatistas, que procuram sacar o máximo mexendo o menos possível, agora que toda a gente finge não ver o crescimento de uma bolha especulativa com a dívida soberana europeia que ainda nos vai rebentar na cara, agora que o Governo prefere simular que está tudo bué bem e que existe uma infalível explicação para os actuais juros da dívida, deixem-me agradecer publicamente aos homens e às mulheres que sempre procuraram manter alguma lucidez num país cheio de gente moderada mas incapaz de conversar entre si. Obrigado, troika.

Agora que Paulo Portas ofereceu aos membros da troika Os Lusíadas em versão inglesa (edição Oxford Classics), certamente para eles se espantarem com a grandeza de Portugal na hora do adeus, agora que já ninguém quer ir além da troika, agora que se acabou o álibi “do etíope, do alemão e do careca” como justificação para todos os males e sacrifícios, agora que já podemos todos ser pobres e mal-agradecidos à vontade, deixem-me, ao menos, agradecer publicamente a quem andou três anos a tentar pôr juízo na cabeça dos nossos políticos e a tentar obrigá-los a fazer as reformas de que o país necessita. Eu sei que não conseguiram, eu sei que muita coisa foi mal feita, eu sei que o impacto da austeridade no desemprego foi explosivo, mas eu também sei que quando estamos sozinhos e soltos nunca conseguimos arranjar a coragem política para fazer aquilo que se impõe. Obrigado, troika. Quando vocês estão, é mau. Mas quando vocês não estão, ainda consegue ser pior."


Este debate também é imperdível:

carlosacosta
06/05/2014 15:50
Será que este tipo já leu e interiorizou o que está escrito no belo artigo de hoje de José Vitor Malheiros. Estes neo liberais tem palas laterais nos olhos, só vêem o que lhes interessa.
  • JP
    06/05/2014 19:23
    Maiores palas tem quem se queixa das palas dos outros sem se aperceber das suas. Esta crónica é tendenciosa, é certo — mas o cerne é a crítica à nossa classe política e à falta de coragem para tomar medidas menos populares. A do José Malheiros é um manifesto ideológico (quase diria partidário) repleto de demagogias, imprecisões e falácias. Essencialmente, propaganda hipócrita de esquerda. Mal por mal, prefiro a ironia tendenciosa do João Miguel Tavares.

DNG
Lisboa 06/05/2014 18:13
Portugal vai pagar um total de 34.400 milhões de euros em juros pelo empréstimo de 78 mil milhões do programa de ajuda da troika. Oiça por favor, diga-nos por favor: O que é o leva a escrever, a ter a ousadia de escrever?... É pela miséria sensacionalista do protagonismo negativo?
O crescimento potencial da economia portuguesa é garantidamente abaixo de 2% até 2030. Oiça, pense um bocadinho, só um bocadinho... Só um bocadinho JMT. Não quer, eu sei. Sabe porquê, é simples. É que quando perceber o mundo, quando perceber as consequências a sério do que se está a passar neste país, pura e simplesmente não vai aguentar o self do ridículo e da vergonha.
  • tripeiro
    06/05/2014 18:45
    O que é que estará mal, o empréstimo da troika ou o vício do estado português em viver de empréstimos e não se limitar a gastar aquilo que produz?
  • JP
    06/05/2014 18:59
    Parece que o amigo DNG se ficou pelo 1º parágrafo... Ou então ficou picado pelas indirectas ao socio-populismo eleitoralista que grassa na nossa classe política, da esquerda à direita.
  • DNG
    Lisboa 06/05/2014 20:31
    Entristece-me que o Tripeiro não conheça os factos. Os factos indicam claramente que o estado português em pleno subprime, estava muito menos individado relativamente ao sector financeiro e à dívida privada geral do país. Contudo o Tripeiro culpa o estado quando foram os estados que salvaram o capitalismo falindo e socializando consequentemente o prejuízo, Estimado Tripeiro, então não vê que tenho razão!? A crise das dívidas soberanas é sobretudo uma engenharia de recapitalização da banca cujos custos são suportados pelos contribuintes.
  • tripeiro
    06/05/2014 21:16
    DNG, eu sei que antes o estado estava menos endividado e também sei que somos vítimas de ataques especulativos, mas três observações:
    1. Qualquer empréstimo implica juros e nunca numa ida ao "mercado" tivemos juros tão baixos como aqueles que nos foram proporcionados pela troika (pelo que não faz sentido estar a queixar-se do dinheiro que a troika vai receber em juros);
    2. Foi o vício permanente do estado em contrair dívida, que se veio a acumular ao longo dos anos, que nos colocou nesta situação. Se o estado tivesse vivido com o que tinha ou perto disso nunca seriamos um alvo dos ataques especulativos;
    3. Em engenharia de aldrabice foi também pródigo o senhor Eng. Sócrates, que contribuiu e muito para aqui chegarmos, que, por exemplo, empurrou o défice das empresas públicas de transporte com a barriga, ordenando-lhes que contraíssem empréstimos, para camuflar o défice nacional e agora vamos todos pagar essa factura também.
    Eu compreendo muita coisa do que o DNG diz e concordo com muitas das coisas que diz também (ainda que não pareça), mas temos uma diferença fundamental: eu não glorifico governo algum pois todos têm muita culpa na cartola e tenho os pés assentes na terra na medida em que percebo que há coisas que, por muito dolorosas que sejam, têm de ser feitas pois ninguém vive eternamente de endividamento.
  • DNG
    Lisboa 06/05/2014 21:50
    A segunda, é porque o FMI não tem água onde se lave — é que os Planos de Reforma dos funcionários do FMI pagos com as contribuições dos Estados-membros prevêem o pagamento de pensões vitalícias a partir de 50 anos de idade com um mínimo de 3 anos de serviço. Como refere Dean Baker, Director do Centro de Pesquisa Económica e Política em Washington, técnicos do FMI podem reformar-se aos 51 anos com uma reforma da ordem de 74 mil euros anuais. Para assegurar estas mordomias, para além da contribuição que Portugal paga para o FMI, pela "ajuda" de 78 mil milhões de euros somos obrigados a pagar 34.400 milhões de euros de juros, a somar aos 655 milhões de euros de comissões, sem juros. Paulo Martins, in DN Madeira num artigo "A canga da troika"
  • tripeiro
    06/05/2014 22:19
    DNG, tenha presente uma coisa: a maior parte do empréstimo veio da UE, ou melhor, dos seus países membros, e é para lá que vai também a maior parte dos juros, não para o FMI, não querendo com isto, contudo, glorificar o FMI.
    E quanto a reformas não precisamos de ir para o FMI, cá no burgo temos óptimos exemplos e são a prova de que há coisas que têm de ser feitas e mudadas. Por exemplo, a senhora "presidenta" da AR reformou-se aos 40 anos e provavelmente consegue auferir mais do que os 74 000 € anuais, mordomia sustentada por todos nós.
  • DNG
    Lisboa 06/05/2014 22:41
    A questão é que não se tratam de credores sem predicados morais. Pelo menos à partida. São instituições oficiais que trocaram o juro baixo pela violência. Isto não é violência?! Quando são ultrapassados os denominadores mínimos pelos quais se constrói uma sociedade, sobretudo em nome de objectivos opacos, não há direito moral à revolta? Quem tinha a obrigação de dominar todos os ângulos do jogo com consciência moral. Os especuladores, ou Lagarde, Barroso e Draghi? Oiça, sou capaz de me aproximar do seu ponto: tudo o que é feito fora do perímetro orçamental está errado, socrático ou não. A questão vai mais longe a financeirização da economia... São uns porcos não duvide.
  • MCA
    06/05/2014 22:50
    Ó Sr. Tripeiro, explique lá o que é o "vício do estado português viver de empréstimos".
    Não têm dívidas praticamente todos os países ocidentais? Não tem a globalização culpa das empresas estratégicas se terem transferido para o oriente? Que leis e imposições tenham levado ao fim de indústrias, agricultura, pescas no nosso país? Tantos factores envolvidos mas a "culpa", para muita gente, reside somente no maldito gene português.
  • tripeiro
    06/05/2014 23:46
    "A questão vai mais longe a financeirização da economia... São uns porcos não duvide."
    E não duvido DNG, não duvido nada, mas cabe-nos a nós, ou melhor, aos nossos governantes, não nos colocar a jeito de sermos apanhados pela tempestade e foi isso mesmo que, ao longo das várias décadas, fizeram!
    Mas os problemas do nosso país também não são exclusivos dos governantes, são transversais a toda a sociedade: temos empresários tacanhos e sem visão que não passam de meros comerciantes e temos um povo em geral (no qual, obviamente, se incluem os empresários) vocacionado para o chico-espertismo e os governantes são o reflexo de tudo isto.
  • tripeiro
    06/05/2014 23:52
    Oh dona MCA, então se eu me atirar ao Douro do tabuleiro superior da Luís I vem atrás de mim?
    Mas a explicação é simples: temos uma economia não produtiva (é só ver o crescimento do PIB nos últimos 10 anos que foi praticamente nulo) que há muito que vive de dinheiro emprestado.
    Todos os países ocidentais têm dívidas, mas uns são produtivos e outros não e os que não são produtivos estão como nós. Se quer exemplos, tem a Grécia, a Espanha, o Chipre... é impossível viver-se com um crescimento praticamente nulo, ano após ano, e um aumento constante da dívida, um dia alguma coisa tem que estourar.


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