segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Vaia con Dios, Pedro"


"19 Fevereiro 2012 | 23:31
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


Pedro Passos Coelho já fala como a sua nova eminência parda, António Borges. No Parlamento, criticou "a economia protegida, que protegeu alguns grupos económicos e que não democratizou o acesso à economia". Lindo. E agora, o que fará? Enfrentar uma vaia em Gouveia é nada ao pé desses silenciosos lóbis. É mais fácil não ter medo do povo que do polvo.

As declarações de Passos Coelho são acertadas: "más leis laborais", "mau financiamento público" e "economia protegida" alongaram-nos num estertor de uma década. Mesmo com abundância de liquidez e de crédito, a economia não cresceu — cresceram as margens de lucro de alguns grupos, muitos deles protegidos. Agora que o Governo já tratou das leis laborais e os mercados trataram do mau (e do bom) financiamento público, falta abrir os aloquetes dos cintos de castidade aos protegidos.

Quando se fala em sectores protegidos e "rendas monopolistas" toda a gente pensa na EDP (como antes se pensava na PT). Toda a gente e a "troika", que trouxe o assunto na algibeira na actual visita. Mas o Governo, que antes bramia vigorosamente contra a empresa, besuntou-se na sua privatização e já fez uma nova proposta para amortizar o défice tarifário que protege os subsídios às eólicas e os contratos de longo prazo da EDP, e agrava em até 15% os subsídios às indústrias na co-geração. Traduzindo: o lóbi da EDP vence o da Galp (e o dos cimentos, pasta e papel e têxteis). O que pensa Pedro Passos Coelho disso?

Mas há mais, muito mais do que a energia nesse imenso sector de empresas que são ou foram beneficiados por contratos protegidos das volatilidades dos mercados e da concorrência. Há construtoras como a Mota-Engil, concessionárias de auto-estradas como a Brisa, muitas criminosas parcerias público-privadas, SCUT e outras minas e armadilhas. Há falta de concorrência entre produtores e as grandes distribuidoras, como a Sonae e a Jerónimo Martins. Mesmo na banca, depois das desgraças agora visíveis nos créditos concedidos sobretudo no BCP e na Caixa, é preciso garantir que o novo crédito, se o houver, não tenha como destino solver as tesourarias dos mais influentes, mas sim salvar uma economia que está a ficar seca como um bacalhau ao sol.

Falta falar dos interesses protegidos no Estado. Incluindo as empresas públicas, precisamente aquelas que estão a drenar o crédito. No sábado, o "Público" mostrava: mais derrapagens em 2011 e incapacidade de cortar custos em 15%, como exigido. É escandaloso que nove meses depois de se lhes ter encostado a faca à garganta, haja empresas de transportes a correr atrás da cauda, fazendo muito pó sem sair do sítio. O que prova que elas só apresentarão planos de saneamento financeiro no último suspiro; e que têm cobertura política dos seus ministérios sectoriais (como a Economia) em desafio às Finanças. A derrapagem no sector dos transportes é maior que os salários que a função pública perde. É preciso dizer mais?

A criação do Conselho de Finanças Públicas e a aprovação da lei dos compromissos orçamentais promete acabar com esta forma de desprezo que se colectiviza, mas serão tentativas ridículas se não houver força política. É por isso que o primeiro-ministro tem de ler as suas próprias palavras, e as de António Borges, e ser conclusivo, afrontar, concretizar, chutar à baliza. Facilitar o despedimento não muda a economia, é preciso também tirar os empresários protegidos das "zonas de conforto" que solenemente patrocinámos. Portugal está cheio de boas empresas, grandes e pequenas, que querem competir em igualdade de circunstâncias. São essas, aliás, que andam a exportar deixando valor em Portugal. E que, querendo prosperar, poderão salvar o País da maior ameaça: a espiral negativa. E isso será muito pior que qualquer vaia."


*

A expressão 'vaya con dios' significa 'vá com Deus'.
Um bom artigo recebe, em geral, bons comentários. Eis uma amostra:


JCGX 20 Fevereiro 2012 - 13:40
Controlar o défice ou a despesa?
Em maré de crise profunda, talvez não seja a melhor altura para controlar o défice público, antes se deve controlar rigorosamente a despesa pública e relacionada.
Não percebo por que razão o Ministro que tem a tutela do Metro de Lisboa, por exemplo, não exige imediatamente à gestão uma lista exaustiva e detalhada dos gastos operacionais que sirva para fazer uma análise de cada elemento de despesa, de modo a avaliar a sua pertinência, cortando o que se possa cortar, sem prejudicar o nível de serviço. Bastava, por exemplo, exigir um balancete analítico com desenvolvimento de todas as contas que pesassem nos gastos operacionais totais mais que x por cento (0,1%, por exemplo).
Posto isto, a ordem seria para que o conjunto dos gastos não subisse nem mais um cêntimo ou que sofresse alguma redução, se possível em função da análise feita. Se o gestor não cumprisse seria incriminado judicialmente, com imediato despedimento e eventual mobilização de bens próprios para indemnizar o Estado.

Ouvi, recentemente, a seguinte história: um português, alfacinha, professor no secundário nos EUA foi recebido e condecorado por Obama, na sequência de ter ganho uma espécie de campeonato de mérito ou notoriedade nacional no âmbito do sistema de ensino.
Pois bem, o português, que emigrou jovem para os EUA, estudou e fez-se professor, foi eleito ou nomeado para gerir uma espécie de região escolar que tinha atingido um elevado grau de degradação e desequilíbrio financeiro e em poucos anos tornou essa região escolar num exemplo e referência de qualidade e sucesso.
Segundo palavras do próprio, quando assumiu o cargo, pediu imediatamente a todos os seus subordinados listas exaustivas e detalhadas das despesas. A seguir analisou cada lista com cada um dos responsáveis sob a sua alçada visando cortar tudo o que fossem despesas dispensáveis, tendo em conta o bom funcionamento das escolas e a qualidade do ensino. Assim, sem precisar de recorrer a aumento das receitas, equilibrou as contas e começou a ter um excedente financeiro para investir no aumento da qualidade das escolas da sua região.

Francisco70 20 Fevereiro 2012 - 14:21
Vamos ver
Enquanto era candidato a PM, PPC não se cansou de repetir o chavão “falar verdade e defender os interesses dos portugueses”. Passadas as eleições, PPC ainda em fase de aquecimento, continuou com o mesmo discurso, só que os tentáculos do polvo começaram a mexer-se e, passou a falar “meia verdade e a esquecer-se dos interesses dos portugueses”.
Neste momento começa a querer revelar-se igual a qualquer um dos anteriores, ou seja charlatão, pau mandado, ao serviço da máquina partidária e dos restantes lóbis deste país.
Dr. PPC, se quer ficar recordado para a história pelos melhores motivos, tem a oportunidade, que ainda nenhum teve, para sacudir essa corja de ladrões, caso contrário pode ficar recordado para a história sim, mas pelos piores motivos.

João Ratão 20 Fevereiro 2012 - 14:24
Tendencioso
Pessoalmente acho que o Sr. Santos Guerreiro escreve bem. Tem as ideias razoavelmente arrumadas e sabe expô-las. Quanto à imparcialidade das suas análises e/ou comentários, é por demais evidente que tem uma agenda muito própria de interesses pessoais e/ou profissionais que lhe toldam o entendimento, deitando tudo a perder por causa do seu evidente facciosismo.
Não defendo Passos Coelho, assim como não defendi Sócrates. Entendo que o trabalho de governação deve ser analisado no termo da legislatura. Aí sim, devem-se fazer as contas e ver onde se esteve bem, onde se esteve mal e onde houve usurpação de poderes e enriquecimento ilícito ou, pelo menos, de legalidade duvidosa.
Quanto a Sócrates, estamos conversados. Nem se tornam necessários comentários. Mostrou à saciedade quem foi e ao que foi. Conseguiu tudo o que a nível pessoal se propôs. Façamos o mesmo em relação a Passos Coelho. Daqui a sensivelmente 3 anos, façamos o balanço. Depois sim, atiremos-lhe, ou não, todas as pedras que encontrarmos e estiverem disponíveis.
Quem julga um executivo ao fim de pouco mais que meia dúzia de meses de governação, das duas uma, ou não é sério e se encontra ressabiado, ou está a agir a soldo de alguém com finalidades nebulosas mas que se depreendem.

Anonimo 20 Fevereiro 2012 - 16:40
Agrava?
"e agrava em até 15% os subsídios às indústrias na co-geração" Agrava?
A co-geração dessas indústrias é uma fraude, e por essa fraude o Estado paga um subsídio astronómico ainda por cima ligado à cotação do petróleo. E você está com pena deles?

JCGX 20 Fevereiro 2012 - 16:52
Acho estes sítios muito interessantes...
... enquanto produtores de material analisável por sociólogos, psicólogos, psiquiatras e antropólogos. Espero que alguns investigadores se dêem conta da riqueza do material (comentários aparentemente espontâneos) que têm aqui ao dispor para fazerem uma radiografia de alguns extractos da espécie portuga.
Vejamos: normalmente a maior parte dos apontamentos são meras bojardas, todavia objectos interessantes para mapear o tipo de material que os seus autores acumularam na caixa craniana.
Também abundam os meros aplausos, os bravos, como em algumas assembleias em que há uns jumentos com o exclusivo papel de gritar uns bravos aos donos do jogo.
Este tipo de material reporta-nos para uma das características fortes do portuga, uma espécie de bipolarização: ser bájulo e subserviente com alguns que se pensa serem importantes e espezinhar outros que se julga inferiores.
Comentários que visem juntar algum valor acrescentado intelectual (VAI), ou seja, abordar os assuntos em concreto, explorar com seriedade e consistência os diversos ângulos de abordagem e produzir algum raciocínio original, é que é coisa muito rara.


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