Paul Krugman, prémio Nobel da Economia 2008, que está em Lisboa para receber o doutoramento honoris causa pela Universidade de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa, é um keynesiano, ou seja, um economista que preconiza políticas de investimento para ultrapassar situações de depressão económica, condenando medidas de austeridade. É considerado um homem de esquerda.
Ouçamos, portanto, o que disse hoje numa conferência de imprensa na Universidade de Lisboa:
"A Irlanda não é um sucesso. É o primeiro ponto. As pessoas dizem que a Irlanda é um sucesso mas até agora não teve um crescimento especial e não regressou aos mercados. Não queiram ser a Irlanda.
A minha visão de Portugal é que está em muito melhor forma que a Grécia, mas é um fraco elogio. Não penso que parecerá uma catástrofe mas, na melhor das hipóteses, será um muito longo e doloroso ajustamento. Não será uma história feliz, mas talvez não seja um desastre."
"A situação não é tão má como a da Grécia, mas a verdade é que, nos mercados, Portugal é visto como o segundo país mais arriscado, portanto há muita pressão. A Grécia vai obviamente entrar em default e provavelmente sair do euro. Veremos em relação a Portugal. Espero que não, mas é a pressão. Se se fizer um ranking Portugal está na posição seguinte, não está na mesma categoria mas a situação não é boa.
Quanto à Zona Euro, é muito pouco o que o Governo de cada país pode fazer, não há muito espaço de manobra. A única coisa que o governo de Portugal, Espanha ou Irlanda podem fazer é microajustamentos ou a extrema opção de sair do euro. Já a Alemanha e o BCE podem fazer uma grande diferença. A Alemanha pode deixar de seguir uma política de austeridade ao mesmo tempo que os países da Europa do Sul estão a tentar seguir uma política de austeridade. A Alemanha devia mudar para uma política orçamental expansionista, acompanhada de uma política de 'dinheiro fácil' por parte do BCE. Isso poderia possibilitar o ajustamento. O que é preciso é uma política expansionista, mesmo inflaccionista, no núcleo europeu para permitir aos países da periferia europeia sobreviverem."
"[Em Portugal] era necessária alguma austeridade. Não poderiam continuar como se não houvesse restrições. Há alguns ajustamentos a serem feitos na frente de custos. Há algumas boas notícias no comércio [externo]. Portugal está a fazer tudo o que lhe pediram em termos de ajustamentos.
Questões como "O que acontece se as políticas funcionarem menos bem?", especialmente se o crescimento for menor que as projecções e o défice orçamental for maior. Esse é um ponto em que apelo a todos os intervenientes para não pedirem mais austeridade, o que não melhoraria o que é fundamental e aumentaria o sofrimento, portanto, é um ponto em que é preciso dizer: "Muito bem... temos um trilho, vai funcionar ou não". Mais austeridade não ajuda."
"[Sobre a permanência de Portugal no euro] diria 75%, penso eu... É uma questão de probabilidades, ninguém sabe ao certo. Prevejo, com alguma certeza, que a Grécia vai deixar o Euro neste momento. Acredito que Portugal talvez consiga manter-se, mas não tenho 100% de certeza. Depende muito como as coisas se coadunem nos próximos dois ou três anos. O governo não pode fazer nada radical, mas é preciso recusar os pedidos de mais austeridade. Percebo que têm de fazer o que estão a fazer. A austeridade é necessária mas não se deve ir mais longe."
"Não é agradável, mas é o que tem de acontecer. Portugal tem de descer os salários em relação ao núcleo da Zona Euro. Muitas pessoas questionam porque é que insisto nos salários. Infelizmente, Portugal tem um défice externo muito elevado e tem de aumentar a competitividade, o que passa por baixar os salários."
Seria preferível subir os salários dos alemães — de modo a estimular o consumo no país e, consequentemente, as outras economias do euro — do que descer os vencimentos nacionais. “Mas, em última instância vai ter de ser à custa dos salários dos portugueses”.
Questionado porque é que tomava a Alemanha como referência, uma vez que a maior economia europeia não é um dos concorrentes directos de Portugal no mercado internacional, Krugman defendeu que a referência deve ser o “núcleo da Zona Euro” e não a China. "Portugal não precisa de baixar os salários para o nível dos chineses".
No discurso da sessão solene:
"Ficámos mais estúpidos (...) Fomos menos que úteis (durante a crise). Foi difícil aceitar o falhanço da profissão".
Para Krugman, a crise mostrou que grande parte do conhecimento acumulado pela profissão desde a Grande Depressão tinha sido esquecido por uma grande franja da academia. E deu como exemplos as contribuições de Irving Fisher, que explicou o impacto da deflação numa crise, e de John Maynard Keynes, que mostrou como uma economia pode permanecer muito tempo a funcionar abaixo do seu potencial.
"Claramente, ninguém poderia ter previsto uma crise financeira em 2008. Mas a profissão devia estar preparada para dar uma resposta à crise. Tínhamos os instrumentos e muito conhecimento acumulado. Devíamos ter falado a uma só voz. Não o fizemos".
Por causa disto várias economias sofreram "consequências muito negativas" de políticas de austeridade e preocupações exageradas com a subida da inflação. Quem tinha "estudado macroeconomia e história económica", sabia que a inflação e juros não iriam subir como temiam muitos analistas.
"E era nesta situação que o mundo mais precisava de economistas. Foi para estes momentos que a profissão de economista foi criada. Não estivemos à altura".
"Não há alternativa a pelo menos alguma austeridade. O papel da austeridade é dar um sinal aos credores que o dinheiro que está a ser emprestado não é usado para 'dar festas'".
No entanto, cortes de despesa profundos podem reduzir a actividade económica, arrastando consigo os impostos, a um ponto tal que o rácio défice/PIB acabe mesmo por ficar pior.
"É difícil aos Governos da periferia lutarem contra esta pressão (de responder com mais austeridade a derrapagens), mas esse argumento deve ser levado aos credores. Eles (credores) não estão a ajudar."
É o caso dos médicos medievais que "sangravam os doentes e quando eles ficavam piores, faziam-nos sangrar ainda mais". "Mais pedidos de austeridade são destrutivos".
Na entrevista ao Negócios e à RTP:
actualização 28 Fevereiro 2012 | 10:38
Acredita que esta receita de austeridade vai recuperar a economia portuguesa?
"Penso que a minha previsão optimista é que após quatro ou cinco anos de sofrimento, Portugal voltará ao rumo certo. Se tudo correr bem. (...) Não posso aconselhar a esquecerem a austeridade, mas por outro lado, não será decerto uma via rápida de regresso a uma economia decente."
Se o primeiro-ministro português lhe pedisse alguns conselhos para impulsionar a economia o que lhe diria?
"Há muito pouco espaço de manobra. O primeiro-ministro de Portugal pode tentar... Penso que mais austeridade não será produtivo. Mas ele não pode abdicar simplesmente da austeridade, não há receitas mágicas para estimular a economia, excepto abandonar o Euro e essa é uma opção nuclear. Não se faz, a não ser que não haja alternativa. E Portugal não está nesse ponto. É, sobretudo, uma questão de persistência. Odeio dizer, mas dada a realidade da situação, não sei que boas opções há."
E a Sra. Merkel que opções tem?
"A nação alemã tem muitas opções. Não sei se a Sra. Merkel terá opções face á política interna. A Alemanha adoptou políticas de austeridade, juntamente com as políticas de austeridade da Europa do Sul. Isso é uma catástrofe. A Alemanha não devia estar a adoptar políticas de austeridade. A Alemanha devia dar ao Banco Central Europeu luz verde para uma expansão monetária muito mais agressiva. Se tivéssemos políticas muito mais expansionistas na Europa do Norte, tanto a nível orçamental como monetário, então a situação de países como Portugal seria muito mais fácil."
(...)
Temos de reduzir os salários para aumentar a competitividade?
"É aqui que as pessoas me perguntam como posso defender os cortes salariais — sou visto como um amigo dos trabalhadores e espero sê-lo — mas Portugal tem de ser mais competitivo em relação ao resto da Zona Euro. Se conseguirem tirar ganhos de produtividade de um chapéu, seria óptimo. Mas, na prática, significa que, no mínimo, os salários portugueses têm de crescer mais lentamente que os salários no resto da Europa, será necessário algum abrandamento. De uma forma ou de outra, terá de haver um ajuste substancial."
Teremos de renegociar a dívida?
"Penso que acabará por ter de haver algum perdão da dívida. Não tenho a certeza disso, não é um caso tão esmagador como o da Grécia. Mas a dívida é muito elevada e irá aumentar, em parte porque a economia vai crescer lentamente numa dinâmica deflacionária. Penso, pois, que terá de haver perdão... (...) Teremos muito mais informação dentro de um ou dois anos quando virmos a que ponto o crescimento das exportações que houve no ano passado, irá continuar. Mas poderá acontecer algo. Penso que os mercados estão a subvalorizar Portugal. As taxas de juro a dez anos parecem elevadas se levarmos em conta os dados económicos. Portugal não está pior que a Irlanda a nível desses dados."
Confia na recuperação da Irlanda?
"Ouvimos todos a dizer que a Irlanda está a recuperar. (...) A Irlanda está numa profunda depressão, com um desemprego muito elevado. Fez alguns progressos na redução de salários, mas não tanto como seria desejável."
(...)
Vamos precisar de um segundo resgate?
"A troika diz que Portugal volta aos mercados em 2013 o que me parece absolutamente optimista. Mas não sei se resgate é o termo certo. Usamo-lo, mas neste caso referimo-nos essencialmente a um programa de empréstimos. Portugal terá, provavelmente, de confiar em fontes oficiais para empréstimos para muito tempo."
A que ponto será importante o incumprimento português?
"Não é de todo improvável. Apostaria muito mais numa redução da dívida. Talvez possa ser estruturada como um acordo voluntário. Nesse caso, talvez possam evitar o incumprimento técnico. Mas tudo aponta para que Portugal não consiga pagar a totalidade do valor da dívida."
O Sr. Draghi diz que a Europa está a dividir-se em duas partes. É uma ameaça para a Europa. Concorda com isso?
"(...) Temos uma situação em que cerca de 1/3 da Europa vive uma depressão com elevado desemprego, economias em retracção, um cenário muito mau. A solução seria uma forte recuperação europeia para toda a zona. De certo modo, poderemos dizer que se isso perturbar Mario Draghi, ele deverá fazer um enorme programa de quantitative easing, colocar a Europa na recuperação e conseguir uma situação em que países como Portugal consigam ajustar os seus custos e preços, não através da deflação, mas simplesmente tendo aumentos mais lentos que o núcleo. Penso que Draghi, tal como Merkel, opere num ambiente político. Não pode pressionar demais o seu governo. É essa a solução. Se não querem que se concretize essa divisão da Europa, então precisam de uma expansão nos países nucleares. E, infelizmente, parece não ser isso que estão a fazer."
O euro sobreviverá?
"Todos os líderes europeus percebem a catástrofe política que seria, se o euro fracassasse. (...) As pressões económicas são muito fortes, há grandes pressões sobre o euro. Por outro lado, têm de pensar que os lideres europeus tudo farão para o salvar. Quem vencerá? Não sei. (...) É uma situação em que Europa criou uma armadilha para si própria. A questão é saber se encontra a vontade política e a disponibilidade de fazer algo pouco ortodoxo para sair dessa armadilha."
Pensa que devemos sair do euro?
"Não aconselharia o actual governo a fazê-lo, embora pense que pode vir a acontecer. Mas não podemos fazê-lo sem tentarmos alternativas primeiro. A alternativa é, essencialmente, a desvalorização interna. Uma queda gradual nos custos relativos, tornar os custos mais competitivos para uma suficiente retoma das exportações que permita a recuperação económica mesmo sem essa bolha de crédito. É uma coisa terrível, mas o problema é que abandonar o euro é algo incrivelmente desestabilizador. Ao tentarmos fazê-lo, teremos uma crise bancária imediata, uma crise jurídica com todas estas dívidas sem que ninguém saiba o que fazer com elas, é algo profundamente desestabilizador. De certo modo, sou um pouco fatalista nisto. Há que fazer este jogo, pelo menos durante algum tempo."
O euro é o problema para a economia portuguesa?
"Em larga medida, o euro é o problema. Estão numa armadilha de que é difícil escaparem. A melhor solução é os maiores países fazerem com que o euro funcione melhor, com uma política muito mais expansionista. Se Portugal nunca tivesse entrado no euro, se pudessem voltar atrás e não fazer nada disto, desvalorizaríamos o escudo e os problemas seriam muito mais fáceis. Mas, infelizmente, isso não é opção. Não temos uma máquina do tempo, não podemos voltar atrás e não o fazer, o que torna tudo muito mais difícil. Veja-se que o grande caso de sucesso nesta história é a Islândia. Houve muitas coisas que correram bem na Islândia mas a melhor é nunca ter entrado no euro, o que permitiu que, em termos relativos, se baixassem os salários em 25% num dia apenas deixando cair a coroa."
(...)
Apoia políticas expansionistas para melhorar a economia, mas para tal precisamos de dinheiro que não temos. Que outras opções podemos pôr em cima da mesa?
"Muito poucas. As pessoas com opções estão em Berlim e em Frankfurt. Não estão cá. De certa forma, a nível da capacidade concreta de afectar o destino, o primeiro-ministro é um pouco como o governador de Nova Jérsia, nos EUA. Não tem assim tanta influência. Sem moeda própria, não há assim tanto espaço de manobra neste país."
(...)
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