quinta-feira, 24 de julho de 2014

O retiro do Grupo Espírito Santo


As ligações entre o Grupo Espírito Santo (GES) e o Banco Espírito Santo (BES) são consubstanciadas pelas participações accionistas das holdings do GES nas empresas do grupo e pelos créditos concedidos pelo banco a essas empresas.

Esta infografia do Negócios é essencial para se perceber a estrutura do GES:




A situação financeira grave da ESI

Em 20 de Maio, o Banco Espírito Santo revelou no prospecto do aumento de capital que a auditoria do Banco de Portugal à Espírito Santo International (ESI) — a holding que controla o GES —, "apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave".
Ricardo Salgado abordou o problema em entrevista ao Negócios, publicada a 22 de Maio, revelando que não estavam contabilizadas nas contas da ESI um montante de dívida que, mais tarde, se soube ascender a 1,2 mil milhões de euros.

Por sua vez, a Rioforte — a holding que controla a área não financeira — apresentava, no final de 2013, uma dívida total de 7,3 mil milhões de euros, a maior parte da qual estava financiada através de papel comercial colocado em clientes de retalho e institucionais dos bancos detidos pelo ESFG, incluindo o BES.

O Espírito Santo Financial Group (ESFG) — a holding que controla a área financeira — informou, a 3 de Julho, que a sua exposição total ao Grupo GES era 2,35 mil milhões de euros. O ESFG explicou que o aumento nesta exposição tinha resultado da decisão que tinha sido tomada pelos seus corpos dirigentes de suportar o reembolso do papel comercial do Grupo GES detido por clientes de retalho das suas subsidiárias bancárias.

Pelo contrário, o BES revelava, em 10 de Julho, boas notícias: tinha uma exposição directa de 1,2 mil milhões de euros ao GES e, através dos clientes de retalho, de mais 853 milhões compensados por uma almofada de capital de 2,1 mil milhões de euros.
Apesar disso, o Banco de Portugal pressionou a entrada do novo presidente executivo Vítor Bento a 14 de Julho, ainda antes da apresentação das contas relativas ao primeiro semestre. A justificação desta pressa poderá estar numa notícia comunicada à CMVM, em 23 de Julho, e abordada na imprensa diária:

1. ES BANK (PANAMA) S.A.
A 17 de de Julho de 2014 a ESFG recebeu da sua subsidiária ES Bank (Panama) S.A.(“ESBP”), de que detém 100% do capital, a informação de que naquela data, a Superintendência de Bancos do Panama (SBP), a autoridade supervisora de bancos no Panamá, tinha assumido o controlo do ESBP, demitindo o Conselho de Administração do banco e dando um prazo de 30 dias (com a possibilidade de 30 dias adicionais) para o Banco resolver alguns problemas referentes aos seus clientes directos. O Banco continua a trabalhar com o regulador para conseguir uma solução adequada.

ESI pede gestão controlada

Foi no dia 18 de Julho que começou o recolhimento do GES quando a ESI pediu a gestão controlada no Luxemburgo e avisou a comunicação social através deste longo comunicado de imprensa (negrito meu):

A Espírito Santo International S.A (« ESI ») informa os seus credores que se candidatou ao regime de gestão controlada (gestion contrôlée), nos termos da lei do Luxemburgo.

A ESI constitui a holding de topo do Grupo Espírito Santo e detém 100% da Rio Forte que é responsável pela gestão dos negócios de imobiliário, turismo, agricultura, saúde e energia do Grupo Espírito Santo. Através da Rio Forte, a ESI detém uma participação indirecta (49%) na Espírito Santo Financial Group S.A que gere os interesses do Grupo no sector financeiro, nomeadamente no Banco Espírito Santo em Portugal, Banque Privée Espírito Santo na Suíça e na Tranquilidade.

Actualmente, a ESI não está em condições de cumprir as suas obrigações, devido à maturidade de uma parte significativa da sua dívida.

A ESI acredita que o regime de gestão controlada permitirá defender os interesses dos seus credores de forma transparente e ordenada sob o controlo dos tribunais e respectivos oficiais nomeados (comissaires) permitindo em particular um processo de gestão do valor dos activos para os credores mais adequado do que uma liquidação rápida e massificada.

Uma vez admitida neste regime, todas as acções judicias interpostas pelos credores serão suspensas (excepto certos acordos de garantia financeira válidos), de forma a permitir a implementação de um plano de gestão e liquidação de activos sob o controlo de um tribunal.

Os credores serão informados, em devido tempo e de forma apropriada, sobre os progressos realizados.

A família Espírito Santo perdia o controlo sobre a gestão da ESI mas ganhava tempo para vender activos — a seguradora Tranquilidade, por exemplo — e pagar aos credores.

O Negócios explica os cinco passos para pedir protecção de credores no Luxemburgo:

1. Uma sociedade com sede no Luxemburgo com dificuldade em fazer face aos seus compromissos financeiros pode requerer judicialmente a "gestão controlada" ("gestion contrôlée"), tendo em vista a sua reorganização e a venda dos seus activos de forma adequada. O pedido, a entregar pela gestão da sociedade, tem de ser acompanhado de uma justificação e de uma lista completa com os credores da sociedade.

2. A partir do momento em que é pedida a protecção de uma "gestão controlada", a sociedade fica impedida de "vender, constituir penhores ou hipotecas, emitir ou receber títulos mobiliários, sem autorização escrita do juiz encarregue da avaliação do pedido". Caso contrário, estas decisões serão nulas.

3. Caso o juiz aceite o pedido de protecção de credores, a sociedade passa a ser gerida por gestores judiciais. Além disso, caso determine que a sociedade está numa situação de suspensão de pagamentos, o tribunal pode fixar o momento em que essa situação teve início. A data de início de suspensão de pagamentos pode ser fixada nos seis meses anteriores ao momento em que foi pedida a "gestão controlada".

4. A prioridade dos gestores judiciais será fazer um inventário de todos os bens que ficam sob a "gestão controlada", bem como avaliar os activos e passivos da sociedade. Qualquer alienação, constituição de penhor ou hipotecas de bens, mobiliários ou imobiliários, emprestar ou receber quaisquer valores e fazer pagamentos terá de ser autorizada pela administração nomeada pelo tribunal.

5. Os gestores judiciais terão ainda de apresentar um projecto de reorganização dos negócios do grupo e/ou de venda de activos, tendo em conta a hierarquia dos credores. Estes serão informados sobre o plano apresentado que terá de ser aprovado pelo tribunal. Os credores terão 15 dias para se pronunciar sobre o projecto. O tribunal não poderá aprovar o plano se este não tiver o apoio da maioria dos credores da sociedade. MJG

Rioforte pede gestão controlada

Entretanto soube-se que a Portugal Telecom tinha investido 847 milhões de euros em papel comercial da Rioforte, cuja maturidade foi atingida na terça-feira 15 de Julho, tendo a holding falhado o reembolso.
No dia 22 de Julho a Rioforte, que também está registada no Luxemburgo, pediu gestão controlada ao abrigo da lei luxemburguesa:

A apresentação deste pedido está relacionada com as dificuldades substanciais ocorridas na sociedade que detém 100% do seu capital, a Espírito Santo International S.A. ("ESI") — a qual apresentou um pedido de natureza semelhante no passado dia 18 de Julho.
(...)

A Rioforte não está em condições de cumprir com as obrigações decorrentes de determinadas dívidas, cuja maturidade ocorreu desde 9 de Julho de 2014 e que se venceram após 16 de Julho de 2014.

Um processo de gestão controlada permitirá uma restruturação transparente e ordenada com vista à sustentabilidade financeira a longo prazo e, quando adequada, a negociação organizada dos seus activos, tudo no melhor interesse de todos os seus ‘stakeholders’, em particular os seus credores.

ESFG pede gestão controlada

Hoje, dia 24 de Julho, foi a vez do ESFG, que detém 20,1% do BES, fazer o pedido de protecção de credores divulgado num curto comunicado (negrito meu):

A Espírito Santo Financial Group S.A. apresentou aos Tribunais do Luxemburgo o pedido de gestão controlada (‘Gestion Contrôlée’), da empresa devido ao facto de não estar em condições de cumprir as suas obrigações no âmbito do programa do papel comercial, nem as obrigações relacionadas com as suas dívidas.

A Gestion Contrôlée é possível em situações em que existem perspectivas para os negócios da empresa que se encontra temporariamente em dificuldades e seja incapaz de cumprir as suas obrigações, de modo a permitir a sua reestruturação. Este procedimento deverá facilitar uma alienação faseada dos seus activos servindo melhor os interesses de todos os credores.

A partir do momento da indicação do Juízo até a sua decisão todos os procedimentos ou actos, mesmo os iniciados por credores privilegiados (incluindo credores com garantias e penhoras) são suspensos.

Uma após outra, as holdings do Grupo Espírito Santo foram apresentando o pedido de gestão controlada.

Com o pedido de protecção de credores da holding que controla o BES, o banco deixa de poder contar com os 700 milhões do ESFG para pagar aos clientes de retalho. Agora terá de ser o próprio BES a garantir o reembolso do papel comercial, o que vai aumentar os seus prejuízos.


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