sábado, 19 de julho de 2014

A moralidade deve estar acima da justiça?


Diz José Pacheco Pereira neste artigo de opinião:

A história mais recente e que me fez escrever este artigo foi a desfaçatez do truque que o Ministério da Educação usou para marcar os exames aos professores com três dias úteis de pré-aviso, caindo do céu da surpresa no fim de Julho, com grande estrondo. Na verdade, são teoricamente cinco dias, o mínimo exigido por lei, mas só teoricamente. O truque foi pré-assinar um despacho em segredo, no quinto dia divulgá-lo no Diário da República a contar do dia da sua assinatura, para que na prática faltassem, após o anúncio ser conhecido, apenas três dias úteis até ao exame, 17, 18, e 21 de Julho. Professores que já estavam a receber o subsídio de desemprego, que já estavam de férias, e que não sabiam que iam ter um exame para que é suposto prepararem-se, cai-lhes em cima uma data que é já praticamente amanhã. Nem o gado é suposto ser tratado assim, mesmo quando vai para o abate.

Porquê esta rapidez? A resposta é muito simples: para evitar que os sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei — ou seja, o Governo faz um truque descarado e sem vergonha para contornar uma lei da República, que permite o exercício de um direito.

Pode-se ter o ponto de vista que se quiser sobre os exames exigidos a professores que já tinham as qualificações necessárias para ensinar e, nalguns casos, já ensinavam há vários anos. Esta é outra questão e sobre ela não me pronuncio. O Governo pode até ter razão em querer os exames e os professores não ter ao recusá-los. Aqui posso ser agnóstico sobre essa matéria. Não é sobre isto que escrevo, mas sobre o pequeno truque, habilidade, esperteza e os seus efeitos de dissolução social como norma de governação.

Esta prova, exigida em 18 de Dezembro aos professores contratados com menos de 5 anos de serviço, requer que se saiba ler, interpretar textos e escrever com correcção gramatical. Também é preciso saber interpretar informação contida em tabelas e gráficos. São conhecimentos que é suposto terem sido adquiridos e capacidades que é suposto terem sido desenvolvidas por qualquer pessoa que tenha a aspiração de ser professor num País que se pretende com futuro.

Mas há pessoas a trabalhar numa sala de aula sem terem estes requisitos? Há. E alguns, já pertencem aos quadros dos agrupamentos. Tiveram acesso e foram admitidos nos concursos para professores porque são sempre concursos documentais, ou seja, exigem apenas diplomas que atestem as habilitações exigidas por lei.

Não estão nas salas de aula a ensinar porque não têm qualificações para o fazer.

Estão a entreter alunos. Sabem relacionar-se bem com miúdos e graúdos, o que é muito fácil, basta concordar com tudo o que dizem e fazem. No final aprovam todos os alunos, portanto nunca são alvo de queixas por parte dos respectivos pais que nem sonham o tempo que os filhos estão a desperdiçar na escola.

Este é o estado a que chegámos. E não é só no ensino. São bem conhecidos dois casos na política: José Sócrates e Miguel Relvas. O primeiro arrecadou uma licenciatura em Engenharia Civil, na defunta universidade Independente, nunca reconhecida pela Ordem dos Engenheiros que exige um exame aos diplomados por universidades de qualidade duvidosa se quiserem ser considerados engenheiros. O outro aldrabou uma licenciatura em Ciência Política na universidade Lusófona, com a cumplicidade do então reitor.

Há alunos que não conseguem obter boas classificações nos exames nacionais correspondentes às provas de ingresso exigidas nas instituições de ensino superior público e, apesar das classificações do ensino secundário estarem inflacionadas, ficam com uma nota de candidatura que não lhes permite entrar nas vagas disponibilizadas.
Então vão arranjar um diploma às universidades privadas tipo Lusófona. Um diploma obtido com muita festa, pouco estudo e, sobretudo, recheado com uma gorda nota. De fazer arregalar os olhos a quem teve de estudar no duro em universidades públicas, menos pródigas nas notas, e que tem ficado para trás na lista ordenada de candidatos do concurso nacional para professores — uma minoria desprezada num país que, há décadas, deixou de se orientar pelo princípio do mérito.

Mesmo os cursos em Educação das universidades púlicas só têm disciplinas mais exigentes na licenciatura, os mestrados oscilam entre três e quatro semestres e são preenchidos com cadeiras de Pedagogia, Psicologia, Sociologia e Didácticas.
No ensino politécnico público, responsável pela formação dos educadores de infância e dos professores dos 1º e 2º ciclos, os cursos têm de ser facilitados por causa do percurso inicial escolhido pelos alunos:
É possível, neste momento, um professor do 2º ciclo fazer todo o seu percurso tendo reprovado a Matemática no 9.º ano de escolaridade, tendo passado o secundário sem ter Matemática. E depois ir para uma licenciatura em Educação e ir ensinar Português e Matemática aos alunos do 2.º ciclo”, revelou recentemente o ministro Nuno Crato.

Cursos fáceis que permitem o acesso a emprego bem remunerado — 1282 euros é a remuneração do professor contratado. Mesmo deslocados da residência, a pagar casa e deslocações é vantajoso numa perspectiva meramente financeira porque, quando não conseguem colocação em escolas públicas, apenas logram trabalhar como escriturários em empresas privadas que lhes pagam 500 euros. "Acaba por ser mais lucrativo trabalhar no ensino público, mesmo que seja ano sim, ano não", disse-me uma vez uma colega, "e não tenho de carregar caixas de fruta nos camiões quando faltar pessoal".

Para separar o trigo do joio, as melhores empresas do sector privado fazem testes aos candidatos a um emprego nas suas organizações. É isto que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) quer fazer aos professores que precisa de contratar com a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC).
Mas os sindicatos opõem-se. Enorme foi a procura dos cursos em Educação e descomunais as expectativas criadas. Profundos os sonhos desfeitos com a PACC. Os piores professores são, obviamente, os seus sócios mais fiéis.

Em 18 de Dezembro houve greves, boicotes, lágrimas e vidros de salas de aula partidos a pontapé por professores desesperados que tinham de fazer uma prova de avaliação de conhecimentos e capacidades.
Houve docentes que confessaram sentir dificuldade em resolver a prova que consideraram extensa e a exigir muito raciocínio. Mas duas boas alunas do 12º ano fizeram a PACC com um sorriso nos lábios.

Para evitar a repetição destes acontecimentos e conseguir contratar os melhores professores, o MEC marcou a nova data de realização da PACC para a próxima terça, 22 de Julho — Despacho 9316-A/2014 —, e só divulgou a notícia na manhã da passada quinta-feira, mas dentro do prazo legal.

Pacheco Pereira acha, porém, que o MEC perdeu a moralidade porque, ao reduzir o prazo de marcação da prova ao mínimo, evitou que os sindicatos "pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei". Nem uma palavra sobre o valor moral da sugestão dos sindicalistas para que os professores vigilantes faltem sob o pretexto de uma consulta médica ou um furo num pneu. E ainda vem dar força à mobilização da Fenprof no terreno, atirando a responsabilidade de eventuais incidentes para cima dos governantes.
Logo, para ter moralidade, o MEC devia baixar os braços, contratar candidatos sem qualificações, como tem sido feito até agora, e mandar para o desemprego quem estudou e se qualificou numa instituição de ensino superior prestigiada. Batemos no fundo.


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