quarta-feira, 30 de julho de 2014

BES com 3,5 mil milhões de euros de prejuízos no 1º semestre de 2014


Durante esta semana circularam rumores de que os prejuízos do Banco Espírito Santo (BES) nos primeiros seis meses do ano atingiam 3 mil milhões de euros. É ainda pior: ascendem a 3577 milhões de euros. Devem-se, porém, a factores extraordinários: só em imparidades, o BES contabilizou 4253 milhões.

Aguardado com ansiedade, o comunicado do banco liderado por Vítor Bento, relativo aos resultados do primeiro semestre, surgiu às 21:16 e começa logo por esclarecer que os prejuízos se devem a factores extraordinários,
Fatores de natureza excecional ocorridos durante o corrente exercício determinaram a contabilização de prejuízos, de imparidades e de contingências que se refletiram num prejuízo de 3577,3M€ (-3488,1M€ no 2º trimestre).
cujas causas estão a seguir discriminadas:
  1. constituição de provisões para fazer face à exposição perante as empresas do Grupo Espírito Santo (GES);
  2. anulação de juros incobráveis sobre crédito concedido no BES Angola (BESA) e constituição de provisões para contingências fiscais nesta filial;
  3. agravamento do risco da carteira de crédito;
  4. reconhecimento da imparidade na participação na Portugal Telecom;
  5. consolidação de SPE (Special Purpose Entities) e contingências sobre dívida emitida.

A exposição perante as empresas do GES tem duas componentes: crédito concedido e garantias prestadas pelo Grupo BES, e subscrição de dívida por clientes do Grupo BES. Começamos pela primeira:


Exposição directa do BES ao Grupo Espírito Santo




Portanto o banco apresentava em 30 de Junho uma exposição directa de 1572 milhões de euros às empresas do GES. Neste total, está uma exposição de 927,6 milhões de euros à ESFG — holding da área financeira do GES — e bancos subsidiários e 270,8 milhões de euros à Rioforte — holding da área não financeira do GES — e suas subsidiárias.

Comparando com a informação de 10 de Julho, conclui-se que a diferença reside, sobretudo, na exposição de 297 milhões de euros à ESCOM cuja venda ainda não foi concluída. No entanto, há um claro incumprimento das orientações do Banco de Portugal que em Dezembro do ano passado tinha avisado o Grupo BES para não aumentar a exposição às empresas do GES:
Em junho de 2014, a exposição do BES à ESFG e respetivas subsidiárias agravou-se em 120M€, em consequência de algumas operações realizadas entre o Banco e estas entidades, as quais não foram, no entanto, objeto de aprovação prévia pela Comissão de Partes Relacionadas nem pelos órgãos do Banco com competência para aprovar este tipo de operações. Relativamente a este aumento de exposição, encontra-se em curso uma análise relativa às condições em que o mesmo ocorreu.
A exposição às companhias de seguros (Tranquilidade e suas subsidiárias) está relacionada com produtos financeiros cujo risco subjacente não inclui qualquer entidade do GES.

No quadro seguinte o banco detalha a exposição que os seus clientes têm ao GES, que totaliza cerca de 3107 milhões de euros, dos quais perto de 1100 milhões foram subscritos por clientes de retalho e os restantes 2007 milhões por clientes institucionais:




No caso da exposição dos clientes à Espirito Santo International, vislumbram-se responsabilidades que o Conselho de Administração descarta:
Após a divulgação das exposições ao GES efectuada ao mercado no dia 10 de Julho, o Conselho de Administração tomou conhecimento da existência de duas cartas emitidas pelo Banco Espírito Santo a benefício de entidades credoras da Espirito Santo International, cuja aprovação não havia sido realizada de acordo com os procedimentos internos instituídos no Banco, nem constava dos seus registos contabilísticos a 30 de Junho.
A unidade de Angola também prejudicou os resultados, nomeadamente através da anulação de 247,2 milhões de euros de juros incobráveis sobre o crédito concedido no BES Angola e do "registo de uma provisão de 69,4 milhões para contingências fiscais".

O "agravamento do risco de crédito" e o "reconhecimento da imparidade na participação na Portugal Telecom" (que perdeu 106,1 milhões de euros do seu valor em bolsa) são outros dos factores referidos pelo documento emitido pelo banco.

O Grupo BES, no decurso do exercício de 2014, procedeu à emissão de obrigações a desconto, registadas no balanço ao custo amortizado, que foram adquiridas por clientes de retalho, através de intermediários financeiros, por valores superiores ao respectivo valor de emissão. Como se trata de emissões de muito longo prazo e foram criadas expectativas de liquidez que podem levar o Grupo a proceder à compra de parte das mesmas aos clientes, foi reconhecido um prejuízo de 757,8 milhões de euros.

Nos primeiros seis meses do ano em que o banco foi gerido por Ricardo Salgado, o produto bancário — que se obtém somando o produto comercial com operações financeiras de -356 milhões de euros — foi positivo e no valor de 263,8 milhões de euros.

Os custos operativos do banco subiram, porém, para 594,8 milhões de euros devido a "custos com as reformas antecipadas de 139 colaboradores e alterações no perímetro de consolidação", empurrando o resultado bruto da instituição financeira para o valor negativo de -331 milhões de euros.

Só que foram feitas provisões, ou seja, 4253,4 milhões de euros foram colocados de parte de modo a assegurar eventuais perdas futuras.

Daí que o resultado, após o acréscimo de 859,9 milhões do impacto fiscal e a contribuição para o sector bancário de 16,4 milhões, seja o prejuízo de 3577,3 milhões de euros:





Apresenta como medidas de recuperação:
O Conselho de Administração está empenhado em apurar todos os factos que conduziram à necessidade de proceder a este conjunto adicional de provisões e propõe-se adotar todas as medidas que se encontrarem ao seu alcance com vista a recuperar os montantes máximos possíveis dos créditos ora provisionados e a fazer com que o banco possa ser ressarcido pelos prejuízos causados por via de eventuais comportamentos ilícitos que venham a ser apurados, por parte de indivíduos ou entidades, através dos vários meios e instâncias a que poderá recorrer para o efeito.

SOLIDEZ FINANCEIRA

O Banco de Portugal já regulamentou o regime transitório previsto no Regulamento da União Europeia em matéria de fundos próprios, tendo estabelecido o rácio Common Equity Tier I (CET1) não inferior a 7%. Segundo estas regras, os rácios de capital do Grupo BES, em 30 de Junho de 2014, eram como segue:




Portanto as ocorrências de natureza excepcional acima descritas tiveram o efeito de reduzir o rácio Common Equity Tier I para 5,0%.

O Conselho de Administração do BES deliberou, em 15 de Maio de 2014, um aumento de capital social por novas entradas em dinheiro a realizar através de subscrição pública com respeito pelo direito de preferência dos accionistas, de até 1607 milhões de acções, ao preço de subscrição de 0,65 euros por acção, permitindo um encaixe de até 1045 milhões de euros.

O BES Investimento, a Morgan Stanley e a UBS Investment Bank actuaram como Joint Global Coordinators e Joint Bookrunners; o Bank of America Merrill Lynch, Citigroup Global Markets Limited, J.P. Morgan Securities Plc, e Nomura como Joint Bookrunners; e a Banca IMI, Banco Santander, BBVA, COMMERZBANK, Crédit Agricole CIB, ING, KBC Securities, Keefe, Bruyette & Woods, MEDIOBANCA e Société Générale Corporate & Investment Banking como Co-Lead Managers.

O aumento de capital foi totalmente subscrito compreendendo a emissão de 1.607.033.212 novas acções que foram admitidas à negociação na Euronext Lisbon em 17 de Junho. O capital social do BES é actualmente de 6.084.695.651,06 euros, representado por 5.624.961.683 acções. Após o aumento de capital os accionistas de referência passaram a deter as seguintes participações directas no capital social do BES: Espírito Santo Financial Group (25,1%), Crédit Agricole (14,6%), Bradesco (3,9%) e Portugal Telecom (2,1%).

OUTROS ASPECTOS

A equipa de gestão que foi nomeada recentemente para liderar o banco — Vítor Bento, João Moreira Rato e José Honório — deixou um esclarecimento final:
Os membros do Conselho de Administração cooptados no passado dia 13 de julho de 2014 não intervieram no processo de elaboração e aprovação das presentes demonstrações financeiras consolidadas referentes ao primeiro semestre de 2014, do relatório de gestão intercalar e das declarações referidas na alínea c) do nº1 do artigo 246 do Código dos Valores Mobiliários, porquanto:
  1. os documentos em apreço se reportam a um período anterior ao do respetivo início de funções enquanto administradores;
  2. o período de tempo que decorreu entre a data da respetiva cooptação e a data de aprovação dos documentos em apreço não foi de molde a permitir analisar adequadamente as referidas contas, nem os factos nelas reportados.







*

Cerca de uma hora depois, a equipa de gestão liderada por Vítor Bento emitiu um segundo comunicado intitulado "PLANO DO BES PARA O FUTURO" onde alerta para a necessidade de um aumento de capital:
Como consequência destes resultados, o rácio de capital do Banco (Common Equity Tier 1) situa-se agora em 5,0%, o que é inferior ao mínimo regulamentar, decorrendo daí a necessidade de se aumentar o capital do Banco. Este Plano de Capitalização deverá, desejavelmente, contemplar uma almofada de precaução.
(...)

Paralelamente, a equipa de gestão já iniciou a preparação de um Plano Estratégico de Reestruturação do Banco visando a sua adequação à nova realidade do negócio bancário, nomeadamente em Portugal.

Este plano prevê ainda uma avaliação exaustiva dos ativos que seja possível alienar, nomeadamente, mas não só, dos associados a algumas presenças internacionais que não sejam estratégicas. As potenciais alienações serão feitas tendo também em conta a maximização do valor do Banco para os seus stakeholders.
(...)

Finalmente e na medida em que a descrição de alguns dos contributos para esses resultados parece indiciar a existência de eventuais violações de normas legais, tais indícios irão ser devidamente investigados e, se for o caso, comunicados às autoridades competentes para os fins legalmente previstos.

Em suma, apesar de serem tempos difíceis para os stakeholders, estamos totalmente focados em empreender os passos necessários para obter a viabilidade e rentabilidade do BES reafirmando-o como uma referência no futuro.

O Banco de Portugal já reagiu aos resultados do BES através deste comunicado em que revela as medidas que acaba de tomar (negrito meu):
Em face destes factos supervenientes, o Banco de Portugal determinou:
  • A realização de um aumento de capital por parte do BES, incumbindo a sua administração de apresentar um plano de capitalização cuja execução permita, a curto prazo, o reforço dos fundos próprios para níveis adequados de solvabilidade;
  • Inibir os direitos de voto inerentes à participação qualificada que a Espírito Santo Financial Group, S.A. e a Espírito Santo Financial (Portugal) - SGPS, S.A. detêm no BES, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º nº7, 13.º-A e 106.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF);
  • Suspender, com efeitos imediatos, os membros dos órgãos de administração com os pelouros de auditoria, compliance e gestão de riscos, bem como os titulares do órgão de fiscalização. A substituição destes membros deverá ser assegurada por proposta dos acionistas, com eventual cooptação pelos membros em funções;
  • Designar uma comissão de fiscalização composta por quadros superiores da PricewaterhouseCoopers & Associados – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda., nos termos e para os efeitos previstos no artigo 143.º do RGICSF, até que os acionistas promovam a substituição dos membros da Comissão de Auditoria.

*

O primeiro-ministro Passos Coelho já tinha avisado que os contribuintes não podem suportar erros dos bancos privados. Ao contrário do governo Sócrates que nacionalizou o BPN e passou a responsabilidade financeira das fraudes aí perpetradas aos contribuintes, agora vão ser os accionistas do BES a arcar com os prejuízos.


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