sexta-feira, 20 de maio de 2011

Vinte administradores ocupam mil lugares de administração


O relatório anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas em Portugal – 2009, ontem divulgado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), faz revelações surpreendentes:

"No final de 2009 mantinha-se o cenário de elevada concentração do mercado accionista português. As 218 participações qualificadas identificadas representavam 75,6% do capital social e 69,2% da capitalização bolsista das 45 empresas analisadas. (...)

Entre os 426 administradores, pouco menos de um em cada quatro desempenhava funções de administração em apenas uma empresa. Constatou-se, porém, que cerca de 20 administradores acumulavam funções em 30 ou mais empresas distintas, ocupando, em conjunto, mais de 1000 lugares de administração, entre eles os das sociedades cotadas. A acumulação de funções patente nestes números poderá ser um motivo de reflexão para os accionistas destas empresas.
", escreve o regulador.

"Quanto às remunerações dos membros do órgão de administração apurou-se que a remuneração média por administrador, incluindo componentes de remuneração variável com impacto plurianual, foi de EUR 297 mil (EUR 513 mil para os administradores executivos). As remunerações fixas representaram 55,9% do total de remunerações e as variáveis 35,2%, cabendo às restantes remunerações (complementos de pensões e outras responsabilidades de médio e longo prazo) cerca de 8,8% do total. (...) No caso de uma empresa a remuneração fixa representou somente 0,8% do total. Nestas situações importará que os accionistas reflictam, quer sobre a eficiência dos mecanismos de remuneração adoptados, quer sobre se não estará a ser excessivamente incentivada a tomada de riscos.

Para cerca de três em cada quatro administradores, a sua remuneração foi directa e integralmente paga pela sociedade cotada, tendo os demais recebido alguma fracção proveniente de outras empresas dos respectivos grupos. As empresas pertencentes ao PSI20 destacaram-se pela elevada percentagem de administradores exclusivamente pagos pela sociedade (83,5%) tendo sido acompanhadas de perto pelas que adoptaram o Modelo Anglo-Saxónico (81,0%). No extremo oposto, nas empresas do Modelo Dualista apenas 53,3% dos administradores auferia exclusivamente remunerações pagas directamente pela sociedade. Houve ainda 32 administradores (dos quais 20 executivos) que receberam menos de metade da sua remuneração através da sociedade cotada. (...) Uma vez mais se afigura merecedora de reflexão, nos casos aplicáveis, a questão de saber se os accionistas mantêm controlo sobre as remunerações pagas por outras empresas do grupo, bem como sobre se as remunerações provenientes de outras fontes não são susceptíveis de colocar em causa a independência e a disponibilidade dos seus administradores. Aliás, a CMVM não considera independente quem receba remunerações de subsidiárias.


I. Capítulo – A Situação do Governo das Sociedades Cotadas

I.2. Modelos, Órgãos e Estruturas de Governo Societário
I.2.2. Órgãos de Administração
I.2.2.4. Participação dos Membros do Órgão de Administração em Funções Executivas e Não Executivas


Os membros executivos dos órgãos de administração das sociedade cotadas que afirmam exercer funções a tempo inteiro acumulavam, em média, funções de administração em 11,6 sociedades de dentro e de fora do grupo da sociedade cotada, o que não deixa de ser um valor surpreendente para o exercício de funções a tempo inteiro. Entre os administradores executivos que não se declararam como estando afectos a tempo inteiro, a participação média global em cargos de administração era inferior: 9,9 empresas.

Os membros não executivos a desempenhar funções a tempo inteiro registam um valor médio de pertença a órgãos de administração de 4,3 sociedades. Os administradores não executivos a tempo parcial integravam em média o órgão de administração de 5,8 empresas. Os administradores não executivos independentes desempenhavam funções de administração em 3,6 empresas, em média, subindo este indicador para 7,3 no caso dos não independentes. Sublinhe-se que a larga maioria dos administradores não executivos desempenhavam as suas funções a tempo parcial, sejam ou não independentes.

(...) Sublinha-se, por exemplo, que os administradores executivos desempenhavam funções igualmente executivas, em média, em mais 1,9 sociedades fora do grupo e em 6,3 sociedades do grupo (incluindo a própria sociedade), exercendo também funções não executivas em empresas do grupo (2,5) e de fora do grupo (0,7). Estes números podem ser factor de preocupação sobretudo se o desempenho da actividade noutras sociedades não for uma consequência do exercício de actividade de administração da sociedade cotada.

Em termos globais, 4% dos administradores eram responsáveis por cerca de 19% dos lugares de administração, em empresas dentro e fora dos grupos. Identificaram-se 17 administradores que acumulavam lugares de administração em 30 ou mais empresas, havendo um caso de um administrador que pertencia ao órgão de administração de 62 empresas.

I.2.2.5. Idade Média e Distribuição por Género

A idade média dos administradores executivos no final de 2009 era de 53,6 anos e a dos não executivos era de 56,2 anos. (...)
No que respeita ao género, apenas 5,6% dos cargos de administração das sociedades cotadas (25 cargos) eram exercidos por mulheres. (...)
Considerando-se apenas os lugares executivos nos órgãos de administração, a distribuição de lugares por género surge ainda mais desequilibrada, com as mulheres a ocuparem apenas 4,7% do total de cargos executivos. Em nenhuma das 45 empresas analisadas o cargo de presidente do órgão de administração era ocupado por uma mulher.

I.3. Remuneração dos Membros dos Órgãos Sociais
I.3.1 Remuneração Total Global


Em termos globais, as remunerações pagas aos membros dos órgãos de administração, no âmbito do perímetro de consolidação das sociedades cotadas, ascenderam, em 2009, a EUR 124,7 milhões (aproximadamente EUR 297 mil por administrador ao longo do ano). Cerca de EUR 102,5 milhões foram pagos directamente pelas sociedades, ou seja, 82,2% do total.

Em média, cerca de 9,1 em cada 10 euros de remunerações pagas concretizou-se sob a forma de remunerações fixas (55,9%) ou variáveis (35,2%). As remunerações restantes, menos comuns, que reflectem fundamentalmente responsabilidades de médio e longo prazo (designadamente pensões), representaram 8,8% do total de remunerações recebidas pelos administradores considerando todo o perímetro de consolidação das respectivas empresas.
(...)
Do total global de administradores na lista de remunerações das sociedades cotadas e/ou dos respectivos grupos, 75,2% apenas receberam remunerações oriundas directamente da sociedade cotada. Há, contudo, 32 administradores que receberam menos de metade das suas remunerações directamente da sociedade cotada (20 dos quais eram administradores executivos).
(…)
Quando os administradores recebem remunerações significativas de outras empresas do grupo que não da empresa cotada, essa situação não poderá deixar de merecer a reflexão dos respectivos accionistas. Neste caso, estes não só suportam (indirectamente) essas remunerações, como poderão não ter qualquer controlo sobre a fixação do seu valor. De igual modo devem merecer reflexão as situações em que as remunerações recebidas da sociedade cotada (e do seu grupo) representam uma exígua percentagem das remunerações percebidas pelos administradores. Nesse caso, poderá estar em causa a criação de condições de incentivo a que seja dedicado tempo e esforço aos assuntos da empresa.

As remunerações auferidas por administradores executivos foram superiores à média global (EUR 513 mil contra EUR 297 mil). (...)
"
[Nota: o ex-director-geral do FMI auferia 530 mil dólares anuais, ou seja, EUR 373 mil apenas]
"A remuneração dos executivos foi significativamente mais elevada que a dos não executivos, quer em termos médios, quer comparando a distribuição das remunerações individuais absolutas. A remuneração total individual mais elevada de um membro executivo foi de EUR 3.103 mil enquanto a de um não executivo registou o máximo de EUR 1.670 mil.

Considerando o rácio entre a componente variável e a fixa aferido agora pela comparação entre as remunerações médias dos administradores, verifica-se que a remuneração fixa foi menos relevante entre os administradores executivos do que entre a globalidade dos administradores: a componente variável cobriu 76,6% da componente fixa para os primeiros e 63,0% para os segundos. Identificando as situações extremas ao nível das empresas, existiam oito sociedades onde a remuneração variável atribuída ao conjunto dos seus administradores executivos superou o valor global da remuneração fixa, destacando-se uma empresa do Modelo Dualista onde a taxa de cobertura da remuneração fixa pelas variável rondou os 331,5%.

Esta situação não encontrou paralelo entre os administradores não executivos, onde o registo mais elevado para este indicador foi de 81,8% no caso de uma empresa não financeira do Modelo Latino. Para cumprirem adequadamente o seu papel, estes administradores não deverão encontrar-se em situações em que possam beneficiar da assumpção de riscos excessivos por parte da sociedade, beneficiando da actividade que devem fiscalizar. A remuneração variável poderá constituir-se como um entrave a que tal situação se verifique. Donde, também se julgam merecedoras de reflexão da parte dos accionistas as situações em que há pagamento de remunerações variáveis aos administradores não executivos.

I.5. Outros Temas
I.5.1. Auditoria Externa


Em 2009, dez auditores externos foram responsáveis por auditar as 44 empresas analisadas.

A Deloitte e a PricewaterhouseCoopers foram as auditoras que prestaram serviços a mais sociedades, 18 e 9, respectivamente. Considerando o capital social ponderado pela respectiva capitalização bolsista, confirma-se a existência de um elevado grau de concentração deste mercado, dado que as duas auditoras mais relevantes segundo este indicador (Deloitte e KPMG) representaram 84,2% do total. (...).

A KPMG, apesar de não ser a auditora com a maior quota de mercado, tinha uma carteira de clientes de maior dimensão em termos relativos: as quatro sociedades que auditava representavam 35,6% da capitalização bolsista.
(...)
O valor dos trabalhos de auditoria representou em 2009 pouco mais de metade (55,2%) dos honorários globais pagos às empresas de auditoria externa. No entanto, aquela percentagem esconde diferenças muito relevantes entre os vários tipos de sociedades. Identificaram-se nove sociedades (a Estoril Sol, a Fisipe, a Grão Pará, a Lisgráfica, a Orey Antunes, a Sumol+Compal, a Teixeira Duarte, a Toyota Caetano e a VAA) onde os valores dos trabalhos de auditoria representaram a totalidade dos honorários pagos. Entre as empresas integrantes do PSI20, além da Teixeira Duarte destacam-se também a Jerónimo Martins, a Cimpor, a Sonaecom e a Sonae Indústria, todas indicando um peso dos serviços de auditoria superior a 70% do valor global pago em honorários aos respectivos auditores. Por outro lado, houve sete empresas do PSI20 em que o peso dos serviços de auditoria foi inferior a 50% dos honorários pagos. Em quatro delas foi mesmo inferior a 30%, tendo-se registado um valor mínimo de 17,5% numa empresa não financeira, do Modelo Anglo-Saxónico. Estes valores significam que as empresas de maior dimensão e liquidez contratam às auditoras externas um volume muito relevante de outros serviços (incluindo de fiscalidade), o que poderá colocar em causa a sua independência e originar importantes conflitos de interesse na prestação de tais serviços, os quais evidentemente poderão (e tenderão) a ser resolvidos de forma contrária às conveniências dos accionistas.


II. Capítulo – Recomendações da CMVM sobre o Governo das Sociedades

Efectua-se neste capítulo a avaliação do cumprimento das recomendações da CMVM sobre governo societário, recordando-se que essa avaliação foi precedida de audição prévia das entidades emitentes dando-lhes a possibilidade de contraditarem a opinião da autoridade de regulação.

II.2. Análise do Cumprimento das Recomendações por Blocos
II.2.7. Remunerações
II.2.7.1. Análise de Cumprimento
II.2.7.1.1. Apreciação Global


O grau médio de cumprimento deste importante bloco de recomendações (64%) é substancialmente inferior à taxa média de cumprimento de todas as recomendações sobre governo societário. Nenhuma recomendação é cumprida por todas as empresas. É de referir também que apenas 5 empresas (BES, Brisa, Corticeira Amorim, Portugal Telecom e Zon Multimédia) cumprem integralmente este conjunto de recomendações. Ao invés, 15 empresas apresentam um grau médio de cumprimento igual ou inferior a 50%. (…)

II.2.7.1.2. Apreciação por Grupos de Recomendações

Dentro deste bloco de recomendações considera-se que existem 4 que formam um grupo essencial e que visam minimizar os custos de agência entre o órgão de administração das empresas e os respectivos accionistas. Este grupo é composto pelas recomendações II.1.5.1, II.1.5.2, II.1.5.4 e II.5.2 e é designado “alinhamento das remunerações com o interesse dos accionistas”. A importância da recomendação II.1.5.1 reside no facto de ser essencial que tenham sido desenvolvidos na empresa mecanismos que permitam o alinhamento de interesses entre o órgão de administração e os accionistas, traduzidos na implementação de regras claras sobre a definição das remunerações variáveis do órgão de administração que sejam adequadas aos seu desempenho efectivo e não sejam potenciadoras de assunção de riscos excessivos no curto prazo como forma de alavancar a componente variável da remuneração. Quanto à recomendação II.1.5.2, o seu teor procura assegurar que os parâmetros de determinação das remunerações, incluindo as variáveis, sejam claramente explicitados e sujeitos ao escrutínio da Assembleia Geral como forma de garantir que os accionistas possam ter um papel interventivo e crítico nesta matéria. A recomendação II.1.5.4 segue uma filosofia semelhante, ao propor que a definição de esquemas de remuneração assentes em planos de acções ou opções (stock options), bem como eventuais benefícios de reforma, sejam objecto de aprovação pela Assembleia Geral. Por último, a recomendação II.5.2 procura afastar a existência de conflitos de interesses na definição das remunerações do órgão de administração ao exigir que os membros que compõem a Comissão de Remunerações sejam independentes daquele órgão.

O grau de cumprimento médio das recomendações essenciais sobre remunerações é de apenas 51%, o que significa que, em média, apenas uma em cada duas empresas adopta estas recomendações, ou, numa outra perspectiva, as empresas cumprem metade das recomendações essenciais deste grupo. É de referir que 9 empresas não adoptam qualquer destas recomendações, duas das quais (Mota Engil e Portucel) integram o PSI20. Por outro lado, em muitos casos (30 empresas) a percentagem de cumprimento das recomendações essenciais é inferior à relativa ao conjunto de recomendações sobre remunerações. Pela positiva, em 6 casos (BES, Brisa, Corticeira Amorim, Portugal Telecom, Sonae Indústria e Zon Multimédia) as empresas cumprem todas as recomendações essenciais deste grupo. Conclui-se, assim, que, numa matéria tão relevante como a das remunerações, as empresas nacionais ainda se afastam melhores práticas, facto que deve merecer a devida reflexão dos seus accionistas.
"


Tabela XXIV – Cumprimento das Recomendação por Grupos (clique para aumentar)


Errata: Sonae Indústria está assinalada a cinza escuro nesta tabela, mas devia estar a castanho-claro pois verifica “recomendações essenciais=100% e demais recomendações>=70%”.


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