domingo, 19 de dezembro de 2010

Mariano Gago inicia a campanha para as eleições legislativas


Falando nas Jornadas Parlamentares do PS, no Porto, perante os deputados socialistas, Mariano Gago fez um longo discurso sobre o estado da Ciência e do Ensino Superior em que condenou "a tolerância do Parlamento relativamente à criação e funcionamento das ordens profissionais em Portugal"

Disse o ministro:
"Com toda a franqueza, este é um dos fenómenos mais extraordinários que ocorre neste país. A complacência, a cedência corporativa a quem chateia o parlamento com o argumento de que não se pretende fechar o mercado de trabalho — que ideia! — e apenas se quer fazer deontologia, é absolutamente extraordinária."
"[Os representantes dessas ordens profissionais] chegam lá ao gabinete e dizem-me: ‘Senhor ministro, desculpe lá, quer proletarizar esta profissão? Arranje uma maneira de fechar estas entradas, seja como for’.

(...) Conseguir libertar o país da tutela das ordens profissionais na entrada das profissões é um elemento fundamental, sobretudo em período de crise económica (...) O que se está a passar é uma canibalização do mercado de trabalho em torno das profissões qualificadas, em que os que estão instalados criam uma fronteira para ninguém mais entrar. Ou melhor, talvez entre o filho de um deles, pronto
".

Noutro ponto da sua polémica intervenção, Mariano Gago afirmou ainda que "há um perigo eleitoralista que atinge todos os partidos, e este [o PS] também. Na hora da verdade há uma cedência à ideia de transformar os institutos politécnicos em universidades. (...) É a ideia de que os politécnicos são uma espécie de estado, como naquela história em que o girino passava a rã. Ora o politécnico é o girino da universidade, depois passa a rã e a universidade, então, é uma rã completa.

(...) [Sem haver separação entre politécnicos e universidades] com missões completamente distintas, não é possível continuar com o alargamento da base social do Ensino Superior. (...) Provavelmente, nem sequer será possível fazer-se o enraizamento do conhecimento e da tecnologia no tecido empresarial."

O bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, já reagiu, considerando "lamentáveis" as críticas do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior às ordens profissionais que defendem o interesse público e a qualidade da formação. E acrescentou:

"Nunca lhe pedi para fechar entradas coisíssima nenhuma, o que lhe disse sempre foi que ele tinha que ter respeito pela saúde dos portugueses e não podia colocar indivíduos sem conhecimento, ignorantes, com uma bata branca como se fosse médicos.
O país não vai longe se desvalorizarmos a qualidade dos profissionais e os portugueses não vão longe se, em vez de médicos a sério formados pelas universidades portuguesas, tivermos sucedâneos de formação rápida que permitem aos ministros apresentar estatísticas enquanto portugueses morrem nas urgências.


É evidente que as ordens chateiam o senhor ministro porque não permitem que estas coisas aconteçam
."


*


O fórum do Público permite perceber melhor o problema:

Nuno, Santarém. 18.12.2010 15:10
O avanço da mediocridade
Eu posso falar no caso dos engenheiros. Acho que Mariano Gago, um dos melhores ministros do governo, não tem razão absolutamente nenhuma. A Ordem dos Engenheiros é que tem vindo a impedir que a mediocridade e a falta de qualidade reinem no sector da engenharia em Portugal. E o efeito do processo de Bolonha neste campo foi devastador...
O acesso à profissão não tem de ser controlado? Claro que tem! Pelo menos enquanto existirem para aí cursos ditos superiores, onde impera o facilitismo. Basta ver a quantidade de cursos de engenharia que grassam nos politécnicos e nalgumas faculdades, sem qualquer controlo por parte do ministério. É óbvio que a ordem tem de actuar.
Mas vejam os bons exemplos internacionais. Acham que nos liberais EUA e Reino Unido, por exemplo, o acesso à actividade de engenheiro é livre? Claro que não é! Só em Portugal é que caminhamos cada vez mais para o facilitismo e para a mediocridade. Agora até o superior está a ser atingido.

Anónimo, lx, portugal (?). 18.12.2010 16:52
Opinião inquinada
Esta posição do Gago está inquinada.
Se é verdade que algumas ordens controlam desenfreadamente o acesso à profissão, há as que delegam noutras instituições esse papel que por direito e dever lhes cabia.
Por outro lado também existe um incompreensível laxismo do governo em aprovar tudo o que é curso sem previamente verificar da sua coerência interna e do seu interesse para a sociedade.
É certo que estas decisões são políticas mas têm que se basear em algo, projecções ou trabalho de análise.
E para finalizar, o que está a acontecer nas universidades é o que foi denunciado pelo Fernando Ulrich do BPI há dias: "Fico com a sensação que as Universidades portuguesas vivem demasiado fechadas na sua missão de "fábricas" de licenciados e doutores e não incentivam os seus membros — alunos, professores, investigadores — a serem mais pro-activos na sociedade em que vivem". A qualidade que estas universidades anseiam, talvez para responder ao governo, é a quantidade de formados e nunca da sua qualidade.
Em resumo, o que se está a verificar no ensino superior, politécnico versus universidade, é que uns querem ganhar mais e outros querem trabalhar menos.
  • Rantaplan. 18.12.2010 Via PÚBLICO
    RE: opinião inquinada
    Para rematar só queria dizer que Portugal não tem uma universidade entre as 400 melhores do mundo. Confrangedor e revelador da qualidade que sai das nossas instituições "superiores".
    Infelizmente os alunos universitários preocupam-se mais com álcool e propinas do que com a pseudoqualidade que lhes estão a impingir. Para quando um ranking português de universidades e politécnicos à semelhança do que existe no ensino básico e secundário?

Anónimo, Algures. 18.12.2010 16:57
Dou também 20 valores
Foi a melhor intervenção do governo em muitos meses! Os crânios das ordens estão com medo dos novos, bem mais capazes e com outro tipo de visão, vejam o que fazem lá fora, vejam! Muitos portugueses tornam-se os melhores na sua área.
É o problema das corporações que só acaba, se calhar, com violência ou quando os velhos derem o badagaio. Parabéns Sr. Ministro.
  • Rantaplan. 18.12.2010 Via PÚBLICO
    RE: Dou também 20 valores!
    Se os novos são todos tão bons, porque queria o teu partido socialista fazer exames de entrada na profissão a professores?

gisela, gaia. 18.12.2010 17:56
Bravo!
Se os membros do governo tivessem a iniciativa deste Ministro de afrontar, ou pelo menos lançar na discussão pública, a hipocrisia dos poderosos corporativistas/cartelistas, alguns deles, certamente, "vira-casacas" doutros tempos, este Governo tinha maioria absoluta!
O povo está cansado dos poderes parasitas sem rosto que nos sugam. Falta coragem, falta mais espírito de Abril naquele que hoje se diz partido socialista. É o meu partido, quero-o revigorado! O alerta contra os reaccionários está hoje cada vez mais vivo.
Passo Coelho é um liberal assumido, ao lado dele gravitam liberais frustrados e confesso que me assusta quando alguém quer, não o melhor para o país, mas o melhor para os interesses do partido — uma maioria, um primeiro-ministro e um presidente — só falta mesmo um quadro do Sá Carneiro na parede...
Acho que os portugueses ainda não perceberam o que são os liberais. Os estudantes Ingleses estão agora a perceber: o triplo das propinas e outras coisas virão. Alternância pela alternância é burrice!

Helder, Porto. 18.12.2010 19:59
Sr. Ministro,
Quer então V. Exa. dizer que sistemas de acreditação profissional como o dos Estados Unidos, com exame obrigatório à saída da Universidade (independentemente de o candidato a profissional sair de Harvard ou de uma qualquer universidade da comunidade local), outro exame após 4 a 6 anos de experiência profissional e obrigatoriedade de Educação Contínua durante toda a carreira são apenas barreiras ao acesso à profissão para novos membros? Não me parece.
As ordens deviam, sim, implementar mais provas de aptidão, aplicadas a todos de igual modo, ao longo da carreira, em lugar de aplicar a prestação de provas a alguns apenas. Quanto aos "Abrileiros" que por cá andam, nada a fazer. Há que aguentar até que morram.

João Borges, Lisboa. 18.12.2010 22:06
O problema
Sou estudante do 3º ano na Faculdade de Medicina de Lisboa, com base no Hospital de Santa Maria e tenho que concordar com o Bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes.
Hoje vive-se na nossa faculdade uma situação em que não há capacidade para incorporar todos os alunos. Chegou-se ao ponto em que é preciso alterar despachos relativos a avaliações para não haver retenção de demasiados alunos, que no ano seguinte «entupiriam» todo o sistema. Nos serviços de pediatria (e não esquecendo que estamos a falar de um dos maiores hospitais do país) estão presentes 6 ou 7 alunos por doente. Será que estas são condições para formar médicos competentes? Não me parece.
Eu acredito que esta situação pareça muito mal à maior parte das pessoas, mas a verdade é que o Bastonário tem razão no que diz: neste momento não há condições para aumentar o número de alunos nas faculdades existentes, porque não se pode aumentar o número de camas dos hospitais de um dia para o outro. Que se criem novos hospitais e novas faculdades, estou completamente de acordo, e acredito que o Bastonário também esteja. Ambos têm culpa numa coisa: a falta de planeamento a longo prazo, o verdadeiro problema de Portugal.


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