domingo, 18 de dezembro de 2011

Entrevista de Passos Coelho ao Correio da Manhã





"A minha perspectiva é que a cimeira europeia podia ter sido mais positiva, se não tivesse havido esta imagem de uma certa divisão [Reino Unido de um lado e bloco continental do outro]."

"O mercado reagiu bastante mal a uma declaração que o presidente do BCE fez na quinta-feira, dia em que se fez o jantar de preparação do Conselho Europeu, de que não iria alterar a sua política no que respeita ao financiamento da dívida soberana dos Estados Europeus. Isso foi interpretado como uma política invariante, contra a expectativa de que, se os Estados Europeus no Conselho aceitassem uma maior disciplina orçamental e uma maior coordenação económica de forma institucionalizada, o BCE iria ter um comportamento diferente relativamente às intervenções em mercado secundário no que respeita à dívida soberana dos países que têm estado sobre maior stress financeiro."

"A implosão do euro é um cenário dantesco que eu penso que não pode estar em cima da mesa."

"A ideia de que o BCE deveria ser um prestamista de última instância de cada Estado não está no consenso europeu. Não só por causa da Alemanha, muitos outros países não concordam com essa visão.
Uma coisa é incluir na ideia de intervenção do BCE mais do que a estabilidade dos preços, que é o único mandato que o BCE tem e o BCE tem estado um pouco além desse mandato na medida em que também tem privilegiado a estabilidade financeira. Isso é diferente de dizer que o BCE deve ser uma espécie de banqueiro dos Estados Europeus.
Nós na Europa temos agora 28 países. Se o BCE, que deve gerir a moeda de 17 desses países, tivesse de ser o banqueiro de cada um destes Estados, na prática o que o BCE estaria a fazer era a financiar os défices desses Estados. E isso não está no consenso europeu e devo dizer que não concordaria com isso."

"Portugal não necessitaria de um envelope financeiro maior, o que precisava era de condições de flexibilidade que permitissem não pôr em causa o financiamento à economia.
Todo o sector público empresarial não se conseguia refinanciar externamente e tinha de ir à banca portuguesa. Se a banca portuguesa deve estar a financiar as empresas públicas, não consegue, ao mesmo tempo, financiar a economia privada.
Desde que exista um alívio a esta restrição de financiamento, a economia portuguesa estará mais bem defendida."

"Os pacotes de austeridade destinam-se a adequar a despesa do Estado à nossa capacidade de criar riqueza em Portugal e ao défice que nós tínhamos. Essa necessidade permanece.
Das decisões que foram tomadas em Bruxelas, na passada sexta-feira, não existe um agravamento de austeridade para Portugal."

"Queremos até 2015 que o Estado vá buscar muito menos recursos aos portugueses do que tem ido buscar nos últimos 10 anos. O Estado para financiar a sua despesa, que chegou no ano passado a representar mais de metade daquilo que produzimos em Portugal durante um ano inteiro, precisa de ir buscar em impostos aos portugueses uma quantidade de recursos que a economia privada não consegue utilizar.
Se o Estado conseguir gastar menos, sem pôr em causa o essencial das políticas públicas na área social, e por essa razão não precisar de ir buscar tantos impostos aos portugueses, eles ficam livres para realizar mais poupanças que utilizarão, via sistema financeiro, para financiar o crescimento da economia e do emprego.
Esperamos ter, já no próximo ano, do lado do Estado, um excedente primário. Quer dizer, se não contarmos com o vamos pagar em juros da dívida que os portugueses contraíram para sustentar o Estado nos últimos anos, as nossas contas públicas já estarão equilibradas.
Começamos a crescer a partir de 2013, é essa a perspectiva que temos."

"Não há nenhuma forma de Portugal poder vir a crescer no futuro sem estas medidas de austeridade.
O Estado não tem nenhuma competência para impor cortes dessa natureza [subsídios de 13º e 14º mês aos privados]. Uma coisa é a disciplina que o Estado tem de cumprir. Outra coisa é o comportamento do sector privado. O sector privado também está endividado, não é só o Estado, e endividou-se para fazer investimentos que não tiveram grande retorno.
O Estado está a fazer um processo de ajustamento e o sector privado também vai ter de fazer o seu processo de ajustamento, não tem de ser o Estado a pilotá-lo. Felizmente vivemos numa economia social de mercado e, portanto, quem vai ter de fazer esse ajustamento são as administrações das empresas, já estão a fazê-lo e, de resto, começaram a fazê-lo mais cedo do que Estado.
Por essa razão é que o Estado teve de ir mais longe nas medidas restritivas do que muitas empresas privadas porque as empresas privadas já começaram a fazer esse ajustamento, por isso temos, infelizmente, em Portugal um nível de desemprego tão elevado. Muitas empresas já precisaram de despedir gente e muitas tiveram de fechar a porta.
Se a economia privada quiser ser ainda mais competitiva para poder exportar mais, e ser competitiva em preço nos produtos que exporta, ainda vai ter de efectuar maiores ajustamentos.
Para ajudar a economia privada a preservar emprego e a aumentar de forma conjuntural a sua competitividade, o Estado decidiu permitir com a meia hora um processo de haver do lado dos portugueses que não estão a trabalhar no Estado um envolvimento adicional, durante o período em que decorre este programa de assistência económica e financeira, para que também eles pudessem dar uma ajuda para que a competitividade da economia crescesse."





"Nos últimos 10 anos crescemos menos de 1% ao ano. Fartámo-nos de gastar dinheiro e endividámos o País, o endividámos aqui não é um plural majestático porque não fui eu como primeiro-ministro que tomei essas decisões."

"Se a nossa perspectiva é continuar a crescer a este ritmo, que é como quem diz, a crescer menos do que a Europa e a tornarmo-nos mais pobres do que a Europa, então eu não desejo esse modelo de desenvolvimento a Portugal. Mas então para crescermos correctamente para futuro nós temos de crescer não à custa do Estado, mas do bom investimento privado. E em segundo lugar, sobretudo à custa do sector competitivo da economia e não daquele que fica a crescer à custa do empobrecimento dos portugueses, quer dizer, através do proteccionismo da economia.
É uma grande mudança. O que é que significa para os bancos portugueses? Significa que os bancos têm de emprestar mais dinheiro às empresas do sector produtivo, por exemplo, à indústria portuguesa do que à construção. Os bancos portugueses emprestam, em média, 6% daquilo que podem emprestar à indústria transformadora e à agricultura, quer dizer aos sectores mais exportadores da economia. E depois emprestam quase 70% dos seus recursos às empresas do Estado e ao sector não transaccionável da economia, leia-se em particular, à construção e ao sector imobiliário.
Se a perspectiva para Portugal é continuar a crescer nesta base, então está errada e vamos continuar a divergir da Europa, a ter desemprego, como temos hoje, temos uma taxa estrutural de desemprego bem acima de 10% e tínhamos há 10 anos pouco mais do que 5%. O modelo que nos trouxe até aqui gera desemprego estrutural mais elevado, dívida do Estado, dívida das famílias e dívida das empresas.
Como é que se pode considerar ajustado que o Governo queira crescer para futuro na base do mesmo modelo? Só pode estar errado esse modelo. Vamos ter que crescer doutra maneira.
(...)
A banca teve enormes incentivos para orientar mal o crédito. Não queremos que a banca continue a emprestar para fazermos mais auto-estradas. Nós não precisamos de mais auto-estradas."

"O Estado não protegerá situações em que tenham existido irregularidades na concessão de créditos."


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