terça-feira, 5 de junho de 2012

"O desemprego inevitável"


" 04 Junho 2012 | 23:30
Helena Garrido — helenagarrido@negocios.pt

E se o desemprego for o sinal da cura e não da doença da economia portuguesa? A troika manifesta-se, nesta quarta avaliação, muito preocupada com o desemprego. Lamentavelmente, este agravamento do desemprego pode ser o sinal de sucesso da tão desejada reestruturação da oferta.

A quarta avaliação do FMI, Comissão Europeia e BCE distingue-se das anteriores pela preocupação manifestada com o agravamento do desemprego, a mais negativa surpresa do programa de ajustamento a que Portugal está sujeito desde há um ano. No fim da semana passada, dia 1 de Junho, o ministro das Finanças, anunciou que o desemprego poderia atingir 16% da população activa no próximo ano, número nunca visto na história portuguesa recente.

As primeiras análises divulgadas ontem pelo ministro das Finanças parecem revelar que se está perante uma ruptura na relação entre emprego e produção. Ou seja, o emprego garantido pelo actual valor dos bens e serviços é inferior ao que seria previsível se a economia tivesse mantido a sua estrutura. Ou, dito ainda de outra forma, a recessão compatível com a actual taxa de desemprego teria de ser muitíssimo mais grave.

O que se passou para o desemprego aumentar assim? Um dos acusados está a ser, de novo, a rigidez do mercado de trabalho, parecendo ser esta a razão apadrinhada pela troika. O raciocínio é mais ou menos este: como os trabalhadores não aceitam ou as empresas não conseguem cortar salários, o despedimento é a alternativa. Em linguagem puramente económica isto quer dizer que, como o mercado não ajusta pelo preço (o salário), ajusta pela quantidade (menos trabalhadores, mais desemprego). Sendo este o diagnóstico, salta-se de imediato para a conclusão: é preciso flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho para que o ajustamento se faça mais pela queda dos salários do que pela redução do emprego. E é exactamente isto que a troika quer quando diz que "são urgentemente necessárias mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral".

Assim como errou — tal como todos nós — nas previsões do desemprego, a troika está agora a errar na terapia. Boa parte dos economistas estava convencido que a legislação laboral portuguesa era muito rígida. Mas, ainda sem o novo Código do Trabalho em vigor, já temos o desemprego com uma dimensão surpreendente e cortes nos custos salariais que são incompatíveis com a teórica proibição de redução de salários. A realidade, com a sua violência, encarregou-se de mostrar que a legislação laboral já era suficientemente flexível, como aliás se disse durante praticamente toda esta última década. As empresas não despediam porque não precisavam ou porque o custo de despedir — financeiro e de imagem — era superior ao benefício que daí retiravam. Tudo mudou com uma conjuntura mais exigente, como aquela em que vivemos, e continuaremos a viver.

Portugal não precisa de mais alterações na legislação laboral. Está enganado quem pensa que é preciso reequilibrar os poderes a favor dos empregadores. Há muito tempo que os sindicatos não têm força no sector privado e a pouca que tinham no sector público estão a perdê-la nesta crise.

O que este desemprego quer dizer é que a economia portuguesa está a mudar. Está a mudar do sector da construção e dos serviços de baixo valor acrescentado para a indústria, para o que se exporta e para os serviços de valor mais elevado. E com esta mudança muitos vão ficar sem lugar no mercado de trabalho português. O que pode fazer o Estado? Muito pouco além de oferecer formação a quem quiser mudar de profissão. O sucesso da reestruturação da economia portuguesa significa, para muitos, para os menos qualificados, o desemprego em Portugal. "


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