sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Em defesa da liberdade de expressão - I





Muitos artigos de opinião têm sido escritos sobre o massacre no semanário satírico Charlie Hebdo, quase sempre com a argumentação restringida a sentimentos de culpabilidade. Como aconteceu com Boaventura Sousa Santos, professor numa conceituada universidade portuguesa, que se deixou cegar pela sua ideologia de esquerda radical e procurou justificar o totalitarismo islamita aqui.
O artigo que se segue foi o melhor que, até agora, li sobre o assunto — embora pense que o humorista Dieudonné cometeu o crime de apologia do acto terrorista de Coulibaly —, pelo que tomo a liberdade de o transcrever com a devida vénia:


"Charlie Hebdo: calar ou ser morto?

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA 16/01/2015 - 03:42

A blasfémia é um direito e não um crime.

A dimensão de que goza a liberdade de expressão numa sociedade é uma excelente forma de aferirmos da sua democraticidade pelo que a definição dos seus limites deve ter sempre em conta que a proibição ou a repressão de qualquer opinião, por mais aberrante que seja, é sempre um prejuízo para a sociedade, ao impedir a livre circulação de ideias.

Há, no entanto, expressões que podem ou devem ser reprimidas, como, por exemplo, a instigação pública à prática de crimes, na medida em que constituam um perigo sério e atual para a integridade física e psíquica dos cidadãos, mas nunca por não concordarmos com as mesmas ou porque sejam aberrantes ou sinistras. Como disse o juiz Oliver Wendell Holmes Jr., do Supremo Tribunal norte-americano, a liberdade de expressão não protege o pensamento dos que concordam connosco, mas sim o pensamento que odiamos.

Muito daquilo que se escrevia e desenhava no Charlie Hebdo — e espera-se que assim continue — era de um profundo mau gosto, por vezes, abjecto e sempre de uma enorme inconveniência, num jornalismo satírico e violento que, à partida, não respeitava nada nem ninguém, testando os limites admissíveis da liberdade de expressão numa cruel apologia de uma humanidade despida de tabus e preconceitos, de moralismos e hierarquias. É por isso mesmo perfeitamente absurdo ver, entre outros, os presidentes da Hungria e da Turquia, países onde a liberdade de expressão é uma miragem, desfilarem em Paris sob a bandeira “Je suis Charlie”.

A matança na redação no Charlie Hebdo é uma manifestação de um fanatismo político-religioso, desesperado, ao qual não podemos responder de forma cordata, mas sim com o radicalismo da palavra: reafirmando a essencialidade de podermos pensar e falar livremente. Não podemos aceitar polícias do pensamento e da palavra, sejam eles fundamentalistas religiosos ou fanáticos moralistas. Muçulmanos, judeus ou cristãos.

Responder com um pretenso “bom senso” ao ataque terrorista à liberdade de expressão em França, com afirmações do tipo “há que ter em conta a sensibilidade dos outros e evitar proferir publicamente palavras que chocam as crenças, nomeadamente religiosas”, seria abdicar da nossa responsabilidade e liberdade enquanto seres humanos e cidadãos de sociedades democráticas. Seria a vitória do terrorismo. No fundo, ceder à chantagem.

A Al-Qaeda da Penísula Arábica já reivindicou a autoria do atentado, nomeadamente a escolha do alvo e o financiamento da operação. Segundo um dirigente desta organização, “a operação foi uma grande satisfação para todos os muçulmanos” e constituiu “uma mensagem forte a todos aqueles que se atrevem a meter-se com o que é sagrado para os muçulmanos”, aproveitando para exortar os ocidentais a “pararem com os seus ataques em nome de uma falsa liberdade”.

Este criminoso fanatismo político-religioso, de uma vanguarda iluminada e autoproclamada representante de toda uma comunidade, que responde às caricaturas do Charlie Hebdo com a execução pública dos cartoonistas não pode prevalecer. Temos de continuar a poder dizer — quem o quiser fazer — e a poder ouvir — quem o quiser, também — todas as inconveniências, políticas, religiosas e culturais, sob pena de um dia não podermos dizer nenhuma, nem mesmo aquelas que já não acharmos inconveniências.

Embora a liberdade de expressão, como garantia do livre pensamento, deva incluir o direito à blasfémia, isto é, às injúrias e desrespeito às divindades e às religiões, não é essa a realidade legal em todos os Estados democráticos. Mas seja um direito ou seja um crime, a blasfémia não é seguramente justificação ou atenuante sequer para a morte dos seus autores.

O terrorismo sempre foi uma realidade extremamente minoritária e nunca conseguiu atingir grandes objectivos ou provocar grandes modificações sociais, antes se consumindo em atos que, embora de grande visibilidade e impacto emocional, são isolados e estéreis. Não podemos, pois, aceitar que o medo nos domine, nem que a Europa mergulhe em qualquer sinistra deriva securitária como aquela a que assistimos nos EUA após o 11 de Setembro, com um crescimento exponencial do Estado com graves prejuízos para os direitos individuais.

Haverá, certamente, explicações para aquilo que sucedeu em Paris, para além do indesmentível fanatismo dos seus autores. Como também as haverá para as crianças armadilhadas “explodidas” em mercados da Nigéria. Ou muitos outros atos terroristas. Certo é que não podemos nunca aceitar abdicar da nossa liberdade pela chantagem terrorista daqueles que desprezam a nossa humanidade.

P.S.— Espera-se que o humorista Dieudonné, que escreveu na sua página de Facebook após ter participado na manifestação do dia 11 de Janeiro que se sentia “Charlie Coulibaly”, seja absolvido do crime de apologia de terrorismo por que foi detido a bem da liberdade de expressão."


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