quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Uma análise viciada da situação no BES


Desenvolvida durante cerca de 17 minutos, esta análise do BES por Pedro Silva Pereira, na SIC, estendeu–se ao longo de duas linhas de força, a saber, a intervenção no BES implica dinheiro público e a decisão foi tomada em conjunto entre o governo e o Banco de Portugal.

00:34 07.08.2014


1. O Fundo de Resolução é uma entidade pública e a intervenção no BES foi feita com dinheiro público

Vimos o governador Carlos Costa ladeado por um desconhecido José Ramalho, durante a comunicação do passado domingo ao País, que rapidamente descobrimos que era o presidente do Fundo de Resolução e também vice-governador do Banco. Portanto já tínhamos percebido que o Fundo de Resolução é uma entidade pública liderada pelo Ministério das Finanças e pelo Banco de Portugal.

A banca não quis reforçar as contribuições para o fundo. Optou por fazer também um empréstimo ao Fundo de Resolução, com a mesma taxa de juro que o Estado vai cobrar ao fundo. Se este pertencesse aos bancos, não seria preciso preocuparem-se com tais subtilezas. Segunda confirmação que se trata de uma entidade pública.

Passemos à origem do dinheiro. Se o empréstimo ao fundo é feito com dinheiro entregue pela troika ao Estado, é óbvio que é dinheiro público.

No entanto, se Vítor Bento não conseguir valorizar o Novo Banco de modo que possa ser vendido por 4,9 mil milhões de euros, quem vai arcar com a diferença é a banca a operar em Portugal. Não são os contribuintes. Aliás, no BCP, Nuno Amado já veio alertar que o Novo Banco não deve ser vendido no curto prazo, senão ficará desvalorizado (e vai estragar-lhe os balanços).

Que este banco de transição venha a ser vendido por um valor superior a 4,9 mil milhões, caso em que, depois do empréstimo ser reembolsado ao Estdo e à banca, o remanescente reverteria para o BES, é apenas uma hipótese teórica. Seria um milagre.

2. O Governo está envolvido na intervenção no BES

A litigância judicial iria ocorrer sempre, quer a decisão fosse a resolução do BES ou a sua liquidação. As perdas dos accionistas e dos credores vão ser enormes. Não estamos a falar do desconhecido BPN, mas de um banco com implantação em quatro continentes.
Quem considera sensato falar na liquidação do banco sem se importar com o desastre que tal medida provocaria no débil tecido económico português, só pode ter o maior desprezo pelas dificuldades financeiras dos seus compatriotas.

Analisando o decreto referido por Silva Pereira, vê-se que, nas derradeiras semanas de Julho, o Governo esteve a trabalhar numa ferramenta jurídica que permitisse aplicar medidas de resolução em instituições de crédito em situação grave, transpondo parcialmente uma directiva da União Europeia, de 15 de Maio de 2014, para um diploma com três páginas (negrito meu):

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fevereiro, foram introduzidas alterações substanciais ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira (RGICSF), nomeadamente passando a prever-se, pela primeira vez em Portugal, a possibilidade de o Banco de Portugal aplicar medidas de resolução em instituições sujeitas à sua supervisão.
Com o intuito de clarificar e aperfeiçoar o enquadramento legal aplicável ao regime da resolução de instituições de crédito, o presente diploma incluiu um conjunto de alterações pontuais ao Título VIII do RGICSF, por forma a promover as clarificações e os aperfeiçoamentos necessários e a transpor parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de investimento (Diretiva n.º 2014/59/UE), sem prejuízo da sua completa transposição em momento posterior.
(...)
Os artigos 145.º-B, 145.º-F, 145.º-H, 145.º-I, 153.º-M, 155.º e 211.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 145.º-B
Princípio orientador da aplicação de medidas de resolução
1 — Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
a) Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
2 - [...].
3 - Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução.
(...)
Artigo 145.º-H
Património e financiamento do banco de transição
1 - [...]
2 - Não podem ser transferidas para o banco de transição quaisquer obrigações contraídas pela instituição de crédito originária perante:
a) Os respetivos acionistas, cuja participação no momento da transferência seja igual ou superior a 2% do capital social, as pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores à transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social (...);

Trabalho feito numa situação de emergência nacional, esqueceram-se de definir algumas regras de actuação do Banco de Portugal.
Foram forçados a corrigir a falha, completando o anterior decreto com o DL 114-B/2014 que ocupa uma única página. E que tem a pecularidade de ter sido visto e aprovado em Conselho de Ministros, promulgado pelo presidente da República e referendado pelo vice-primeiro-ministro, tudo... no domingo 3 de Agosto de 2014.

Uma falha logo aproveitada pelo ex-ministro da Presidência e braço direito de José Sócrates para fazer chicana política.

Depois chega à brilhante conclusão de que o Governo, na quinta-feira 31 de Julho, já estava a construir com o Banco de Portugal a operação de resolução do BES.

Pensava eu que produzir legislação para resolver problemas graves do País era o dever de qualquer Governo.
Será que queria que o governo fosse para férias e deixasse o problema arrastar-se durante meses depois de atingir a fase crítica? Como sucedeu com o minúsculo BPN, um buraco que os socialistas deixaram alastrar entre Fevereiro de 2008, data da demissão de Oliveira e Costa, e a nacionalização em Novembro desse ano, protegendo a accionista SLN, que continua a lucrar sob o nome de Galilei, e atirando para cima dos contribuintes prejuízos que já ascendem a 3,4 mil milhões de euros.

No final fica muito chocado por o BES estar cotado em bolsa, nesses dois dias dramáticos em que o País esteve à beira de presenciar a derrocada do seu maior banco privado, e ter havido uma destruição de valor da ordem de 62% (na verdade foi 65%, como qualquer miúdo que tenha feito o exame de Matemática do 2º ciclo com uma boa nota pode confirmar).

E depois? Menos dinheiro vai ser preciso para ressarcir os accionistas institucionais internacionais. Os pequenos accionistas detêm apenas 9,8% do capital do banco, sabia? Afinal os políticos socialistas defendem os portugueses ou os hedge funds internacionais?


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