segunda-feira, 11 de agosto de 2014

BES: accionistas e detentores de obrigações subordinadas em alvoroço


The New York Times avança que os detentores de obrigações subordinadas do Banco Espírito Santo, que o Banco de Portugal deixou no "bad bank", ponderam avançar com acções legais contra os reguladores portugueses.

A dívida subordinada do BES foi emitida em Novembro de 2013 e garantida por uma participação de 20% no capital do banco do maior accionista — o Espírito Santo Finantial Group que pediu protecção de credores, em 24 de Julho, aos tribunais luxemburgueses, pedido já deferido.

Os "hedge funds" que detêm dívida subordinada do BES estão furiosos com a possibilidade de perderem todo o investimento, diz o jornal americano.

Um deles é o Third Point LLC. Este "hedge fund" é liderado por Daniel Loeb, um conhecido investidor que pertence a uma categoria conhecida como "activista". Estes investidores, regra geral, entram no capital das empresas com o objectivo de forçar aquisições, persuadir ao pagamento de dividendos, impor a recompra de acções.

A GLG, a Aurelius, a Golden Tree e a VR Global são outros dos fundos. Entre os investidores que sofreram as perdas mais acentuadas com s obrigações subordinadas do BES estão a EJF Capital e a unidade em Londres do banco de investimento brasileiro BTG Pactual.

Este grupo de investidores já iniciou discussões preliminares com a firma de advogados White & Case, mas The New York Times, citando especialistas do sector, afirma que os processos têm fracas probabilidades de sucesso, devido aos alertas europeus sobre os riscos que enfrentam os investidores em dívida júnior e também à lenta justiça portuguesa.

A situação em Portugal

No País, o ataque aos reguladores partiu de políticos ligados aos dois maiores partidos.

No PS avançaram os socratistas agastados com o afastamento de Ricardo Salgado imposto pelo Banco de Portugal. Deu a cara Pedro Silva Pereira que fez uma análise da situação no BES na SIC.


No PSD, a velha guarda comandada pelo antigo grão-mestre da maçonaria Luis Nandin de Carvalho criou uma Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM) com o objectivo de que os pequenos accionistas sejam indemnizados pela compra de acções do BES.

Esta associação lançou na sexta-feira uma petição (com alguns erros ortográficos, diga-se de passagem) para a Assembleia da República em que vem exigir uma indemnização a pagar pelo Estado aos accionistas com uma carteira de acções do BES inferior a 137.500 euros, ao preço de 65 cêntimos por acção subscrita no aumento de capital deste ano e 12 cêntimos por acção adquirida em bolsa:

10º
Em síntese, deveriam ser administrativamente indemnizados no mínimo, os pequenos investidores, pessoas singulares ou colectivas, accionistas, com acções detidas até à data de dia 1 de Agosto (em alternativa, até à data da retoma de cotação das ações do BES após o ultimo aumento de capital) que detivessem um máximo de 137,500 euros em acções do BES, à cotação do valor de 65 cêntimos cada, preço fixado para o último aumento de capital de 2014 e ao valor de 12 cêntimos cada, preço de referência das últimas transacções efectivadas em mercado regulamentado antes da suspensão determinada pela CMVM, nas ações subscritas no último aumento de capital e nas adquiridas no mercado respetivamente, e que não fossem parte de nenhuma das categorias excluídas nos termos do articulado anterior, as quais se devem incluir no teor do art.º 145-B nº 1 da nova redacção do RGICSF alterado pelo Decreto-Lei nº 114-A/2014 de 1 de Agosto.

11º
A indemnização a pagar pelo Estado deveria ser orçamentada para o OE de 2015 e resultar de dotações orçamentais a obter através de:

a) Entrega de títulos de uma emissão de um empréstimo obrigacionista em títulos do tesouro, de serie especial, e por maturidade e taxa de juro adequada, a suportar em contrapartidas a cargo do dito ex-BES ou, em alternativa,

b) Admissão da entrada dos pequenos accionistas do universo a indemnizar, nos termos da presente petição, na subscrição do capital do NOVO BANCO (Banco veiculo ou Banco de transição), a preço de desconto, aceitando-se como dação/permuta de parte do preço das novas acções, a entrega/conversão das ações do BES ao valor de referência unitário nos termos do artigo 10.º desta petição, ou ainda,

c) Pela obtenção através do Estado junto do BCE — Banco Central Europeu, de um auxílio extraordinário e destinado à indemnização exclusivamente dos pequenos investidores accionistas não categorizados, e acima identificados no universo a indemnizar (...);


A indemnização exigida pelos pequenos accionistas (9,8%), que subscreveram a sua parte das 1.607.033.212 novas acções do aumento de capital, é

1.607.033.212 x 9,8% x 0,65 euros = 102.368.016 euros

Para as acções adquiridas em bolsa, que poderão ascender a mais de 5% do capital do BES porque, tanto o banco Nomura, como a empresa Baros, alienaram as suas acções antes da medida de resolução, a indemnização é

5.624.961.683 x 5% x 0,12 euros = 33.749.770 euros

Portanto, no total, a indemnização exigida pelos pequenos accionistas poderá atingir cerca de 140 milhões de euros. Os peticionários terminam dizendo que a petição visa contribuir para uma solução extrajudicial de uma situação, que a não ter sequência urgente e favorável, irá certamente desaguar no exercício de múltiplas acções judiciais.


*

Claro que é complicado para um pequeno accionista ler todo o prospecto do último aumento de capital do BES, emitido em 20 de Maio passado, com 374 páginas.
No entanto, qualquer pessoa que tenciona subscrever um aumento de capital de uma empresa cotada na bolsa deve ter a cautela de consultar o prospecto e ler, pelo menos, o sumário da operação.

Se os pequenos accionistas do BES tivessem consultado o índice que aparece a seguir ao frontispício do prospecto, tinham-se apercebido que, logo depois do Sumário, surgia um segundo capítulo intitulado Factores de Risco.

Na primeira página do Sumário, o potencial investidor era advertido:

Secção A – Introdução e advertências
O presente Sumário deve ser entendido como uma introdução ao presente Prospeto, não dispensando a leitura integral do mesmo, considerando que a informação nele incluída se encontra resumida e não pretende ser exaustiva.

Mesmo que o investidor lesse apenas o Sumário, era obrigado a passar os olhos pelas 4 páginas da sua Secção D — Riscos para poder chegar à ultima secção, Secção E — Oferta, onde estavam os dados relevantes da operação.

Terminado o Sumário, vinha o tal capítulo intitulado Factores de Risco onde se descreviam 35 páginas de riscos, entre os quais os devidos à Espírito Santo International (ESI), a holding de topo que controlava o maior accionista do BES, a qual apresentava uma situação financeira grave:

2.1.19 A situação financeira da ESI pode afetar a reputação do BES e a cotação das suas ações

A Espirito Santo Internacional, S.A. (ESI) foi objeto de uma revisão limitada de finalidade especial, relativamente às demonstrações financeiras consolidadas pró-forma referentes a 30 de setembro de 2013 e 31 de dezembro de 2013, efetuada por um auditor externo, que apurou irregularidades nas suas contas e concluiu que a sociedade apresenta uma situação financeira grave.

A Comissão de Auditoria do ESFG identificou igualmente irregularidades materialmente relevantes nas contas da ESI.

Embora o BES não seja responsável pela situação financeira da ESI, e a ESFG tenha implementado medidas para salvaguardar eventuais situações de incumprimento por parte da ESI que possam ter impacto no BES, um agravamento da respetiva situação financeira bem como as irregularidades detetadas nas suas contas e as eventuais consequências daí resultantes, podem afetar a reputação do BES e a cotação das suas ações, tendo nomeadamente em conta que alguns dos anteriores membros do conselho de administração da ESI são administradores da ESFG e do BES, e que a ESI detém participação qualificada, ainda que de forma indireta, no capital do BES.


Há outras referências à ESI dispersas pelo prospecto que não referimos porque facilmente passariam despercebidas a quem não saiba extrair informação relevante de documentos com centenas de páginas.

Se 39 páginas de riscos não levam as pessoas a reflectirem no assunto, então não se trata de pequenos investidores da bolsa, mas sim de jogadores de casino que arriscaram e perderam.

Agora resolveram arranjar um bode expiatório e ninguém melhor que quem legalmente tinha de decidir a medida de resolução do BES — o Banco de Portugal — na pessoa do seu governador Carlos Costa. Pelo caminho vão lançando umas farpas a Carlos Tavares presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Uma indemnização de 140 milhões de euros a pagar pelo Estado iria cair, obviamente, em cima das costas dos contribuintes. Não estamos dispostos a pagar. Tenham santa paciência.


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