quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Perturbações criadas pela tragédia do Meco


Passados mais de dois meses sobre as mortes de 6 alunos da universidade Lusófona na praia do Moinho de Baixo, no Meco, já é possível escrever sobre o assunto sem os constrangimentos impostos pelo respeito que o luto das suas famílias merecia.

Parece surreal que sete ou oito alunos universitários arrendem uma casa na povoação de Aiana de Cima, em Sesimbra, para passarem o fim-de-semana de 14 de Dezembro que precedia a última semana de aulas do 1º semestre do actual ano lectivo. Porque se trata de dias de enorme azáfama nas universidades a sério com os alunos a concluírem trabalhos e a estudarem para os últimos testes.

Parece surreal que o objectivo dessas férias prematuras fosse o planeamento de praxes entre diferentes castas de alunos — caloiros, pastranos, doutores e veteranos — numa sociedade que vive em democracia, submetendo-se estes a serem praxados por uma personagem do topo da hierarquia — o dux.

Parece surreal que essas pessoas saíram de casa envergando o traje académico, numa noite fria de Dezembro, para fazerem uma caminhada de 7 km até à praia e realizarem uma praxe na zona de rebentação que terminou em tragédia.

Parece surreal que o Ministério Público do Tribunal de Sesimbra não tenha inquirido o dux João Gouveia quando este saiu do hospital ao fim de um par de horas, nem tenha diligenciado no sentido de recolher os pertences das vítimas.
E que as investigações só tenham avançado, sob pressão dos pais dos falecidos, mais de um mês depois daquela fatídica madrugada de 15 de Dezembro, quando surgiu de imediato um comentário à notícia a criticar a acção do dux, o que apontava para a hipótese deste ser responsável por 6 homicídios por negligência.

Parece surreal que esteja em funcionamento uma universidade que permitiu a criação de uma seita secreta no seu interior cujos elementos usavam nomes de código, faziam pactos de silêncio e realizavam rituais humilhantes e violentos de praxe para subida na hierarquia, amplamente descritos em relatórios elaborados pelos participantes, quer na qualidade de praxantes ou de praxados.


Agora atente, caro leitor, no último diálogo por SMS entre Catarina Soares, uma das vítimas, e o namorado:

21 Fev, 2014, 21:41

E neste conjunto de mensagens trocadas entre Carina Sanchez, outra vítima, e o dux, entre o fim da tarde de sexta-feira e a de sábado daquele funesto fim-de-semana:


27/02/2014 - 21:39


É perturbador perceber que jovens quase licenciados escreviam frases esparvoadas num linguarejar próprio de crianças do primeiro ciclo, como se tivessem cristalizado nessa fase do desenvolvimento mental, revelando valores morais de uma pobreza franciscana, preocupações mesquinhas e uma imaturidade atroz a roçar a perversidade.

Ainda é mais perturbador saber que nesta universidade se licenciaram figuras de proa da política actual como Miguel Relvas.
Também João Pinho de Almeida, nascido em 1976, depois de frequentar a licenciatura em Direito na Universidade Católica entre os 20 e os 26 anos, idade com que foi eleito deputado à Assembleia da República pelo CDS, se licenciou na Lusófona aos 30 anos. Vice-presidente do grupo parlamentar do CDS na actual legislatura, foi empossado como secretário de Estado da Administração Interna no final de 2013.


O segundo vídeo mereceu dois comentários de antologia no Facebook:

Miguel Cruz
Rituais perversos de gente doente. Isto mina a nossa sociedade. Nas universidades, os que deveriam ser as nossas futuras elites, sujeitam-se a estes tratamentos humilhantes e estupidificantes como forma de integração/selecção.
Só adere quem quer? Não é bem assim. As pessoas são coagidas e levadas a acreditar que a adesão a tais rituais lhes abrirão as portas a outras coisas e a recusa os afastará e deixará à margem da vida académica.
Resta saber a que se destina esta selecção. Acesso a grupos restritos que controlam a universidade? Ligações a maçonarias e afins? Só gostava que imaginassem este dux e a sua colega Carina daqui a uns anos, instalados tranquilamente em lugares de poder (seja Estado ou empresas privadas) a manipular gentes e situações, com a mesma perversidade, com a mesma falta de escrúpulos, com a mesma ausência de respeito pela pessoa humana.

Adega do Monte
Peço desculpa, contra mim falo. Criámos uma geração de protegidos. A educadora ralha, os papás vão lá falar. O professor ralha, os pais vão lá falar. Quando crescem são jovens com muito pouca preparação para a vida, mas como é vergonha contar certas coisas aos papás para eles resolverem, têm de pensar pela cabeça deles e fazem tudo errado. Mas a culpa é sempre nossa, que perdemos a noção que educar é deixar cair e levantar desde pequeno, e se eles tivessem esses valores, saberiam dizer NÃO. Peço mais uma vez desculpa aos pais, e contra mim falo pois tenho filhos pequenos. Bem sei que pela boca morre o peixe, mas foi só um desabafo.


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