quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A polémica em torno da colecção Miró


Nos últimos dias os opinantes culturais em o País é fértil têm inundado os jornais e as televisões com artigos e comentários inflamados contra a venda em leilão da colecção Miró pela Parvalorem.

O lote de 85 obras do artista catalão Joan Miró (1893-1983), composto por óleos, guaches, aguarelas, desenhos, colagens e uma escultura, foi adquirido pelo Banco Português de Negócios (BPN), em 2006, por 34 milhões de euros. José Oliveira e Costa, então presidente do BPN, obteve a colecção através de um empréstimo a Alejandro Agag Longo, genro do antigo primeiro-ministro espanhol Jose Maria Aznar, que se tornou incobrável.
Quando o BPN foi nacionalizado em 2008, a colecção passou para a Parvalorem, a empresa pública criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar os créditos do BPN.

Cinco anos estiveram as obras guardadas nos cofres da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa. E, exceptuando as entidades que solicitaram o empréstimo de alguns quadros para figurarem em exposições no estrangeiro, ninguém se lembrou da importância cultural da colecção e veio para a comunicação social defender a sua permanência no País.

Em Setembro de 2012, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) sugeriu à Secretaria de Estado da Cultura a “incorporação em museu público da colecção de 85 obras de Joan Miró ou, em alternativa, a aquisição das melhores obras da referida colecção pelo Estado”.
No início do corrente ano, a DGPC pediu pareceres especializados sobre a guarda da colecção em Portugal aos directores do Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, e do Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém. Ambos foram favoráveis à permanência da colecção em Portugal e estavam dispostos a receber a colecção, com o segundo até interessado em adquirir algumas peças.

Agora que a Parvalorem decidiu a venda em leilão, Gabriela Canavilhas e mais quatro deputados do partido socialista (PS) vieram fazer alarido e esgrimir números para a praça pública. Criticavam a leiloeira porque estimou o valor da venda em 36 milhões de euros, mas a mesma Christie’s teria avaliado a colecção em 81 milhões de euros, em 2007, para a contratualização de um seguro. Canavilhas, enquanto ministra da Cultura do segundo governo Sócrates, nunca mexeu um dedo para expor e rentabilizar a colecção.

Na sequência de uma exposição dos cinco deputados do PS à Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público avançou na segunda-feira com uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para suspender o leilão.
Mas o pedido de decretamento provisório foi indeferido porque se tratava de "um acto de gestão de uma sociedade anónima alheio ao uso de qualquer poder de autoridade pelo que não pode tal acto ser imputado à primeira entidade requerida, o Ministério das Finanças".

Quanto à Secretaria de Estado da Cultura, a segunda entidade requerida na providência cautelar, o tribunal confirmou que não foi cumprido o prazo de pedido de autorização de expedição das obras para Londres: "O despacho da autoria do senhor secretário de Estado da Cultura de 31/01/2014 que declara extintos os procedimentos administrativos de autorização de expedição das obras é manifestamente ilegal, permitindo a concretização da venda das obras na data anunciada, não obstante a ilicitude da sua expedição (...), ilicitude esta que é reconhecida por este membro do governo". No entanto, o leilão em Londres podia realizar-se.



04/02/2014 - 10:32


Como a colecção saiu ilegalmente do País e o assunto fora parar ao tribunal, a leiloeira decidiu suspender o leilão. As obras vão regressar a Portugal e Passos Coelho já reconheceu a borrada. O Ministério Público avançou, ontem, com uma segunda "providência cautelar com vista à suspensão das deliberações e actos referentes à alienação das obras de arte de Miró", que vai correr em paralelo com a providência que entrou segunda-feira no Tribunal.

Agora é a vez dos defensores da permanência da colecção em Portugal lançarem uma campanha de angariação pública de fundos com o objectivo de aquisição dos 85 Mirós e sua inclusão no património artístico nacional.
É que estas santas alminhas ainda não se lembraram que cada milhão de euros que não seja obtido pela Parvalorem é mais um milhão que alguém vai ter de pagar à CGD através de impostos ou de cortes nos salários e nas pensões.

Se cada defensor da cultura contribuir, em média, com 100 euros, são necessários 360.000 militantes para obter os 36 milhões de euros.
Não é fácil. A petição "Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa, contra o Acordo Ortográfico" não recolheu nem metade desse número de assinaturas e era gratuita. Mas seria uma clara prova de coerência entre palavras e actos da elite cultural lusa.


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Catálogo da Christie’s, leilão de 4 de Fevereiro de 2014.
Colecção Miró, p.113 a p.201. Principais obras:

La Fornarina (D’après Raphaël) (La Fornarina (Segundo Raphaël)), 1929. Óleo sobre tela. 146,5 x 114 cm.
2,4 a 3,5 milhões de euros

Peinture (Pintura), 1935. Óleo, têmpera, pincel, caneta e tinta e lápis sobre cartão. 76,5 x 65,5 cm.
2,4 a 3,5 milhões de euros

Peinture (Pintura), 1936. Óleo, alcatrão e caseína sobre masonite. 77,8 x 107,8 cm.
1,2 a 1,8 milhões de euros

Le chant des oiseaux en automne (O canto dos pássaros no Outono), 1937. Óleo sobre celotex. 122 x 91 cm.
1,8 a 3 milhões de euros





Painting (Pintura), 1953. Óleo sobre tela. 56,7 x 499 cm.
3 a 4,1 milhões de euros

Femme et oiseau (Mulher e pássaro), 1959. Óleo sobre tela. 115,5 x 88,2 cm.
1,5 a 2,1 milhões de euros

Écriture sur fond rouge (Escrita sobre fundo vermelho), 1960. Óleo sobre tela. 195 x 130 cm.
1,5 a 2,1 milhões de euros

Femmes et oiseaux (Mulheres e pássaros), 1968. Óleo sobre tela. 245,2 X 124,6 cm.
4,8 a 8,3 milhões de euros

Toile brûlée 3 (Tela queimada 3), 1973. Acrílico sobre tela com buracos queimados. 194,8 x 130,1 cm.
1,5 a 2,1 milhões de euros


Compare, caro leitor, com as melhores colecções mundiais:
  1. Museum of Modern Art (MoMA), Nova Iorque, EUA, colecção Miró (155 peças)
  2. The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, EUA, colecção Miró (31 peças)
  3. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid, Espanha, colecção Miró (177 peças)
  4. Fundació Joan Miró, Barcelona, Espanha, colecção Miró (cerca de 14.000 peças)
  5. National Gallery of Art, Washington, EUA, colecção Miró (105 peças)
  6. Tate, Reino Unido, colecção Miró (14 peças)
No website de cada museu, clicar em Joan Miró para apreciar toda a colecção.
No website da Fundació Joan Miró, clicar no separador Inici. Sugerimos Obres destacades (32 peças).


2 comentários:

  1. Desconheço quem escreveu este artigo. O que não é grave, porque quem o fez também não sabe quem sou. Igualmente não sabia que o BPN detinha tão impressionante colecção. Shame on me. Mas agora que o sei, claro que acho triste que saia do país, onde mesmo dando prejuízo, faz parte do nosso património. Acaso dará lucro a Sé de lisboa? Na sua perspectiva, como estamos em crise e nos sai do bolso, deitariamo a Sé abaixo e faríamos um condomínio de luxo para vender aos chineses dos passes vip? Certamente daria lucro.vivemos tempos difíceis. Mas vão pasar. Espero. E nessa altura, enquanto virmos com prazer as obras deste e de outros artistas, iremos talvez (ou não) pensar na coragem e engenho de quem lutou para não perder estas peças. Em si ninguem vai pensar, porque por mais anos que viva nunca irá compreender o que vale um quadro. Ou nunca escreveria o que escreveu. Não o conheço a si, nem voce a mim. Ainda bem.
    André Azevedo e Silva

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    1. Ainda bem que gostou da colecção Miró da Parvalorem. E se tiver lido o artigo até ao fim, terá tido o ensejo de apreciar as melhores colecções mundiais deste artista catalão.

      Quanto à construção de uma urbanização de luxo no local da Sé de Lisboa, permita-me que lhe diga que seria uma péssima decisão urbanística que iria desvalorizar toda a colina encimada pelo vetusto castelo de S. Jorge. É uma catedral construída entre os séculos XII e XVI, com naves e transepto em estilo românico e um claustro gótico, de valor estético incomparável.

      Gostar de todos os livros, de todas as musicas, de todos os filmes, ... , como diz no seu perfil, não deixa evoluir, o sentido estético é inerente ao ser humano mas tem de ser educado, temos de ser aprender a separar o joio do trigo.
      Há livros de escrita admirável e outros alinhavados por analfabetos funcionais. Há peças musicais que são obras-primas e outras compostas por criaturas que percebem tanto de música como eu de chinês.

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