quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Uma tempestade com ondas de longo período


Anteontem, uma enorme onda galgou os muros da marginal na foz do Douro, no Porto, varrendo duas dezenas de automóveis e derrubando pessoas que aí se encontravam.




06.01.2014 23:33
Foz do Douro, no Porto


Forte ondulação ocorreu em toda a orla costeira portuguesa, do Norte ao Algarve, sendo registadas outras ondas massivas em vídeos amadores.
Bombeiros e Polícia Marítima não tiveram mãos a medir. A Autoridade Nacional de Protecção Civil emitiu na tarde desse dia novo aviso à população para precipitação, vento forte, neve e agitação marítima, nomeadamente para a ondulação de noroeste, que poderia atingir 16 metros na costa da região Norte e Centro e de 14 a 15 metros na região Sul.
Toda a costa de Portugal continental foi posta sob alerta vermelho — o mais grave da escala do Instituto Português e da Atmosfera (IPMA) — devido à agitação marítima.


08 Jan, 2014, 14:09
Leça da Palmeira

07/01/2014 - 15:19


Era a chegada a Portugal da tempestade Hércules que está a provocar um frio glacial nos Estados Unidos e forte agitação marítima na Grã-Bretanha, França e Espanha:



08/01/2014 - 09:28


No entanto, o que confere a estas ondas um potencial altamente destrutivo não é apenas a altura. Na segunda-feira, os ondógrafos de Leixões e Sines mediram a passagem de ondas de 13,5 e 15 metros, respectivamente. Nada que não tenha acontecido noutros anos.

Segundo Fernando Veloso Gomes, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e especialista em Hidráulica Costeira, estas ondas têm um período muito mais longo do que noutros temporais de Inverno.
Num temporal “normal” de Inverno, a duração de uma onda ronda os 10 a 12 segundos. Anteontem, algumas tinham períodos superiores a 25 segundos.
Vimos pessoas nos vídeos online a falar em tsnunami e, embora não seja comparável, há aqui um paralelo com as ondas de longos períodos que caracterizam esses fenómenos”, explica o investigador, lembrando que estas avançam costa adentro, não em altura, mas em comprimento, como se viu no Porto ou na Póvoa de Varzim, onde o mar venceu o longo areal e inundou a marginal, cumprindo esta, literalmente, o nome de Avenida dos Banhos.

O tenente Quaresma dos Santos, da Divisão de Oceanografia do Instituto Hidrográfico, concorda com esta fundamentação. O efeito foi potenciado também pelo “empilhamento da massa de água junto à costa”, por força dos ventos de sudoeste dos últimos dias que criaram uma maré meteorológica, fazendo subir o nível do mar de 1 a 1,5 m acima do expectável. Assim explica que as ondas se estendam praia acima e sejam capazes de galgar quebra-mares e outras estruturas, como os muros nas marginais, com os efeitos visíveis um pouco por toda a orla costeira do país.

Contudo estes especialistas alertam que tempestades como esta sempre existiram, embora com uma periodicidade média larga. O que nos impressiona são os estragos cada vez maiores que causam.
Mas isso, notam ambos, resulta da ocupação de cada vez mais espaço junto ao mar com estruturas de lazer e restauração que acabam por ser muito danificadas ou destruídas por estes temporais.

No caso dos bares e restaurantes, Veloso Gomes é peremptório: “Se os queremos lá, que as vistas são bonitas, que estejam — desde que não seja o contribuinte a pagar a sua reposição”.
O professor da Universidade do Porto acrescenta que não se podem pôr fitas a impedir o acesso das pessoas a todo o lado onde haja risco, mas acentua a necessidade de as educar para o risco que o mar representa: “Felizmente, não tivemos mortos”, ao contrário do que aconteceu na Galiza (três vítimas) e em França (uma).

As pessoas têm de ter a noção que estamos numa costa atlântica, que pode ser muito energética”, corrobora o especialista do Instituto Hidrográfico, procurando também educar a população.


Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, calcula que a massa de uma destas ondas, com apenas 8 m de altura, atinge 80 000 toneladas:

"A razão do potencial destruidor das ondas deste último temporal é o facto, pouco habitual, de terem sido ondas de longo período, na ordem dos 20 s (atípico), correspondendo a um comprimento de onda de cerca de 600 m. Estas ondas são ondas de fortíssima energia que atingem a costa a uma velocidade de 30 m/s. Feitas as contas, para uma altura de 8 m, estas ondas correspondiam a uma massa de água de cerca de 80 000 m³ numa extensão de 100 m de onda. Uma autêntica parede de água demolidora. Devido à sua forte energia, e ao facto de as praias terem no inverno uma configuração dissipativa, estas ondas têm um longo espraio, sobre-elevando (ou empolando) a superfície do mar (apenas localmente junto à costa), com grande alcance de galgamento.
Ao contrário do que o IH diz, não houve sobre-elevação meteorológica. O Marégrafo de Cascais registou sobre-elevações muito baixas da ordem de apenas alguns cm, pelo simples facto de não termos tido uma depressão barométrica (ao contrário de outras tempestades). Se isso tivesse acontecido em conjugação (acompanhado de uma depressão), os impactos e estragos seriam muito maiores.
Um outro facto, que terá confundido os que afirmaram ter havido uma sobre-elevação, é o de ter acontecido em marés ainda vivas com 3,5 m de altura.
"

E prevê:

"Já esta nova tempestade no Atlântico Norte, prevista para a próxima semana (dia 13) terá um impacto menor que a desta semana, pois estas ondas virão com períodos menores, os típicos 14-15 s. (...) Outra razão, para o menor impacto, é chegar num dia de marés intermédias, 3,2 m de altura em PM (preia-mar) e a altura das ondas também será ligeiramente menor.
Também não haverá sobre-elevação meteorológica, pois a PA
(pressão atmosférica) estará nos 1020 hPa.
Com períodos de 14 s, terão comprimentos de onda de 300 m e uma velocidade de 22 m/s, correspondendo a metade do volume de água, comparativamente às ondas do passado de dia 7. Ou seja, estas ondas terão metade da energia potencial e menos 1/3 da velocidade das ondas de dia 7.
Contudo há que ter muita atenção e cuidado junto das praias, pois, como estas perderam grandes quantidades de areia, haverá menos resistência à rebentação e ao espraio das ondas, prevendo-se naturalmente algum galgamento e destruição das estruturas mais expostas.
"


Propagação das ondas (a azul) em águas profundas. A animação demora 3 períodos e mede 1 comprimento de onda.
A trajectória de seis das partículas de água (a azul claro) mostra que há transporte de matéria. A velocidade de propagação das ondas é muito maior que a velocidade do fluxo de partículas de água.


Uma onda é uma perturbação que viaja através da matéria, ou do espaço, com transferência de energia. As ondas transferem energia de um ponto para outro, muitas vezes sem deslocamento permanente das partículas do meio, ou seja, muitas vezes não há transporte de massa.

A expressão matemática da propagação das ondas — função de onda — é

ψ(x,t) = a sen (2
π x/λ - 2π t/T)

onde
____________________
ψ = função de onda
x = espaço
t = tempo


________________________
a = amplitude (metade da altura da onda)
λ = comprimento da onda
T = período da onda (tempo ao fim do qual o fenómeno se repete)

Portanto, no caso das ondas desta tempestade

ψ(x,t) = 4 sen (2
π x/600 - 2π t/20)

Infelizmente muitos docentes de Matemática e de Física dos ensinos básico e secundário têm esquecido a função de transmitir estes conhecimentos aos seus alunos e aos encarregados de educação: é preciso voltar a ensinar.



A Storm is Coming, Miguel Oliveira, Porto, Portugal


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