quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Os homens do aço


Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) foram fundados em Junho de 1944, por um grupo de técnicos e operários especializados oriundos dos Estaleiros Navais do Porto de Lisboa, encabeçados por Américo Rodrigues, seu mestre geral.

Ainda há gente, entre os trabalhadores dos ENVC, com o valor profissional dos fundadores. Vamos falar de dois no meio de 609. Hermenegildo Silva e Jorge Miranda são cortadores de aço.

Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) chegaram a empregar várias dezenas de homens nesta área. Hoje restam apenas Hermenegildo Silva, o mais antigo cortador de aço ainda em funções nos estaleiros, Jorge Miranda e três ajudantes. Os outros aposentaram-se ou faleceram.

Num estaleiro, um grande navio não se constrói sem corte de aço. Hermenegildo e Jorge trabalham no “berço”.
A última vez que trabalharam no corte do aço foi para construir os dois navios de patrulha oceânica encomendados pela Marinha. A última destas embarcações foi entregue à Marinha no passado dia 16 de Dezembro, em Viana do Castelo.
Ainda fizeram algumas reparações com trabalho de aço, como a do Gil Eannes, o velho navio-hospital construído pelos próprios estaleiros em 1955, mas as duas máquinas de corte há muito que estão paradas.

São máquinas que valem no mercado cerca de um milhão de euros. A última a ser adquirida está funcional mas a outra, mais antiga, precisava de reparação:
A máquina de corte de plasma submerso não está muito funcional porque, além de corte, ela escreve na chapa. A impressora já não escreve porque está avariada. O software é caro e o estaleiro não quis investir. Também era preciso substituir peças. Como não são substituídas, a máquina avaria com mais frequência”, explica Hermenegildo.

Dos seus 46 anos de vida, Hermenegildo trabalhou trinta e um nos ENVC. Foi toda uma vida profissional. Jorge trabalhou lá metade dos seus 36 anos. Temem que a extinção da empresa mate a arte que o resto do país já perdeu e que o saber não chegue à geração seguinte.

Hermenegildo foi maçariqueiro, depois operador de máquinas pantógrafos, equipamento que reproduzia o molde da embarcação no aço e chegou a operador de máquinas de controle computorizado. O nome da função foi mudando à medida que a tecnologia evoluiu e permitiu aos ENVC manterem-se anos na vanguarda da construção de navios.
Ainda se recorda de ter cortado navios com um maçarico. Um trabalho minucioso, rigoroso, de mestre-alfaiate: “Faziam-se moldes de madeira que se colocavam em cima da chapa. Depois riscava-se à volta do molde e a seguir, com maçaricos, fazia-se o corte da chapa. Eram indivíduos muito bons a fazer esse trabalho. Tinham uma mão certa que não tremia”.
Depois vieram as máquinas que reproduziam o molde feito pelos desenhadores e através de fotocélulas “passavam por cima do risco e cortavam o aço”.
Nos últimos anos, tudo passou a ser informatizado: “O próprio sistema de corte é totalmente diferente. Com a máquina de corte de plasma submerso, as chapas são colocadas debaixo de água e o plasma, um sistema de corte de descarga eléctrica, de ozono e água, faz o trabalho muito mais rápido, limpo e sem barulho”.
O equipamento mais evoluído é mesmo o corte a laser, mas isso é tecnologia muito cara”, explica.

Ensinou o ofício a muitos colegas. Jorge foi um deles. Entrou na empresa, em 1995, como soldador mas decidiu apostar no corte: “Pensei que podia ser uma coisa para o futuro. Na soldadura há muita gente no país e fora do país, mas para o corte há muito pouca gente”.

Hermenegildo recorda, na segunda metade da década de 70 e nos anos 80, algumas grandes séries produzidas para a ex-URSS. Também guarda na memória o trabalho que deu o “Aurora”, a construção número 206 encomendada pelos EUA. Entregue em 2000, a embarcação de transporte de produtos químicos foi um desafio na época: “Era monstruoso e isso ficou-me gravado”.
Mais recentemente, os dois navios de patrulha oceânica construídos para a Marinha portuguesa colocaram toda a empresa à prova pela complexidade. Jorge explica: “São projectos muito exigentes mas nós estamos feitos para construir navios, sejam difíceis ou fáceis. Adaptamo-nos bem a novos desafios. Só quero que nos deixem criar navios que é uma coisa que não nos estão a deixar fazer”.

Em Janeiro, a West Sea, a nova empresa criada pelo grupo Martifer, vencedor do concurso da subconcessão dos terrenos, infra-estruturas e equipamentos dos ENVC, deverá assumir a subconcessão dos estaleiros. Promete recrutar 400 dos actuais 609 trabalhadores, mas tudo dependerá da carteira de encomendas.

Hermenegildo e Jorge interrogam-se se irão integrar os quadros do novo dono dos estaleiros.
Sou novo para a reforma e velho para arranjar emprego. Não sei se a nova empresa [a West Sea] está interessada em mim. Não sei se já tem trabalhadores qualificados nesta área. E depois é preciso ver se as condições são aceitáveis”, afirma Hermenegildo.
Jorge já pensou nos estaleiros da Galiza, mas não sabe se lá terá uma oportunidade: “Não sei se eles têm este tipo de máquinas de corte. Nesta altura não sei o que irei fazer, está tudo muito confuso”.

A construção naval galega vai de vento em popa. A uma centena de quilómetros de Viana do Castelo, em Vigo, os estaleiros de Barreras, com participação pública e privada, têm carteira de encomendas garantida para os próximos anos no valor de 300 milhões de euros.
Além dos cinco navios já contratados com a empresa petrolífera mexicana Pemex, há outro contrato, praticamente fechado, para a construção de um hotel flutuante. A procura de encomendas para os estaleiros galegos tem sido uma aposta do governo regional dentro e fora do país.





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