domingo, 6 de outubro de 2013

Uma entrevista demolidora da política à portuguesa


Numa entrevista de José Pacheco Pereira ao Público, o historiador e militante do PSD considera as eleições autárquicas de 2013 as mais interessantes desde o 25 de Abril:


05/10/2013 - 18:33

Assistimos a uma vitória considerável do partido socialista em termos de municípios, assistimos a um crescimento do partido em muitos municípios e a uma perda significativa do PSD. Mas não podemos raciocinar apenas assim porque seria menosprezar o facto de, quer o PS, quer o PSD terem perdido um número muito significativo de votos, os independentes e a CDU tiveram um crescimento significativo absoluto em termos de votos (...) Aliás, até do ponto de vista do significado eleitoral das eleições, a única vitória do PS que tem significado nacional é a de Lisboa, porque em todos os outros casos os resultados do PS estão muito longe daquilo que o partido precisava para caminhar para uma maioria absoluta.

O PSD tem dois problemas muito graves que se tornam ainda piores com estas eleições: tem uma direcção política que não tem nada a ver com o programa do partido, com a génese do partido, com a história do partido, com a identidade do partido, isto é uma coisa que pode ser discutida à parte. E depois tem um aparelho que aqui levou um verdadeiro murro no estômago que é muito preocupante para o estado actual do PSD.
Muitas vezes as pessoas não compreendem até que ponto no PSD, e em parte também no PS, o fenómeno da partidocracia se estabeleceu, tornando o partido muito difícil de mudar interiormente. E estas eleições atingem bastiões onde estão, literalmente, centenas de militantes do PSD empregados porque, quando analisamos a partidocracia, estamos a falar em carreiras e empregos.




06/10/2013 - 08:14

Compreendo a distinção entre as dissidências e as independências, mas é um fenómeno que vai acabar por ser comum, ou seja, as candidaturas dissidentes vão ganhar uma lógica própria e vão afastar-se do modelo inicial. O que vai acontecer é que cada vez há maior pressão para que independentes tenham um papel activo na vida pública. E o problema é saber até que ponto, na medida em que os partidos não se reformam por dentro, tem que se encontrar mecanismos de pressão por fora. Mais do que meditar sobre os independentes nas autárquicas, temos de começar a pensar nos independentes nas legislativas, o que implica mudar a lei eleitoral. (...)
O primeiro-ministro fez uma declaração completamente falsa na noite das eleições, dizendo que muitos candidatos do PSD tinham sido penalizados por não terem candidaturas populistas. Acho que não leu os cartazes nem de Lisboa, nem do Porto. Não viu as propostas de manuais escolares gratuitos para toda a gente, não viu os túneis em Lisboa, não viu as pontes nem os túneis do Porto. Aliás essa disfunção de linguagem compreendo bem porque o peso da ideologia não é grande, é maior o peso do oportunismo pragmático. A direcção aceitou patrocinar candidatos que fizeram campanhas parecidas com aquilo que criticam no esbanjamento de Sócrates.

A declaração de Portas é ridícula, como é ridículo a quantidade de jornais que o puseram entre os vencedores das autárquicas. Com Portas há muitas vezes o benefício do infractor. A declaração de Portas com o “penta” é profundamente desleal em relação ao PSD porque a maioria daquelas vitórias foram contra o PSD, bom, concorreram separados, mas a verdade é que também concorreram coligados, portanto, pelo menos, um certo tónus de moderação era esperável. E depois não há uma palavra sobre as coligações em que a direcção do CDS se envolveu, como Lisboa por exemplo, e a tentativa de apropriação da vitória de Rui Moreira no Porto.
Portanto, neste momento, a falta de vergonha de Paulo Portas é uma coisa que devia ser afrontosa para as pessoas. Mas a verdade é que ele, pelas suas amizades na comunicação social
[a quem divulga informações confidenciais], consegue passar pelos pingos da chuva. Aquela declaração da noite eleitoral é patética! Se me pedirem para comparar a declaração de Passos Coelho e a de Portas, a de Passos Coelho é de uma honestidade impressionante em relação ao “penta” de Portas.



06/10/2013 - 17:38

Eu sou do Porto, a minha terra tem um etos muito especial e foi isso que permitiu a vitória eleitoral de Rio Rio ou o reforço eleitoral de Rui Rio. Esse etos é uma certa tradição não jacobina do valor do trabalho. É uma cidade em que o liberalismo não chegou de França, veio do tecido económico e social, veio do pequeno comércio, veio também da influência inglesa, criou instituições na cidade, como clubes, o Ateneu. Era uma cidade de grandes fábricas — indústria têxtil —, era uma cidade onde na 1ª República havia um peso do partido socialista que não existia em Lisboa, onde os anarco-sindicalistas se evidenciavam. Um etos que, de alguma maneira, Rui Rio encarnou contra o período final de esbanjamento do PS com o Porto Capital da Cultura. E Rui Moreira vem nessa tradição e, desse ponto de vista, não é alheio as qualidades da cidade ao que aconteceu.

No entanto, a candidatura de Rui Moreira é a verdadeira candidatura social-democrata do Porto, no sentido que é uma candidatura que remete para valores de moderação, para valores do trabalho, para valores da contenção em períodos difíceis, para alguns valores de justiça e de equilíbrio social. Luís Filipe Menezes foi dar os porcos aos bairros sociais, mas as pessoas dos bairros sociais votaram no Rui Moreira. Há uma manha tradicional nos portugueses e nos portuenses que é bem justa, comeram o porco mas depois votaram no outro.
Rui Rio tinha feito um trabalho importante nos bairros sociais e, desse ponto de vista, a candidatura de Rui Moreira é muito importante e deve ser um exemplo para o partido social-democrata a nível nacional: como é possível neste contexto, sem fazer promessas demagógicas, com uma linguagem moderada, sem grandes populismos, ter ganho uma importante câmara contra tudo e contra todos e criar mais uma situação extremamente favorável a entendimentos com o PS.

(...)
"Não auguro nada de bom para o PSD, nem a nível nacional, nem a nível interno. Os partidos políticos não têm nenhum acordo com a eternidade. Quando se analisa os sistemas políticos, às vezes há partidos que perdem o seu papel. Se o partido social-democrata perder este papel que é complementado pela sua história concreta, perder o papel do partido com capacidade reformista e se transformar no partido dos grandes interesses financeiros e dos grandes lóbis, dos escritórios de advogados, das consultoras, das empresas de marketing e do seu próprio aparelho, o seu papel na vida política portuguesa é definhar. E deixa um enorme vazio.
(...)
O único futuro que pode salvar os dois grandes partidos em Portugal é um futuro que envolva o Rui Rio e o António Costa que são pessoas que se entendem, que se respeitam, com os quais é muito mais fácil obter os entendimentos que o presidente da República deseja e a sociedade deseja. Se houvesse eleições directas do conjunto dos portugueses, não tenho dúvidas que uma solução deste género resultaria para bem de todos nós."


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