domingo, 25 de agosto de 2013

Morreu o economista António Borges



António Borges no Centro Champalimaud, em Lisboa, de que foi administrador. Este centro faz investigação nas áreas das neurociências e do cancro.


António Borges nasceu no Porto, em 18 de Novembro de 1949, numa família com ancestrais que abraçaram a causa liberal e, por isso, foram agraciados com pequenos títulos nobiliárquicos após as lutas liberais e que era proprietária de uma herdade no concelho alentejano de Alter do Chão.

Terminou a licenciatura em Economia e Finanças, em 1972, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, actual ISEG da Universidade de Lisboa.

Começou por ser assistente do professor Alfredo de Sousa naquele instituto e depois passou para o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Com as universidades transformadas pelo 25 de Abril em centros de activismo e contestação, este professor estimula-o a prosseguir os estudos no estrangeiro. Em 1975, é aceite no programa de doutoramento da Universidade de Stanford e vai viver para a Califórnia, Estados Unidos, obtendo o grau de Doutor em Economia em 1980.

Nesse ano recebe uma proposta para ser professor de Economia no Institut Européen de l'Administration des Affaires (INSEAD), Fontainebleau, França, uma das melhores escolas de gestão fora dos Estados Unidos. Em 1985 torna-se Director do Programa MBA do INSEAD e, três anos mais tarde, uma reportagem sobre as melhores escolas de MBA da Europa na revista Fortune dá-lhe projecção internacional.

A proximidade de Portugal, que nunca visitara enquanto viveu nos Estados Unidos, leva-o a retomar contactos no meio universitário português e começa a vir a Lisboa uma vez por mês dar aulas na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, sendo descrito pelos alunos como um professor excepcional tanto no domínio científico como pedagógico que conseguia tornar simples assuntos de grande complexidade.
Por outro lado, por morte do pai, em 1988, e da mãe, em 1990, os irmãos entregam-lhe a gestão da herdade da família em Alter do Chão e, tendo de se debruçar sobre entes como trigo, vacas e cavalos, acaba por desenvolver uma paixão pela agricultura e criar uma forte ligação ao País.
Em 1990 aceita o cargo de vice-governador do Banco de Portugal e regressa com a família. No entanto, um conflito com Braga de Macedo, então ministro das Finanças de Cavaco Silva, leva-o a bater com a porta no Banco de Portugal, em 1993.

Retorna ao INSEAD para cumprir dois mandatos de reitor, entre 1993 e 2000, durante os quais procede à internacionalização desta escola de negócios, lançando o campus de Singapura, na Ásia, e eleva-a ao nível das escolas de negócios de Harvard e Stanford.

Inicia, então, uma carreira na área financeira como um dos vice-presidentes da Goldman Sachs International, em Londres, de 2000 a 2008.
Em 2003 por afirmar numa entrevista, "Se olharmos para o BCP, que tem uma belíssima rentabilidade na sua actividade normal, apercebemo-nos de que tem um problema de capital, porque consumiu muito, numa política de expansão e, depois, viu-se obrigado a fazer marcha-atrás", entra em conflito com o presidente do banco Jardim Gonçalves que retalia, recusando os serviços da Goldman. O facto de que o BCP teve de recorrer a verbas da troika recentemente veio, porém, provar que estava mesmo descapitalizado.

Entretanto ocorreu o congresso do PSD de 2005 e Borges, militante deste partido desde a sua fundação, é tentado a apresentar uma moção de estratégia.
"Quando foi discursar, parecia um líder político norte-americano, óptimo ar, bom aspecto e muitíssimo bem preparado, era mesmo o melhor de todos os que ali estavam. Fez um discurso excelente, sobre a sociedade portuguesa, a economia, a ética, mas faltou-lhe a componente emocional e não gerou adesão. A assistência não procurava um líder científica e intelectualmente brilhante, esperava por alguém com uma ideia de força, com empatia com a multidão", recorda um delegado, e sem o apoio das concelhias não se ganham congressos. Álvaro Barreto conclui: "Ele não é um político. Não se pode faltar à verdade, mas, muitas vezes, não se deve dizer a verdade toda".
Borges não é, realmente, um político. É um economista que, em 2006, afirma: "A situação económica do país é desastrosa e tenho sérias dúvidas sobre a competência de alguns membros do Governo. Os encargos com as PPP e o excesso de dívida do país vão rebentar em 2013, 2014". Manuel Pinho, ministro da Economia de José Sócrates, exige imediatamente um pedido de desculpas público e, na ausência deste, cancela todos os contratos do governo com a Goldman. Mas, na verdade, os maiores encargos com as PPP vão começar a pesar sobre os ombros dos contribuintes a partir de 2014.

Numa entrevista de Abril de 2008, António Borges deu esta resposta espantosa a uma pergunta sobre direitos adquiridos:

"Silva Lopes dizia há algumas semanas que Portugal é uma sociedade de direitos adquiridos e que foi por isso que se fez a Revolução Francesa. Mas a questão dos direitos adquiridos é também corporativa e, nesse sentido, não parte do Governo.
Não acho. Os nossos políticos têm apresentado muito habilmente este problema dos direitos adquiridos como sendo um problema dos sindicatos, dos trabalhadores, dos professores. Mas o problema principal dos direitos adquiridos é dos patrões. Aí é que estão os direitos adquiridos.
"

No final de 2008, porém, a crise financeira internacional obrigou a Goldman Sachs a reportar perdas líquidas de mais de 4,5 mil milhões de euros com os seus investimentos e António Borges a reconhecer: "O capitalismo tem sempre um desafio ético, que, se não for assegurado, se torna num sistema selvagem, que ninguém deseja. Como é baseado no interesse de cada um dos participantes, na interacção desses interesses, todos temos uma tentação natural a agir de acordo com os nossos interesses directos, em prejuízo dos restantes". Mas continua a defender: "Não existe alternativa à economia de mercado. Estamos a viver alguns limites, que sempre existiram, o que impõe aos responsáveis maior prudência na forma como olham para as empresas".

Manuela Ferreira Leite é eleita presidente do PSD e Borges aceita ser vice-presidente da Comissão Política Nacional do partido entre 2008 e 2010.

No Verão de 2010, foi-lhe diagnosticado um cancro do pâncreas. Dias antes tinha aceitado o convite do então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, para ser seu número dois em Washington e director do Departamento Europeu do FMI abrangendo a Rússia, a Ucrânia e a Turquia. Borges colocou o lugar à disposição de Strauss-Kahn, mas o socialista francês manteve o convite.
O cancro do pâncreas é um dos mais mortíferos, tendo um prognóstico extremamente mau com uma taxa de sobrevivência ao fim de um ano de 25% e ao fim de cinco anos apenas 6%. Mesmo assim, Borges desempenhou as suas funções no FMI durante um ano, até Novembro de 2011.

Por influência do ministro das Finanças Vítor Gaspar, seu antigo aluno, Passos Coelho convidou António Borges como consultor para as privatizações, as renegociações das parcerias público-privadas e a reestruturação do sector empresarial do Estado e do sector bancário inscritos no memorando de entendimento com a troika. O contrato, assinado em Fevereiro de 2012 entre a Parpública e a empresa ABDL L.da, uma sociedade por quotas entre António Borges e Diogo Lucena, seu amigo desde os tempos na universidade de Stanford, fixa o pagamento à referida sociedade de uma verba mensal de 25 mil euros.
No exercício destas funções, de novo a frontalidade de António Borges provocou hostilidades, sobretudo da parte dos trabalhadores de empresas do sector empresarial do Estado, como a RTP, que criticaram o montante dos seus honorários, apesar de alguns apresentadores da estação televisiva receberem salários bem superiores e não terem a mínima relevância a nível internacional.
Contudo Borges chocou a opinião pública em Setembro do ano passado quando defendeu a descida da taxa social única (TSU) para as empresas, compensada por um aumento da dita taxa para os trabalhadores, ou seja, pela redução salarial dos trabalhadores.

Integrou as administrações de várias empresas como o Citibank Portugal, Petrogal, Vista Alegre, BNP Paribas. a Sonae e, por último, a Jerónimo Martins, ao serviço de quem esteve, em Março, na Colômbia a auxiliar o arranque dos negócios do grupo Soares dos Santos naquele país.

Há algumas semanas partiu para Singapura, onde continua a funcionar o pólo que aí criou quando era reitor do INSEAD. 

De regresso, manteve as reuniões agendadas, continuou a responder aos e-mails e seguia acreditando na capacidade da economia portuguesa para responder ao choque. Na quinta-feira foi internado no hospital da Cruz Vermelha onde faleceu hoje de madrugada aos 63 anos.


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