sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Crisântemos para Li Wenliang


Tinha 33 anos, era casado, com um filho de 5 anos, e estava à espera de outro. Trabalhava como médico oftalmologista no Hospital Central de Wuhan, na província de Hubei, China.

Em 30 de Dezembro de 2019, viu um relatório de um paciente com resultado positivo de alto nível de confiança para os testes de coronavírus SARS, um tipo de vírus agressivo.
À tarde, alertou o grupo privado do WeChat dos colegas da sua escola médica de que "havia 7 casos confirmados de SARS no mercado de Huanan", tendo compartilhado o relatório e o resultado da tomografia computadorizada do paciente. Passada uma hora, acrescentou: "Foi confirmado que são infecções por coronavírus, mas o vírus exacto está a ser subtipado".
Pediu aos colegas para prevenirem familiares e amigos. O alerta acabou por envolver um grupo de oito médicos e ganhou dimensão nas redes sociais. A sua identidade foi divulgada.

Imediatamente Li Wenliang foi admoestado pelo supervisor do hospital. Em 3 de Janeiro de 2020, as autoridades policiais de Wuhan interrogaram e censuraram o médico por "fazer comentários falsos na Internet", obrigaram-no a assinar uma carta de advertência prometendo não voltar a fazê-lo e avisaram-no que, se não cumprisse, seria processado. Na China, a divulgação de boatos é punida com pena de prisão de três anos.


李文亮的训诫书.png
Carta emitida por 武汉市公安局武昌分局中南路街派出所
Foto por 李文亮醫生 - 新冠肺炎“吹哨人”李文亮:真相最重要
(in zh-hans) 财新网. 财新传媒 (2020-02-07).
Recuperada em 2020-02-07. "李文亮的训诫书。第二个落款时间2019年应为2020年,李文亮称此系笔误。受访者提供", Domínio público, ver aqui.
A carta de advertência emitida pelo Departamento de Polícia de Wuhan ordenando-lhe que parasse de "espalhar boatos" sobre o SARS, assinada pelo médico e dois polícias. Em 31 de Janeiro, Li fez o upload para sua conta Sina Weibo que, na China, corresponde ao Twitter. A Wikipedia mostra a tradução em inglês que nos esclarece sobre a mentalidade da polícia chinesa.



Em 8 de Janeiro, teve de examinar um paciente que sofria de glaucoma agudo e desenvolveu febre no dia seguinte. Era um lojista do mercado de peixe e animais selvagens de Huanan que tinha uma alta carga de vírus. O médico começou com febre e tosse em 10 de Janeiro. No dia 12 foi internado nos cuidados intensivos, onde iniciou a quarentena, sendo realizados sucessivos testes para o coronavírus até que resultou positivo em 30 de Janeiro.

Em 31 de Janeiro, o médico publicou uma mensagem sobre a sua experiência com as autoridades que se tornou viral. Além de fazer o upload da carta de advertência, escreveu no Weibo: "Estava febril em 11 de Janeiro e fui hospitalizado no dia seguinte. Nessa altura, o governo ainda insistia que não havia transmissão humano para humano e disse que ninguém da equipe médica tinha sido infectado. Fiquei confuso.”
A China só tinha reconhecido a gravidade do surto epidémico em 20 de Janeiro e subsequentemente implementado o encerramento de Wuhan que tem 11 milhões de habitantes e é a capital da província de Hubei.
As pessoas começaram a questionar por que motivo todos os médicos que deram o primeiro alerta foram silenciados pelas autoridades.

No final da tarde de 6 de Fevereiro o médico teve uma paragem cardíaca. Vários jornais estatais chineses (Diário Popular, Global Times e Notícias de Pequim) noticiaram que os batimentos cardíacos de Li Wenliang tinham parado às 21:30.

"Lamentamos muito a perda de qualquer trabalhador da linha de frente comprometido em cuidar de doentes [...] devemos celebrar a sua vida e lamentar a morte com os seus colegas", disse (video 11:16-12:10) Michael Ryan, director do programa de emergências em saúde da Organização Mundial da Saúde (WHO), ainda no dia 6.


Nas duas horas posteriores ao anúncio da morte de Li Wenliang pelos jornais oficiais chineses, muitos posts relativos ao acontecimento foram eliminados na Internet.

Pelas 00:38 de 7 de Fevereiro, o Hospital Central Wuhan divulgou uma declaração na conta oficial no Weibo contradizendo os relatos da sua morte: "No processo de combate ao coronavírus, o oftalmologista do nosso hospital, Li Wenliang, infelizmente foi infectado. Actualmente está em estado crítico e estamos a fazer o possível para resgatá-lo."

A WHO reformulou o tweet:



Após o hospital divulgar que o médico estava a ser tratado com oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), as mensagens dos chineses revelavam esperança. "Esta noite não dormimos, mas Li tem de acordar", era a frase que dominava no Weibo, relata uma jornalista do South Morning Post, de Hong Kong:



No entanto, pelas 03:48, o hospital confirmava o falecimento: "O oftalmologista Li Wenliang do hospital, infelizmente infectado na luta contra a epidemia de pneumonia da nova infecção por coronavírus, faleceu depois de todos os nossos esforços pelas 2:58 de 7 de fevereiro de 2020. Lamentamos profundamente a sua morte.”.

Foi cremado antes que os pais o pudessem ver uma última vez.




A morte do médico desencadeou uma onda de sofrimento e revolta nas redes sociais, que rapidamente se converteu na exigência de liberdade de expressão, prontamente bloqueada pela censura.

Como as autoridades policiais acusaram o médico de ser um "whistleblower" o que, literalmente, significa "soprador de apito", então os cidadãos de Wuhan começaram espontaneamente a organizar actividades como "Eu apitei para Wuhan hoje à noite", em que todos mantiveram as luzes apagadas nas suas casas por cinco minutos e depois tocaram apitos e lançaram purpurinas pelas janelas por mais cinco minutos.




Mas a mais bela homenagem realizada pelos seus concidadãos foi a deposição de crisântemos e outras flores à porta do Hospital Central de Wuhan, onde Li Wenliang trabalhou e morreu:



O memorial à porta do Hospital Central de Wuhan, uma cidade onde a incompetência, a opacidade e o secretismo das autoridades deixaram alastrar o surto epidémico que obriga os 11 milhões de habitantes a andarem pelas ruas com máscara cirúrgica:



O surto epidémico do novo coronavírus já causou mais casos confirmados e mortes que o surto de Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS) ocorrido no Sul da China, entre Novembro de 2002 e Julho de 2003, que causou 8098 casos confirmados e 774 mortes em 17 países. Parece estar a transformar-se numa pandemia.


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"Aqueles que tornam impossível a revolução pacífica,
tornarão inevitável a revolução violenta
.
"

John F. Kennedy, Address on the First Anniversary of the Alliance for Progress,
proferido na Casa Branca, Washington D.C., 13 Março 1962.



JJG
Do you hear the people sing?
R.I.P Doctor Li Wenliang
  • 张佳乐
    永远记得李文亮医生 永远!

    (Zhang Jiale
    Lembre-se o Dr. Li Wenliang para sempre!)

  • 凌滄海
    相信這次疫情結束後
    中共政權會出問題
    讓更多中國人認識自己的國家(真夠諷刺)
    願李文亮醫生的血不要白

    (Ling Canghai
    Eu acredito que depois da epidemia acabar
    Problemas com o regime PCC
    Deixe mais chineses conhecerem o país deles (é irónico)
    Que o sangue do Dr. Li Wenliang não corra em vão)

Kon
When there was a million people on the streets of Hong Kong.
  • verri123
    I don't get it, what's happening in hong kong?

  • Casey Chiu
    verri123 long story short: Basically, under the One Country Two Systems, China is not allowed to f*ck with Hong Kong and must let HK be of high autonomy and democracy. But the government would like to pass an extradition bill, which means people in HK might be extradited to mainland China (which everyone knows, has less transparency and democracy). HK people thinks this violates the One Country Two Systems rule and thus 1.03 millions of citizens took the streets on 9/6. Yet, the government only suspends the bill, but not to revoke it permanently. Citizens especially students are of course furious and thus we protested. The police forces used weapons like tear gas, pepper sprays and bullets against the unarmed protestors (even if they are armed, they only have umbrellas...). This angers the people even more and so we took the streets again on 16/6. This of course is a very brief timeline of what happened. If you wanna know more, you can search related news on the Internet.

    (Casey Chiu
    verri123 resumo da longa história: Basicamente, sob Um País, Dois Sistemas, a China não tem permissão para brincar com Hong Kong e deve deixar HK com autonomia e democracia elevadas. Mas o governo gostaria de aprovar uma lei de extradição, o que significa que as pessoas em Hong Kong podem ser extraditadas para a China continental (que todos sabem, tem menos transparência e democracia). O povo de Hong Kong acha que isso viola a regra Um País, Dois Sistemas e, portanto, 1,03 milhões de cidadãos saíram às ruas em 9/6. No entanto, o governo apenas suspende a lei, mas não a revoga permanentemente. Os cidadãos, especialmente os estudantes, ficam furiosos e, portanto, protestámos. As forças policiais usavam armas como gás lacrimogéneo, spray de pimenta e balas contra os manifestantes desarmados (mesmo que estejam armados, só têm guarda-chuvas...). Isso irrita ainda mais o povo e, por isso, voltámos às ruas em 16/6. É claro que este é um cronograma muito breve do que aconteceu. Se quiser saber mais, pode pesquisar notícias relacionadas na Internet.)


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