sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Esmagadora vitória de Donald Trump nas presidenciais dos EUA


Este artigo de opinião foi publicado no Washington Post por uma jornalista que não se revê em todas as propostas políticas de Donald Trump mas detesta a hipocrisia política de Hillary Clinton e a sua tibieza face ao apoio financeiro proporcionado pela Arábia Saudita e pelo Qatar ao terrorismo islâmico que está a provocar carnificinas pelo mundo.
Leitura imprescindível para compreender a vitória de Trump nas presidenciais norte-americanas de 2016:


"Sou mulher, muçulmana e imigrante. Votei em Donald Trump

Asra Q. Nomani 11/11/2016 - 18:28

Esta é a minha confissão e explicação. Sou uma mulher de 51 anos, muçulmana, imigrante e “de cor”. Sou uma das eleitoras silenciosas que votaram em Donald Trump. Não sou “intolerante”, “racista”, “chauvinista” ou “supremacista branca”, como os que votaram em Donald Trump estão a ser apelidados, nem faço parte da “reacção negativa dos brancos”.

No Inverno de 2008, eu era uma liberal de longa data e uma filha orgulhosa da Virgínia Ocidental, um estado que nasceu do lado certo da história da escravatura. Mudei-me para o estado conservador da Virgínia apenas porque este estado tinha ajudado a eleger Barack Obama como o primeiro Presidente afro-americano dos Estados Unidos.

Mas durante o último ano mantive a minha preferência eleitoral em segredo: o meu voto iria para Donald Trump. Na terça-feira à noite, momentos antes do fecho das urnas na Escola Primária de Florestville, no maioritariamente democrata Fairfax County, entrei na cabine de votação, com uma caneta entre os dedos, para assinalar a minha escolha para Presidente, preenchendo o círculo ao lado do nome de Donald Trump e do seu candidato a vice-Presidente, Mike Pence.

Após Hillary Clinton telefonar a Donald Trump, concedendo-lhe a vitória, e tornando-o o Presidente eleito dos Estados Unidos, uma amiga minha escreveu um pedido de desculpas ao mundo no Twitter, afirmando que há milhões de norte-americanos que não partilham do “ódio, discórdia e ignorância” de Donald Trump. E terminou assim: “Sinto-me envergonhada pelos milhões que partilham desses sentimentos.”

Provavelmente estaria incluída nesse grupo. Mas não estou, e Hillary Clinton foi derrotada por não abordar as preocupações dos eleitores. Rejeito abertamente o “ódio, discórdia e ignorância”. Apoio a posição do Partido Democrata em relação ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e às alterações climáticas.

No entanto, sou uma mãe solteira que não se pode dar ao luxo de ter um seguro de saúde ao abrigo do Obamacare. O programa de modificação de empréstimo de hipotecas, “HOPE NOW” [esperança já], não me ajudou. Na terça-feira, saí da minha cidade natal, Morgantown na Virgínia Ocidental — onde vejo cidadãos norte-americanos comuns, de meios rurais, como eu, ainda em dificuldades, após oito anos de administração Obama — em direcção à Virgínia.

E por fim, enquanto muçulmana que sentiu, em primeira mão, o extremismo islâmico que há neste mundo, opus-me à decisão do Presidente Barack Obama e do Partido Democrata em andar à volta do “Islão” do Daesh. É claro que a retórica de Donald Trump tem sido muito mais do que indelicada e todos podemos ter diferenças políticas em relação às suas recomendações mas, para mim, esta tem sido exagerada e demonizada pelos governos do Qatar e da Arábia Saudita, pelos seus meios de comunicação, tais como a Al Jazeera, e pelos seus representantes no Ocidente, apresentando uma distracção conveniente da questão que mais me preocupa enquanto ser humano neste planeta: o islamismo extremista que tem feito derramar sangue em corredores do hotel Taj Mahal em Bombaim e na pista de dança da discoteca Pulse em Orlando, na Flórida.

Em Junho, após o trágico tiroteio no Pulse, Trump escreveu uma mensagem no Twitter com o seu estilo característico e subtil: “Será que o Presidente Barack Obama irá finalmente mencionar o terrorismo islâmico radical? Se não o fizer deve imediatamente sair do cargo que ocupa!”

Por volta da mesma altura, no programa New Day da CNN, Hillary Clinton parecia estar em sintonia com Barack Obama, afirmando: “Da minha perspectiva, importa mais o que fazemos do que o que dizemos. E importa que tenhamos capturado Bin Laden, não o nome que lhe demos. Já afirmei explicitamente que não interessa se lhe chamamos jihadismo radical ou islamismo radical, é-me indiferente. Na minha opinião, ambas as expressões têm o mesmo significado.”

Em Outubro, foi um e-mail de 17 de Agosto de 2014, divulgado pela WikiLeaks, que me fez virar as costas a Hillary Clinton. Nesse e-mail, Hillary Clinton dizia ao seu assistente John Podesta: “Temos de usar os nossos activos diplomáticos e mais tradicionais para pressionar os governos do Qatar e da Arábia Saudita, que estão a providenciar apoio financeiro e logístico ilegais ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL),” — o nome politicamente correcto do Estado Islâmico — “e a outros grupos sunitas radicais da região.”

As revelações de contribuições multimilionárias do Qatar e da Arábia Saudita para a Fundação Clinton ditaram o fim do meu apoio a Hillary Clinton. Sim, quero igualdade de remuneração para as mulheres. Não, rejeito a “conversa de balneário” de Donald Trump, a ideia de um “muro” entre os Estados Unidos e o México e um plano para “banir” todos os muçulmanos. Mas tenho confiança de que os Estados Unidos não se convencem com esta hipérbole política — uma política identitária com uma agenda — que demonizou Donald Trump e os seus apoiantes.

Tentei, delicadamente, expressar as minhas opiniões no Twitter mas a “revolução das mulheres de fato” esmagava qualquer discurso ponderado. Quem apoia Donald Trump tem de ser um provinciano. Dias antes das eleições, um jornalista da Índia enviou-me um e-mail a perguntar: “Quais são os seus pensamentos enquanto muçulmana nos Estados Unidos de Donald Trump?”

Respondi que enquanto pessoa que nasceu na Índia, e tendo chegado aos Estados Unidos com 4 anos no Verão de 1969, não tenho qualquer medo sendo muçulmana nos “Estados Unidos de Donald Trump”. A separação e equilíbrio de poderes deste país e o nosso passado rico em justiça social e direitos civis nunca permitirão que a incitação ao medo associada à retórica de Donald Trump se concretize.

O que mais me preocupou foi a minha apreensão sobre a influência de ditaduras teocráticas muçulmanas, incluindo o Qatar e a Arábia Saudita, nos Estados Unidos de Hillary Clinton. Estas ditaduras não representam exemplos notáveis de sociedades progressivas, não conseguindo oferecer direitos humanos e esperança para a cidadania de imigrantes da Índia, refugiados da Síria e dos escravos que vivem nessas ditaduras.

Temos de nos erguer com coragem moral perante o ódio contra os muçulmanos, mas também perante o ódio dos muçulmanos, para que possamos viver com sukhun, ou paz de espírito. E assim terminei a minha reflexão perante o jornalista da Índia. Ele não recebeu o e-mail. Não o reenviei, com medo da indignação que pudesse receber de volta. Mas fui votar.

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post"



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A opinião dos outros:


joao
Abdullah Issa, 11 anos, decapitado pelos "rebeldes" apoiados pelas americanos e aliados
11/11/2016 23:07
Fui tentar perceber quem é esta mulher “inculta” “estúpida” “ignorante” “submissa” “machista”, etc, que votou no Trump. Pois encontrei que é uma mulher com instrução de mais alto nível, com longa carreira jornalística, escritora, activista de longa data de várias causas, activista activa dos direitos das mulheres no mundo muçulmano, e por aí fora, mulher e mãe, ... curriculum avassalador. Curriculum que indicia enorme riqueza cultural, inteligência e valores morais, até fiquei na dúvida se seria ela que tinha votado no traste do Trump. Reverifiquei e parece que é ela mesmo.

Como é que uma mulher tão inteligente, tão instruída, cidadã tão activa, tão ciente da condição feminina e da condição da mulher muçulmana, em particular, como não votou na Clinton? Saliento dois dos seus argumentos. Um argumento é a constatação das guerras e dos crimes e do sofrimento sem fim que a aliança saudita/americana tem trazido às pessoas e ao mundo. Ela refere o conteúdo duns leaks de mails mas esta aliança já existe pelo menos desde 1979 com o envio de terroristas extremistas para o Afeganistão, e espalhou-se desde o Mali às Filipinas, passando pela Síria e Yemen. Pelos vistos essa aliança e os seus crimes causam-lhe repugnância e ela sabe que a Clinton faz parte dessa aliança.

Outro argumento é o incómodo e a saturação que ela sente pelos “jornalistas” gulosos que procuram satisfazer as suas quotas de produção de artigos manhosos, mesquinhos e manipuladores. Generalidade de “jornalistas” que ela sabe que nunca publicariam o que ela respondesse à pergunta “preparada” porque a resposta não corresponderia à narrativa agendada, que omitem os crimes do sistema politicamente correcto instalado e procuram e inventam o que possa beatificar o sistema, que não informam mas são, sim, o principal motor das campanhas partidárias e do sistema. São argumentos de repulsa, mesmo os outros que ela enumera, mais de repulsa pela Clinton e o que ela representa, do que de atracção pelo Trump e o que ele pode (se alguém souber) representar. Penso, é a minha leitura, a triste situação.


4 comentários: