terça-feira, 23 de setembro de 2014

O caso Tecnoforma — 3. O subsídio de reintegração de Passos Coelho


Em 1999, o actual primeiro-ministro requereu o subsídio de reintegração destinado, a partir de 1995, a deputados em dedicação exclusiva. No requerimento não há nenhuma referência ao regime de exercício das funções.

Pedro Passos Coelho foi eleito deputado em 1991 e, de novo, em 1995, tendo preenchido o anexo B do IRS para declarar rendimentos de trabalho independente em 1996, 1997 e 1999, num total de 24 mil euros (4825 contos, na moeda antiga).

Em requerimento dirigido ao presidente da Assembleia da República, o socialista António Almeida Santos, a 27 de Outubro de 1999, Passos Coelho solicitou o subsídio de reintegração.


O requerimento de Passos Coelho a solicitar o subsídio de reintegração


A instâncias dos serviços do parlamento, Passos Coelho veio informar, em Fevereiro de 2000, que desempenhou “as funções de Deputado, durante a VI e VII Legislaturas, em regime de exclusividade”.


Passos Coelho informa que desempenhou as funções de deputado em regime de exclusividade


Meses mais tarde, entregou as cópias das declarações de IRS onde constava que não tinha recebido qualquer outro vencimento fixo entre 4 de Novembro de 1991 e 24 de Outubro de 1999, senão a quantia de 4825 contos. Previamente a Comissão de Ética do Parlamento assegurara a Passos que a sua actividade profissional esporádica — colaborações com órgãos de comunicação social — “não contendia com o regime de exclusividade”.



Parecer dos serviços na íntegra aqui.


Em 31 de Maio de 2000, Almeida Santos aceitou o parecer do seu gabinete de auditoria jurídica e deferiu o pedido de subsídio de reintegração: cerca de 60 mil euros relativos a 15 meses e 167 dias de vencimento. Ou seja, conforme estipulava a lei 26/95, um mês de salário de deputado por cada seis meses de mandato.

A lei anteriormente em vigor — lei 4/85, na época governava o Bloco Central liderado por Mário Soares — concedia a todos os deputados, em exclusividade ou não, o direito ao subsídio de reintegração. A alteração à lei aprovada em 1995, já no tempo do último governo Cavaco Silva, fez com que, a partir daí, tal subsídio ficasse reservado aos deputados em regime de exclusividade. Daí que Passos Coelho tivesse de referir a exclusividade, senão receberia apenas metade daquele montante.

Apesar destes factos poderem ser consultados nos arquivos oficiais, a secretaria-geral do Parlamento de garantiu à Lusa que o actual primeiro-ministro “não teve qualquer regime de exclusividade enquanto exerceu funções de deputado”.

O PÚBLICO tentou, ontem, confirmar estes factos com o secretário-geral do Parlamento, Albino de Azevedo Soares, ex-secretário de Estado de um Governo do PSD, mas tanto Azevedo Soares como os seus dois adjuntos estiveram, ao longo do dia, permanentemente em reunião.
Também o gabinete do primeiro-ministro não esclareceu se Passos Coelho recebeu o subsídio de reintegração, tendo aconselhado este jornal a “contactar os serviços do Parlamento, que estarão certamente capacitados para tratar de assuntos relacionados com deputados e ex-deputados”.
O secretário-geral do Parlamento voltou hoje a invocar a inexistência de uma “declaração de exclusividade”. Está a referir-se a uma declaração assinada sob “compromisso de honra” pelo deputado a dizer que ia cumprir as suas funções em regime de exclusividade, que era entregue nos serviços do Parlamento na abertura da sessão legislativa e permitia receber um suplemento de 10%.

Qual é a importância de Passos Coelho ter estado ou não em exclusividade na Assembleia da República entre 1995 e 1999?
Se não esteve em exclusividade, como disse esta segunda-feira o secretário-geral do Parlamento, então recebeu indevidamente cerca de 30 mil euros correspondentes a metade do subsídio de reintegração que requereu e foi deferido.

Mas se for verdade que Passos Coelho recebeu cerca de 150 mil euros da empresa Tecnoforma, entre 1997 e 1999, para desempenhar as funções de presidente do Centro Português para a Cooperação (CPPC) — uma organização não-governamental criada por aquela empresa para angariar financiamentos internacionais —, então terá incorrido num crime fiscal por não ter declarado tais rendimentos nas suas declarações de IRS. Crime que estará prescrito há vários anos.

Passos Coelho nunca inscreveu no seu registo de interesses da Assembleia da República, como estava obrigado a fazer, o facto de ter presidido ao CPPC desde 1997.
Na declaração de rendimentos que entregou no Tribunal Constitucional em 1995, no início do segundo mandato, não mencionou os rendimentos que tinha obtido no ano anterior como deputado. No final desse mandato, em 1999, não apresentou a declaração de rendimentos a que a lei o obrigava, só voltando a satisfazer essa imposição legal quando assumiu a direcção do PSD em 2010.
"Não tenho presente todas as responsabilidades que desempenhei há 15 anos, 17 e 18. É-me difícil estar a detalhar circunstâncias que não me estão, nesta altura, claras (...) era importante que o próprio Parlamento pudesse esclarecer", pediu o actual primeiro-ministro.

O ex-líder do PSD Marcelo Rebelo de Sousa veio deitar água na fervura, dizendo confiar na palavra do primeiro-ministro: “Eu acredito quando ele diz que não tinha noção que estava a violar a lei.


Actualizado em 25 de Setembro com cópias dos documentos. O processo completo do deputado Pedro Passos Coelho — são 60 páginas — aqui.


*

Não sai bem Passos Coelho desta história da Tecnoforma que gira à volta de um subsídio de reintegração ilegal de 30 mil euros e uma fuga ao fisco sobre alegados rendimentos de 150 mil. No entanto, Passos é proprietário de um apartamento em Massamá e estamos a falar de quantias da ordem de grandeza da centena de milhar de euros.

Enquanto se pavoneia na televisão um José Sócrates que não trabalha, é proprietário de dois apartamentos de luxo em Lisboa, onde vivem a mãe e ele próprio, mantém um apartamento de luxo em Paris, cidade onde levou uma vida faustosa durante dois anos, e há documentos comprovativos de que a mãe, o tio e o primo desviaram centenas de milhões de euros para offshores. E o caso não mereceu a mínima investigação por parte do ministério público, nem sequer uma pesquisa empenhada da comunicação social.

Dois pesos, duas medidas.


Sem comentários:

Enviar um comentário