segunda-feira, 7 de maio de 2012

O cataclismo grego


"A tragédia grega tem sempre 3 actos. Transportando para a realidade do país, os dois resgates foram os dois primeiros actos. No 3.º acto a Grécia torna-se ingovernável e acaba por abandonar o euro. O destino já está selado. É sempre assim nas tragédias gregas. Não podemos mudar o destino."


Muitos dos problemas da Grécia — uma pesada máquina administrativa, um sistema de saúde e de prestações sociais dispendioso, uma elevada evasão fiscal, o emprego público atribuído por compadrio político, as negociatas entre políticos e empresários com prejuízo do Estado, que é o mesmo que dizer, dos contribuintes — são partilhados por Portugal.

Apesar de ter um PIB duplo do português, sustentado sobretudo pelos turistas da Zona Euro, com destaque para os alemães, que procuravam o País atraídos pelo magnífico clima, pela beleza dos milhares de ilhas dos mares Jónico e Egeu e pelo património da antiguidade clássica, décadas de despesa pública superior à receita fizeram crescer desmesuradamente a dívida pública.
O desenlace ocorreu em Maio de 2010 e foi o habitual: quando as taxas de juro dos empréstimos feitos para financiar a dívida se tornaram insuportáveis, o governo socialista do PASOK foi obrigado a pedir ajuda financeira ao FMI/BCE/CE.
Numa economia baseada no consumo, a consequência imediata de haver menos dinheiro é a recessão. E à recessão segue-se a queda do governo. Mesmo com maioria absoluta.

Reflectir sobre o que se está a passar na Grécia, aprender com os erros gregos será sempre menos doloroso do que através dos nossos próprios erros.

Concorreram às eleições legislativas de ontem 32 partidos políticos. Comecemos pelos resultados nacionais divulgados hoje no website do Ministério do Interior da Grécia:


Partidos políticos/totais
__________________________
Nova Democracia
Syriza
PASOK
Gregos Independentes
KKE
Aurora Dourada
Esquerda Democrática
partidos fora do parlamento
__________________________
votantes em partidos
nulos/brancos
__________________________
votantes
abstenção
__________________________
9.949.401 eleitores inscritos


_________











_________
65,10 %
34,90 %
_________
100,00 %


__________
18,41 %







__________
97,64 %
2,36 %
__________
100,00 %





_________
18,85 %
16,78 %
13,18 %
10,60 %
8,48 %
6,97 %
6,11 %
19,03 %
_________
100,00%







deputados
_________
108
52
41
33
26
21
19

_________
300








A Grécia tem uma máquina administrativa colossal: 13 regiões, 1 região autónoma e, apesar de ter uma população idêntica à de Portugal, está retalhada em mais do dobro dos distritos e 325 municípios.
O mapa interactivo, a que se pode aceder no website, permite ver que o partido conservador Nova Democracia foi o mais votado em quase todos os distritos. O Syriza ganhou em dez distritos e o PASOK sofreu uma derrota brutal tendo vencido apenas em quatro distritos.






██ Nova Democracia
██ Syriza
██ PASOK
██ Gregos Independentes
██ KKE
██ Aurora Dourada
██ Esquerda Democrática






Vejamos a transformação do parlamento entre as eleições legislativas de 2009 e as eleições de Maio de 2012:

Parlamento
__________________________________
Nova Democracia (centro direita)
Syriza (esquerda radical)
PASOK (socialistas)
Gregos Independentes (novo, direita)
KKE (comunistas)
Aurora Dourada (neonazi)
Esquerda Democrática (novo)
LAOS (direita radical)
__________________________________
total

2009
_________
33,48 %
4,60 %
43,92 %
-
7,54 %
0,29 %
-
5.63 %
_________
95,46 %

deputados
_________
91
13
160
-
21
0
-
15
_________
300

2012
_________
18,85 %
16,78 %
13,18 %
10,60 %
8,48 %
6,97 %
6,11 %

_________
80,97 %

deputados
_________
108
52
41
33
26
21
19
0
_________
300

variação
________
+17
+39
-119
+33
+5
+21
+19
-15
________



Os únicos partidos que assinaram o memorando — a Nova Democracia e o PASOK —, e que têm alternado no poder desde 1974, foram justamente responsabilizados pela corrupção que criaram e ficam com 149 deputados, aquém da maioria absoluta apesar do bónus de 50 lugares dado ao partido vencedor. Este bónus baseia-se no princípio de que os eleitores votam mais para serem governados do que para serem representados.

Um partido neonazi propõe-se resolver os problemas do País pela expulsão de todos os imigrantes. Vem do zero. Recebe mais de duas dezenas de deputados.

Mas a grande surpresa é o Syriza, um partido da esquerda radical que pretende fazer a quadratura do círculo: apoia a permanência na Zona Euro, mas opõe-se às reformas estruturais do memorando da troika. Exactamente o que os eleitores querem ouvir. É quem mais aumenta o número de lugares no parlamento, passando a ser a segunda força política da Grécia.

Da multiplicidade de partidos nascidos sob o espectro da recessão e das convulsões sociais que se seguiram, e que também recusam a austeridade implícita no memorando, apenas dois conseguem lugares no parlamento nestas eleições antecipadas — os Gregos Independentes e a Esquerda Democrática. Os outros serviram apenas para fragmentar o eleitorado.

Segundo a Constituição, o partido vencedor vai tentar formar Governo. Se o Nova Democracia, o mais votado, não conseguir negociar uma coligação, é a vez do Syriza tentar. Se o segundo partido mais votado também não conseguir, é ainda dada uma oportunidade ao terceiro.

Mesmo que os dois partidos que assinaram o memorando consigam formar governo, este será tão fraco que não poderá sobreviver. À primeira dificuldade as forças políticas em ascensão vão pôr os interesses partidários à frente dos interesses nacionais e apostar em novas eleições que lhes permitam continuar a subir.

Há duas forças antagónicas em crescimento. Uma, de direita, com núcleo no novo partido Gregos Independentes formado à custa da Nova Democracia. Outra, de esquerda, concentrada no Syriza e no também novo Esquerda Democrática, partidos que estão a esvaziar o PASOK.

A segunda tem como táctica fomentar as convulsões sociais. O ambiente é propício.
Estes partidos desenterraram o sentimento anti-alemão criado pela ocupação nazi durante a segunda guerra mundial e exigem que a actual Alemanha continue indefinidamente a dar dinheiro à Grécia como reparação de guerra. Recusam as reformas estruturais com o pretexto de que provocam recessão. Se chegarem ao poder, vão provocar a saída da Grécia do euro.
Com o recrudescimento do nacionalismo argentino e a presidência socialista em França, tanto podem provocar a regeneração do sistema financeiro mundial, como estilhaçar a Zona Euro.

De qualquer modo, os gregos querem ter como moeda o euro mas votaram para sair do euro.


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