"Palácio da Ajuda – 24-06-2012
É preciso começar por recordar a situação de emergência em que o país caiu há um ano e sublinhar que uma tal situação, pela sua gravidade e profundidade, demora tempo a ser vencida exigindo uma definição clara de objectivos e de metas, uma determinação permanente em manter o rumo traçado e a persistência de uma atitude de audácia e de não resignação que dê ambição ao processo de correcção dos desequilíbrios que estiveram na origem dos nossos problemas.
A tarefa mais relevante após a formação do governo, apoiado por uma maioria de mudança, era a de conquistar credibilidade interna e junto dos nossos parceiros externos. Essa credibilidade dependia do nível de comprometimento com o Programa de Assistência e com a nossa vontade de, tão depressa quanto possível, vencer a crise e superar as enormes dificuldades que o processo de ajustamento pressupunha.
Por outro lado, era essencial que, apesar das fortes restrições associadas à correcção do défice orçamental e do défice externos não fossem colocados em causa os direitos fundamentais, nomeadamente em matérias tão importantes como a saúde, a educação e o apoio social. Em particular, pretendia-se não apenas assegurar a realização destes direitos sociais importantes (que a falta de recursos de financiamento faria perigar) mas ainda manter, e se possível melhorar, a qualidade dos serviços prestados numa base de maior equidade e justiça social.
O facto de o governo ser apoiado por uma maioria parlamentar estável e coesa oferecia, e vai continuar a oferecer, uma garantia sólida de que estas orientações poderiam ser prosseguidas sem perda de rumo e sem percalços políticos que fragilizariam as condições de execução do ajustamento económico e a imagem externa do país.
Mas, tão importante como demonstrar esse apoio político estável, era procurar um consenso social o mais alargado possível que tornasse o processo de reformas mais participado e fornecesse um quadro de maior mobilização social que favorecesse a coesão entre os portugueses num tempo de tamanhas adversidades. Fizemo-lo, como é sabido, com a celebração de acordos sociais, quer com os Parceiros no âmbito da Concertação Social, quer com as instituições representantes do sector social, sem esquecer o acordo que celebrámos recentemente com as autarquias.
Os resultados que, ao fim de um ano, alcançámos, como muito bem notou o Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, mostram que, no essencial, o caminho que traçámos tem vindo a ser trilhado com determinação e que os objectivos e as metas a que Portugal se propôs estão a ser atingidos, e, em simultâneo, que as preocupações em salvaguardar as políticas sociais se vêm cumprindo apesar das evidentes dificuldades.
Isto não significa que tudo tenha acontecido como programado ou do modo esperado. Por exemplo, o ajustamento obtido ao nível do nosso défice externo foi, apenas ao fim de um ano, bastante melhor do que foi antecipado. Do mesmo modo, a quebra do nível de actividade económica também foi menos negativa do que havia sido previsto quer para o ano de 2011, quer para as perspectivas que se têm vindo a revelar para o ano em curso. Em contrapartida, o nível de desemprego registado foi infelizmente superior às estimativas realizadas, o que já conduziu a uma revisão em alta das previsões. Em simultâneo, e muito associado a este fenómeno, os encargos públicos com esta situação têm vindo a crescer mais do que contávamos. E se, por um lado, é bom que assim seja, dado que isto significa que as pessoas não ficam sem protecção ao receberem subsídios de desemprego, por outro lado os riscos orçamentais crescem mais do que gostaríamos que acontecesse. O mesmo se tem verificado, sabemo-lo agora com mais objectividade, com a receita fiscal relacionada com os impostos indirectos, sobretudo o IVA. A actividade económica não caiu tanto como se previa graças sobretudo ao bom nível das nossas exportações. Porém, os bens exportados não estão sujeitos a IVA. Inversamente, a nossa procura interna caiu mais do que o esperado e isso implica mecanicamente que o IVA não aumente tanto como o esperado.
Em resumo, se nuns aspectos as coisas correram melhor do que previsto e noutros aspectos pior, isso não significa que não estejamos a caminhar na direcção certa e de que os resultados não sejam globalmente positivos, como é importante que aconteça e como os nossos credores externos têm reconhecido regularmente e já foram cumpridos quatro exames regulares.
Claro que temos consciência das enormes dificuldades que rodeiam todo o processo de ajustamento e dos riscos que lhe estão associados. Sabemos bem que há custos enormes que lhe são inerentes e que a sua persistência nos deve inquietar, e não conduzir à resignação. Refiro-me em concreto ao desemprego que, sendo uma consequência esperada da crise económica que acompanha o ajustamento em curso, nem por isso deixa de ser uma chaga social que exige acção e programas adequados. Mas é importante recordar que o nível de desemprego não é simplesmente o resultado das políticas de correcção do défice público. Dado que o país não pode viver com um elevado défice sem com isso cair em profunda crise e que esta crise eclodiu por causa de uma dívida e de um défice que se tinham tornado exorbitantes, não podemos confundir os sintomas da crise, como o desemprego, com as políticas de ajustamento que atacam e combatem as causas da crise.
Que fique claro. Por mais duro que seja, e é uma realidade bastante dura, não há em parte nenhuma do mundo forma de vencer uma crise económica associada a défices excessivos e a dívidas insustentáveis sem problemas sociais ou sem políticas restritivas. Se houvesse, não existiria governo nenhum que não poupasse os seus cidadãos às dificuldades das crises e, no limite, todas as crises seriam evitadas com políticas de estímulo à economia e ao gasto público. Mas, justamente, foram essas políticas que puseram em causa o nosso modelo de bem-estar, limitando a nossa autonomia e trazendo a crise.
A emergência económica, financeira e social não está vencida mas estamos hoje bem mais próximos de a ultrapassar, como é amplamente reconhecido por todas as instâncias internacionais.
Vencer esta crise implica corrigir os défices acumulados ao longo de demasiados anos, como estamos a fazer. Mas só venceremos duradouramente a emergência nacional e a profunda crise se transformarmos profundamente os alicerces da nossa estrutura económica, pois só isso nos permitirá trilhar um caminho de crescimento sustentável e portanto um caminho que traga mais emprego e mais rendimento.
As reformas estruturais são a principal justificação e força motriz da acção política do Governo. Nunca é demais recordá-lo. Não estamos aqui apenas para remediar uma emergência transitória, mas para criar condições duradouras para a prosperidade futura dos Portugueses e para abrir a sociedade portuguesa ao mundo.
Naturalmente, o sucesso da nossa transformação não depende apenas de nós. Há variáveis externas muito influentes que não dominamos e que podem facilitar ou dificultar o nosso caminho. Apesar disso, o nosso caminho, para termos sucesso, não pode ser outro, nem pode ser conduzido ou trilhado por outros que assumissem as responsabilidades que são nossas.
Quando temos problemas, temos de os confrontar. Quanto mais adiarmos essa tarefa, mais custoso será empreendê-la e mais difícil o caminho. Os Portugueses sabem que o caminho que estamos a fazer nunca prometeu facilidades e que é árduo percorrê-lo. Mas é o caminho certo para mudarmos de vida e encararmos o futuro com a perspectiva de uma justa prosperidade para todos.
Há um ano atrás, quando o governo tomou posse, sabia bem, como Primeiro-Ministro, que nos esperavam tarefas cheias de dificuldades e de desafios constantes. Tenho, porém, consciência plena da importância decisiva deste tempo histórico. Para Portugal e para os portugueses, o governo que chefio tem a missão histórica de mobilizar todas as forças necessárias para superar a mais profunda crise económica e social do nosso tempo e, simultaneamente, para lançar as sementes da merecida prosperidade futura, compatível com uma mais justa repartição do rendimento e da riqueza e com uma maior liberdade para cada um de nós encontrar as melhores oportunidades de realização pessoal e profissional.
O nosso caminho futuro não é menos importante do que aquele que percorremos até agora. Julgo que compreenderão se vos disser que o nosso principal objectivo deve ser o de aprender com as dificuldades do ano que passou para melhor definir e aplicar as metas e perspectivas para o próximo ano. É à luz deste grande objectivo de ambição e de exigência que gostaria de elencar algumas das nossas metas mais importantes para o futuro:
Em primeiro lugar, queremos prosseguir e reforçar o processo de privatizações, diminuindo a dívida pública e atraindo mais investimento para a economia portuguesa, sem esquecer as vantagens que o investimento estrangeiro traz para o aumento da concorrência, das transferências de conhecimento e do desenvolvimento de processos de inovação.
Em segundo lugar precisamos agora, com celeridade, de transpor as regras do tratado orçamental europeu para a ordem jurídica nacional, de modo a garantir que a dívida pública que vivemos não se repetirá.
Em terceiro lugar, iremos prosseguir a reforma do Estado e da Administração. Isto significa, entre outros objectivos, concluir o processo de racionalização da administração central do Estado; reduzir o número de fundações e outras instituições financiadas por dinheiros públicos sem que exista um interesse público relevante; executar a reforma autárquica; reorganizar e reestruturar o sector empresarial do Estado, assegurando a melhoria da cultura de gestão, responsabilizadora e por objectivos. Significa ainda concretizar a reforma das autoridades administrativas independentes, sem esquecer que a tarefa da regulação não pode em nenhum caso ser confundida com outras práticas intrusivas e discriminatórias.
É muito importante, em quarto lugar, completar a reforma da área da justiça, um processo de que depende o sucesso de tantas outras reformas e objectivos. Quero sublinhar a apresentação do novo código do processo civil, que representa um novo paradigma da acção declarativa e da acção executiva, e que está em discussão pública desde o início deste ano, mas também a aprovação e operacionalização do novo mapa judiciário e a concretização da revisão intercalar do código penal e código do processo penal, bem como do código de execução de penas a que há pouco o Senhor Ministro de Estado se referiu.
Julgo que estes objectivos são o ponto de partida natural para a criação de condições para a actividade económica. Iremos assegurar o cumprimento do Acordo Social expresso no compromisso para o crescimento, a competitividade e o emprego. O crescimento económico é um objectivo de todos e deve por isso ser encarado como um projecto comum.
Em quinto lugar, portanto, temos um conjunto muito abrangente de programas direccionados para a revitalização da nossa economia cuja execução rápida, e respectivas monitorizações e avaliações, importa agora garantir. Tanto no que toca aos apoios às empresas, à sua reestruturação, internacionalização e aumento de competitividade, como nas políticas activas de emprego e de transição para o mercado de trabalho, sem esquecer as alterações ao Código do Trabalho, todo o enquadramento legal e institucional está preparado. Cabe-nos agora garantir a sua rápida execução para que os seus efeitos sejam realizados tão brevemente quanto possível.
Em sexto lugar, conferimos prioridade à reestruturação e diversificação das fontes de financiamento da nossa economia, com a reprogramação do QREN, e o desenvolvimento de instrumentos que envolvam o sector privado, como as instituições de private equity e o capital de risco. Não temos, no entanto, dúvidas de que o financiamento à economia depende também, em larga medida, da reforma europeia que se consiga alcançar em matéria de união bancária de forma a evitar a fragmentação dos mercados financeiros a que vimos assistindo e propiciar, assim, a investidores portugueses, como à generalidade dos investidores europeus, condições de financiamento equitativas, evitando a discriminação negativa que afecta, nomeadamente, os investidores dos países que estão com programas de assistência que têm de pagar 600, 700 e, às vezes, mais pontos base nas taxas de juro dos respectivos financiamentos.
Em sétimo lugar, é essencial prosseguir a agenda de melhoria dos níveis de concorrência e abertura da economia e de redução de rendas excessivas que distorcem a nossa economia, protegem privilégios injustificados e representam encargos muito pesados para todos e para o futuro, como é o caso das parcerias público-privadas.
Quando iniciámos a nossa actividade, eram conhecidas as dificuldades e os riscos que pendiam sobre o papel social do Estado, ou seja, sobre as condições de sustentabilidade do Estado Social. A competitividade da economia portuguesa e o crescimento económico são condições essenciais de um Estado Social mais sólido e mais justo.
Por conseguinte, e em oitavo lugar, queremos garantir a sustentabilidade do SNS para o futuro, sem nunca pôr em causa o direito social e constitucional de acesso a cuidados de saúde de qualidade. Mas isso só será possível prosseguindo a disciplina nos gastos no sector da Saúde, atacando desperdícios, rendas excessivas e duplicações injustificadas de despesa. Iremos implementar a Reforma Hospitalar, internacionalizar ainda mais o sector da saúde e reformar os métodos de gestão das unidades de saúde com os objectivos de aumentar a eficiência e melhorar a qualidade dos serviços prestados. Vamos garantir a expansão sustentável da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e reformular a rede de cuidados primários, com o compromisso de efectivar o acesso a um médico de família a todos os cidadãos.
Em nono lugar, vamos continuar o movimento já iniciado para uma maior autonomia pedagógica e organizativa das escolas, atribuindo mais responsabilidades e dando maior agilidade a toda a comunidade escolar — professores, alunos, encarregados de educação e pessoal não-docente. Estamos a iniciar a reestruturação da oferta de ensino e formação profissional, que implica o desenvolvimento da aprendizagem dual. O objectivo é obter uma qualificação efectiva dos jovens e adultos portugueses e elevar muito mais os níveis de empregabilidade que resultam dessa formação, através de um maior recurso a formação prática em contexto empresarial e de um maior direccionamento para as actividades ligadas à produção de bens transaccionáveis, do turismo às indústrias criativas, da indústria à agricultura. Será igualmente importante executar as reformas já preparadas no Ensino Superior e na Investigação que visam quer aproximar a Universidade e a investigação do mundo empresarial, quer aproximar as empresas da Universidade e dos investigadores. Por o programa de reforma para a área da educação ser muito ambicioso e exigente, implementaremos um sistema estruturado de monitorização, que é como quem diz, de permanente avaliação para melhor controlar atempadamente as políticas educativas.
Tudo o que enumerei são verdadeiras prioridades e poderia, decerto, ter referido outras não menos importantes. Será publicitado, perante todo o país, o conjunto das prioridades que o governo fixou, para o próximo ano, de forma discriminada. Estamos, por isso, em condições daqui a um ano de podermos também ser avaliados pelas metas e objectivos que agora traçámos. Temos, portanto, muito a fazer mas estamos hoje mais perto de vencer as dificuldades maiores e de realizar este desígnio de verdadeira mudança que fique ao alcance de todos. Encontraremos todos os dias, e todos juntos, as forças e o ânimo necessários para persistir e vencer as contrariedades. Os portugueses têm, durante este percurso já percorrido, dado mostras da sua forte vontade e tremenda lucidez para, apesar dos sacrifícios, trabalhar em defesa de Portugal e do seu futuro. É obrigação do seu governo não falhar nesse desígnio e mostrar respeito pelos esforços e sacrifícios dos portugueses. É o que continuaremos a fazer sem vacilar."