O Tribunal Constitucional chumbou o Decreto n.º 109/XIV do parlamento que pretendia regular as condições em que a eutanásia não era punível e alterar o Código Penal, concordando com algumas objecções levantadas no requerimento do Presidente da República.
Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:
Comunicado sobre a Eutanásia
Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:
Comunicado sobre a Eutanásia
- O Tribunal Constitucional acaba de enviar a Sua Excelência o Presidente da República o acórdão que decide o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República — com destaque para o n.º 1 do artigo 2.º — relativo às condições em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e à alteração do Código Penal daí decorrente, que o Chefe de Estado lhe submeteu.
- O Tribunal proferiu, por maioria, a decisão que acabam de ouvir ler, da qual, pela sua complexidade, se passam a referir, da forma mais simples e clara possível, os aspectos essenciais que permitem compreender o seu alcance.
- Recorde-se que, nos termos daquele artigo 2.º, n.º 1 — que é a norma que consagra a opção do legislador de não punir a antecipação da morte medicamente assistida, quando realizada em determinadas condições —, uma pessoa só pode recorrer à antecipação da morte medicamente assistida não punível desde que observe todas e cada uma das condições previstas nesse artigo, entre as quais se destaca a de tal pessoa se encontrar «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal».
- O Senhor Presidente da República, a título principal, suscitou duas dúvidas de constitucionalidade apenas quanto aos seguintes aspectos desta última condição:
1.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de “sofrimento intolerável”;
2.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”. - O Tribunal entendeu, em primeiro lugar, ser indispensável considerar a norma do referido artigo 2.º, n.º 1, como um todo incindível.
- Em segundo lugar, o Tribunal apreciou — tendo concluído pela negativa — a questão de saber se a inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma, como a do artigo 2.º, n.º 1, aqui em causa, que admite a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições. A este respeito considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias. Na verdade, a concepção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de protecção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa.
Tal solução impõe a instituição de um sistema legal de protecção que salvaguarde em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e a autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora. Por isso mesmo, as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis. - Em terceiro lugar, e quanto à primeira dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de “sofrimento intolerável”, sendo embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional.
- Em quarto lugar, e no tocante à segunda dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, pela sua imprecisão, não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado.
- Por causa dessa insuficiente densidade normativa, que afecta uma das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República para aceder à antecipação da morte medicamente assistida não punível, o Tribunal concluiu que a norma constante desse artigo se mostrava desconforme com o princípio da determinabilidade da lei, corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da mesma Lei Fundamental.
- Nestas condições, o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República e pela inconstitucionalidade consequente das restantes normas incluídas no pedido de fiscalização preventiva.
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A decisão do Tribunal Constitucional foi tomada por maioria de 7 votos contra 5.
O juiz presidente João Caupers (independente) e o juiz vice-presidente Pedro Machete (independente) votaram pela inconstitucionalidade da lei, bem como os juízes Lino Ribeiro (independente), Fátima Mata-Mouros (indicada pelo CDS), José Teles Pereira (indicado pelo PSD), Joana Costa (indicada pelo PS) e Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD).
Votaram vencidos os juízes Mariana Canotilho (indicada pelo PS), José João Abrantes (PS), Maria da Assunção Raimundo (PS), Gonçalo de Almeida Ribeiro (PSD) e Fernando Vaz Ventura (PS).
O que mereceu o chumbo dos juízes foi o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" porque "não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado".
Já as objecções do Presidente ao conceito de "situação de sofrimento intolerável" não foram acolhidas. "Embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional", afirma o comunicado do Tribunal Constitucional.
E o que pensam os portugueses sobre a eutanásia? Eis um curioso diálogo lido no jornal Observador, entre duas pessoas com visões opostas de sociedade — conservadorismo, conhecimento, família, trabalho, meritocracia, altruísmo, versus fracturismo, superficialidade, individualismo, divertimento, oportunismo, egocentrismo —, na caixa de comentários de um artigo que antecipava a reprovação da lei da eutanásia pelos juízes do Tribunal Constitucional:
José Paulo C Castro
Preparam-se para chumbar indefinições de conceitos. Vão exigir que sejam definidas as condições em que se pode matar a pedido, de forma objetiva.
Assim, a resposta exigirá o alargamento para os casos em que se subentende o pedido com base na inutilidade da vida percebida pelos outros, até chegar aos casos em coma e demência (o verdadeiro objetivo) e diminuir os gastos estatais com tratamentos paliativos (se pode pedir a morte, porque insiste em tratamentos paliativos...).
Isto é apenas mais um passinho para aí. Não se sabe o que é sofrimento intolerável? Então passa a ser sempre que alguém diz: "Não aguento isto!" ou algo como "Quero morrer!" devidamente testemunhado. Alguém vai definir assim e pronto.
Um Gajo Muito Muito Manero --> José Paulo C Castro
Logo, se alguém num acesso de fúria diz "apetece-me matar fulano", esse alguém deve ser julgado por homicídio… pelo menos na forma tentada.
Estamos bem!
José Paulo C Castro --> Um Gajo Muito Muito Manero
Se em estado de transtorno devemos desvalorizar as declarações de alguém, então o estado de sofrimento intolerável é o quê?
O juiz presidente João Caupers (independente) e o juiz vice-presidente Pedro Machete (independente) votaram pela inconstitucionalidade da lei, bem como os juízes Lino Ribeiro (independente), Fátima Mata-Mouros (indicada pelo CDS), José Teles Pereira (indicado pelo PSD), Joana Costa (indicada pelo PS) e Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD).
Votaram vencidos os juízes Mariana Canotilho (indicada pelo PS), José João Abrantes (PS), Maria da Assunção Raimundo (PS), Gonçalo de Almeida Ribeiro (PSD) e Fernando Vaz Ventura (PS).
O que mereceu o chumbo dos juízes foi o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" porque "não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado".
Já as objecções do Presidente ao conceito de "situação de sofrimento intolerável" não foram acolhidas. "Embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional", afirma o comunicado do Tribunal Constitucional.
E o que pensam os portugueses sobre a eutanásia? Eis um curioso diálogo lido no jornal Observador, entre duas pessoas com visões opostas de sociedade — conservadorismo, conhecimento, família, trabalho, meritocracia, altruísmo, versus fracturismo, superficialidade, individualismo, divertimento, oportunismo, egocentrismo —, na caixa de comentários de um artigo que antecipava a reprovação da lei da eutanásia pelos juízes do Tribunal Constitucional:
José Paulo C Castro
Preparam-se para chumbar indefinições de conceitos. Vão exigir que sejam definidas as condições em que se pode matar a pedido, de forma objetiva.
Assim, a resposta exigirá o alargamento para os casos em que se subentende o pedido com base na inutilidade da vida percebida pelos outros, até chegar aos casos em coma e demência (o verdadeiro objetivo) e diminuir os gastos estatais com tratamentos paliativos (se pode pedir a morte, porque insiste em tratamentos paliativos...).
Isto é apenas mais um passinho para aí. Não se sabe o que é sofrimento intolerável? Então passa a ser sempre que alguém diz: "Não aguento isto!" ou algo como "Quero morrer!" devidamente testemunhado. Alguém vai definir assim e pronto.
Um Gajo Muito Muito Manero --> José Paulo C Castro
Logo, se alguém num acesso de fúria diz "apetece-me matar fulano", esse alguém deve ser julgado por homicídio… pelo menos na forma tentada.
Estamos bem!
José Paulo C Castro --> Um Gajo Muito Muito Manero
Se em estado de transtorno devemos desvalorizar as declarações de alguém, então o estado de sofrimento intolerável é o quê?
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