segunda-feira, 15 de março de 2021

Tribunal Constitucional declara inconstitucional a lei da eutanásia

O Tribunal Constitucional chumbou o Decreto n.º 109/XIV do parlamento que pretendia regular as condições em que a eutanásia não era punível e alterar o Código Penal, concordando com algumas objecções levantadas no requerimento do Presidente da República.

Para facilitar a leitura recorri ao negrito e, também, à cor vermelha para realçar os princípios constitucionais que não foram respeitados:


Comunicado sobre a Eutanásia

  1. O Tribunal Constitucional acaba de enviar a Sua Excelência o Presidente da República o acórdão que decide o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República — com destaque para o n.º 1 do artigo 2.º — relativo às condições em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e à alteração do Código Penal daí decorrente, que o Chefe de Estado lhe submeteu.
  2. O Tribunal proferiu, por maioria, a decisão que acabam de ouvir ler, da qual, pela sua complexidade, se passam a referir, da forma mais simples e clara possível, os aspectos essenciais que permitem compreender o seu alcance.
  3. Recorde-se que, nos termos daquele artigo 2.º, n.º 1 — que é a norma que consagra a opção do legislador de não punir a antecipação da morte medicamente assistida, quando realizada em determinadas condições —, uma pessoa só pode recorrer à antecipação da morte medicamente assistida não punível desde que observe todas e cada uma das condições previstas nesse artigo, entre as quais se destaca a de tal pessoa se encontrar «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal».
  4. O Senhor Presidente da República, a título principal, suscitou duas dúvidas de constitucionalidade apenas quanto aos seguintes aspectos desta última condição:
    1.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de “sofrimento intolerável”;
    2.ª – O carácter excessivamente indeterminado do conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”.
  5. O Tribunal entendeu, em primeiro lugar, ser indispensável considerar a norma do referido artigo 2.º, n.º 1, como um todo incindível.
  6. Em segundo lugar, o Tribunal apreciou — tendo concluído pela negativa — a questão de saber se a inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição constitui um obstáculo inultrapassável a uma norma, como a do artigo 2.º, n.º 1, aqui em causa, que admite a antecipação da morte medicamente assistida em determinadas condições. A este respeito considerou o Tribunal que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias. Na verdade, a concepção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de protecção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa.
    Tal solução impõe a instituição de um sistema legal de protecção que salvaguarde em termos materiais e procedimentais os direitos fundamentais em causa, nomeadamente o direito à vida e a autonomia pessoal de quem pede a antecipação da sua morte e de quem nela colabora. Por isso mesmo, as condições em que, no quadro desse sistema, a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, antecipáveis e controláveis.
  7. Em terceiro lugar, e quanto à primeira dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de “sofrimento intolerável”, sendo embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional.
  8. Em quarto lugar, e no tocante à segunda dúvida de constitucionalidade referida pelo Senhor Presidente da República no seu pedido de fiscalização preventiva, o Tribunal entendeu que o conceito de ”lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, pela sua imprecisão, não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado.
  9. Por causa dessa insuficiente densidade normativa, que afecta uma das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República para aceder à antecipação da morte medicamente assistida não punível, o Tribunal concluiu que a norma constante desse artigo se mostrava desconforme com o princípio da determinabilidade da lei, corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da mesma Lei Fundamental.
  10. Nestas condições, o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República e pela inconstitucionalidade consequente das restantes normas incluídas no pedido de fiscalização preventiva.


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A decisão do Tribunal Constitucional foi tomada por maioria de 7 votos contra 5.

O juiz presidente João Caupers (independente) e o juiz vice-presidente Pedro Machete (independente) votaram pela inconstitucionalidade da lei, bem como os juízes Lino Ribeiro (independente), Fátima Mata-Mouros (indicada pelo CDS), José Teles Pereira (indicado pelo PSD), Joana Costa (indicada pelo PS) e Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD).

Votaram vencidos os juízes Mariana Canotilho (indicada pelo PS), José João Abrantes (PS), Maria da Assunção Raimundo (PS), Gonçalo de Almeida Ribeiro (PSD) e Fernando Vaz Ventura (PS).

O que mereceu o chumbo dos juízes foi o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" porque "não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar, com o indispensável rigor, as situações da vida em que pode ser aplicado".

Já as objecções do Presidente ao conceito de "situação de sofrimento intolerável" não foram acolhidas. "Embora indeterminado, é determinável de acordo com as regras próprias da profissão médica, pelo que não pode considerar-se excessivamente indeterminado e, nessa medida, incompatível com qualquer norma constitucional", afirma o comunicado do Tribunal Constitucional.

E o que pensam os portugueses sobre a eutanásia? Eis um curioso diálogo lido no jornal Observador, entre duas pessoas com visões opostas de sociedade — conservadorismo, conhecimento, família, trabalho, meritocracia, altruísmo, versus fracturismo, superficialidade, individualismo, divertimento, oportunismo, egocentrismo —, na caixa de comentários de um artigo que antecipava a reprovação da lei da eutanásia pelos juízes do Tribunal Constitucional:

José Paulo C Castro
Preparam-se para chumbar indefinições de conceitos. Vão exigir que sejam definidas as condições em que se pode matar a pedido, de forma objetiva.

Assim, a resposta exigirá o alargamento para os casos em que se subentende o pedido com base na inutilidade da vida percebida pelos outros, até chegar aos casos em coma e demência (o verdadeiro objetivo) e diminuir os gastos estatais com tratamentos paliativos (se pode pedir a morte, porque insiste em tratamentos paliativos...).

Isto é apenas mais um passinho para aí. Não se sabe o que é sofrimento intolerável? Então passa a ser sempre que alguém diz: "Não aguento isto!" ou algo como "Quero morrer!" devidamente testemunhado. Alguém vai definir assim e pronto.

Um Gajo Muito Muito Manero --> José Paulo C Castro
Logo, se alguém num acesso de fúria diz "apetece-me matar fulano", esse alguém deve ser julgado por homicídio… pelo menos na forma tentada.
Estamos bem!

José Paulo C Castro --> Um Gajo Muito Muito Manero
Se em estado de transtorno devemos desvalorizar as declarações de alguém, então o estado de sofrimento intolerável é o quê?


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