O "Caso Público" é uma peça de teatro com quatro personagens principais, três ligadas ao matutino — a jornalista Maria José Oliveira, Leonete Botelho, editora de Política, e Bárbara Reis, a directora — e um ministro plenipotenciário — Miguel Relvas rege o parlamento, as autarquias, a comunicação social do Estado, ...
Numa declaração à comunicação social, depois de ser ouvido hoje, a seu pedido, pelo conselho regulador da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), o ministro reconheceu que telefonou à editora de política do Público depois de ter recebido uma pergunta da jornalista à qual tinha "que responder em 32 minutos":
"Liguei e disse: continuando a haver comportamento como este, tenho o direito de apresentar uma queixa na ERC, nos tribunais e de eu, pessoalmente, deixar de falar com o Público."
E garantiu: "Não conheço a jornalista em causa, nunca falei com a jornalista em causa e não tenho conhecimentos sobre aspectos da vida pessoal da jornalista. Seria mau se isso acontecesse em Portugal".
Quando a directora do jornal lhe ligou a protestar "sobre o tom com que falara com a editora", terá respondido que "se tinha sido indelicado, pedia desculpa, sobre o tom e não sobre a matéria".
Sobre o ex-director das "secretas", Jorge Silva Carvalho, reafirmou que só o conheceu depois de Abril de 2010. Se tinha referido numa comissão parlamentar uma notícia que dataria de 2007, e contradizia aquela afirmação, foi porque usou a notícia da visita de George W. Bush ao México "apenas como exemplo do que era o clipping [resenha de imprensa]. É a minha palavra, quem tiver outra prova que apresente".
Agora ouçamos o depoimento da directora do Público:
Por ter recebido um e-mail com uma pergunta da jornalista acerca de uma afirmação proferida em comissão parlamentar sobre o serviço secreto, "o ministro disse [por telefonema, à editora de política] que ia fazer queixa à ERC, aos tribunais, ia dizer aos membros do Governo para não falarem com o PÚBLICO e iria revelar dados da vida privada da jornalista".
Questionada pelos jornalistas, a directora afirmou que o ministro especificou os dados, mas não era “o momento” para os identificar.
"Na sequência dessa pressão, a direcção entendeu por correcto e importante protestar formalmente junto do ministro [dizendo-lhe] que o telefonema e a pressão tinham sido inaceitáveis", continuou a directora. Nessa conversa, "o ministro respondeu a uma série de coisas e disse que tinha humildade suficiente para pedir desculpa à Leonete Botelho e foi o que foi fazer".
Questionada sobre se Miguel Relvas teria razão para se sentir pressionado por lhe ter sido dado um prazo de 32 minutos para responder a uma pergunta, a directora considerou tratar-se de “um objectivo” temporal fixado pela jornalista. O ministro acabaria por responder, dentro do prazo, à pergunta colocada.
Sobre o facto de o telefonema de Miguel Relvas ter acontecido na quarta-feira e a reacção da direcção ocorrer apenas na sexta-feira, Bárbara Reis disse que o jornal tem "por princípio não reagir a quente nem de forma imponderada. Não conseguimos, por diferentes razões, nesse dia, discutir o tema, reunir, pensar. Ponderámos que resposta, se alguma, deveria ser dada, se, oral, escrita ou uma não resposta".
Explicou ainda que a notícia que estava a ser escrita pela jornalista, e para a qual precisava da resposta do ministro, "não foi publicada pelo facto de num processo normal de filtro e verificação que existe nas redacções foi considerado que não tinha informação nova e relevante para ser publicada naquele dia".
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Os nossos políticos adoram jornalistas e são correspondidos. Trocam-se números de telemóvel, circulam os e-mails. A democracia portuguesa escancarou as portas à intrigalhada política, à boémia, à mentira e à hipocrisia. Todos rodopiam neste pot-pourris e consideram o relacionamento gratificante.
Os problemas surgem quando os políticos são “sagrados” pelo voto popular. Aí ascendem ao Olimpo dos deuses e certas intimidades passam a incomodar. Se os indivíduos que ficaram na casta inferior exigirem uma resposta em meia-hora — um tempo escasso, convenhamos —, os deuses podem perder as estribeiras...
A vergonha na cara costuma conservar estes problemas domésticos ao abrigo de ouvidos indiscretos. Não num país que está a percorrer a via sacra do empobrecimento e quando o “sagrado” pelo voto popular está a atacar os direitos adquiridos de alguma corporação. Rapidamente um conselho de redacção redige um comunicado que, por efeito quântico, aparece alojado nos servidores da RTP.
Sórdido, muito sórdido.
Mas nada de preocupações. O “sagrado” vai sobreviver a esta “prova”, ganha imunidade e até fica em melhores condições mentais de navegar nas águas negras do poder local, o próximo combate. Tremam, autarcas!
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