Há duas escolas portuguesas de economia e gestão de nível internacional — a Nova School of Business & Economics, da Universidade Nova de Lisboa, e a Católica Lisbon School of Business & Economics, da Universidade Católica Portuguesa.
O director da segunda, Francisco Veloso, vai dirigir a Imperial College Business School, em Londres, Reino Unido, a partir do próximo ano lectivo.
Nesta entrevista ao Negócios, mostra preocupação com o corte do investimento público, o crescimento da dívida pública, bem como o impacto que a retirada dos estímulos do Banco Central Europeu terá numa economia como a portuguesa, ainda com problemas estruturais. Receia que o Governo de António Costa tenha de tomar medidas que vão pôr em causa a actual solução governativa.
O que é para si, neste momento, capital em Portugal?
Não posso deixar de responder alinhado com os meus próprios interesses — mas não só, porque é algo em que acredito muito —, que é a continuada aposta no empreendedorismo e nas novas empresas como instrumento de transformação da nossa economia. É absolutamente crítico para levarmos Portugal de onde está para onde todos gostaríamos que estivesse. Esta é uma dinâmica que já existe, mas tem de continuar e ser amplificada, para ter ainda mais impacto no país.
Como é que avalia a evolução de Portugal em termos económicos e financeiros, considerando a execução orçamental de 2016 e as perspectivas para 2017?
Estamos a evoluir lentamente e com algumas dificuldades. Aquilo que eu sinto, e talvez em função do arranjo de forças que suporta este Governo, é alguma quase esquizofrenia em algumas situações. Este Governo tem feito imenso por esta questão do empreendedorismo e da capitalização das empresas que são dois aspectos fundamentais, como eu referi. É algo meritório, têm existido medidas, instrumentos e actividade nesse sentido.
No entanto...
No entanto, quando olhamos para os 2,1% do défice, e de facto é um bom resultado, mas ele foi feito à custa de um enorme corte no investimento público, que é algo que é preocupante a nível das perspectivas de crescimento a médio prazo. E foi feito a um nível que não está a resolver a montanha de dívida que nós temos aí para resolver. Ou seja, é uma evolução que resulta destes equilíbrios de forças associados à estrutura política que suporta o Governo.
Mas acho que nós temos uma série de reformas estruturais e de evolução nas próprias funções do Estado que não está a acontecer, nem vai acontecer provavelmente nos próximos tempos, e que limita o nosso potencial de resolução dos problemas. Não houve grande evolução no défice estrutural. Essencialmente as coisas ficaram iguais, ou seja, a nossa capacidade de estruturalmente resolvermos os problemas do Estado não evoluiu significativamente. Nesse sentido estamos num compasso de espera, à espera que o crescimento evolua, mas o crescimento dificilmente irá evoluir com pouca capacidade de financiamento e muita dívida. E isso significa que vamos continuar num ritmo de evolução, e os indicadores para o futuro assim o indicam, relativamente lento. E isso não é bom para o desenvolvimento a médio prazo do país, que precisava de uma dinâmica e de uma robustez de crescimento bastante maior do que aquela a que temos conseguido chegar até agora.
Concorda com a visão do ministro das Finanças de que as agências de rating estão a ser injustas com Portugal?
Não consigo perfilhar dessa perspectiva. Se nós tivéssemos reduzido de uma forma visível, em alguns pontos percentuais, a nossa dívida, acho que as agências de rating teriam olhado já de uma forma possivelmente diferente. E isso tem exactamente a ver com as decisões que são feitas. E eles próprios também sabem fazer contas. Porque uma coisa é nós obtermos um determinado tipo de objectivo, e isso tem mérito. Até porque tem implicações claras, por exemplo, nos procedimentos por défices excessivos, na possibilidade de aplicação de coimas da União europeia. Tem, de facto, relevância real obtermos esse tipo de resultados.
Mas basta falar com qualquer pessoa que esteja no mercado financeiro, eles também fazem as contas e sabem como é que se chegou a este tipo de resultado e portanto sabem que há factores estruturais que não estão a ser solucionados com o nível de afinco que talvez fosse necessário para mudar o outlook destes investidores internacionais.
E depois há aqui uma questão a pairar sobre tudo isto, e também sobre as agências de rating — e eu acho que só nessa altura é que as coisas vão começar a dissipar-se um bocadinho — que é: quando o BCE começar a retirar os estímulos e começar-se a ver o que é que vai acontecer ao nosso mercado de dívida secundária. Está toda a gente à espera disso. Não são só as agências de rating. Se nós olharmos para a evolução das taxas de juro do mercado secundário da nossa dívida, têm crescido alegremente ao longo deste último ano e não sentiram de todo um alívio naquela semana da confirmação do défice de 2,1%.
A prova de fogo vai ser a retirada dos estímulos do BCE?
Vai ser muito importante. Não quero dizer com isto que esteja aqui a vaticinar cataclismos, mas certamente vai ter algum impacto e a questão é vermos até onde é que esse impacto vai. É diferente os juros subirem para 4,5% ou de repente passarem os 5%.
Mas com os dados que existem actualmente, considera que é possível Portugal aguentar esse impacto?
Vai ser uma das provas de fogo deste Governo. Acho que as taxas de juro vão subir um valor importante e vai ser necessário tomar algumas medidas em termos de contenção de despesa, que vão pôr à prova a estrutura deste Governo. Começa a haver pressões especulativas no sentido de dizer "não vão conseguir", todos os fundos especuladores vão começar a entrar sobre essa perspectiva. Vai começar a haver pressão para que o Governo demonstre que mesmo que isso aconteça será capaz de contrapor com algumas medidas, nomeadamente criar uma almofada. Isso vai criar uma prova de fogo ao actual Governo e à actual solução governativa. A capacidade ou incapacidade que exista por parte do Governo de dar uma resposta firme e convincente a essa situação é que, quanto a mim, vai ter um impacto mais significativo a médio prazo sobre o que vai acontecer à nossa situação económica, e a possibilidade ou não de virmos a ter um problema maior. E um problema maior significa a possibilidade de um novo resgate ou algo como isso.
Breve biografia
Francisco Veloso licenciou-se em Engenharia Física no Instituto Superior Técnico em 1992, fez um mestrado em Gestão no ISEG e o doutoramento no MIT (EUA).
Entrou na Universidade Católica como professor associado em 2001. Aí leccionou Inovação e Empreendedorismo, que é a sua paixão académica, e foi subindo os degraus da hierarquia, sendo o director da Católica Lisbon School of Busines & Economics, desde 2012. Percurso que fez também na Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia (EUA), onde exerceu o cargo de full professor do departamento de Engenharia até 2013. A partir de Agosto vai ser o director da escola de negócios do Imperial College.
É casado e tem três filhos.
Respostas rápidas
Instituto Superior Técnico
É a minha alma mater onde eu tenho ainda muitas ligações e uma escola excelente que muito tem feito pela ciência e pela inovação em Portugal e no mundo.
Bicicleta
BTT em particular, um dos meus hóbis favoritos e algo a que dedico uma parte do meu tempo fora das minhas responsabilidades profissionais e de que muito gosto.
Açores
Um dos destinos de férias que acaba por se tornar favorito de uma forma quase orgânica. Desenvolvi uma afinidade e apreciação dos Açores como destino de férias e relaxamento para toda a família, porque é um contexto que tem agradado a toda a família de muitas idades diferentes. Gosto muito das ilhas, das paisagens, das pessoas e do ambiente.
Silicon Valley
Continua a ser a Meca do empreendedorismo, da inovação e da tecnologia. Foi também, durante muito tempo, um assunto que estudei com muita precisão para aprender muito sobre algo que é fundamental para estes processos de empreendedorismo, que são os spin-off. Esta ideia de que de boas empresas saem outras boas empresas com enorme resultado económico. Foi assim que Silicon Valley se fez.
Donald Trump
Uma grande preocupação para a América, para as universidades americanas, já tenho sentido isso, mas também um pouco por todo o mundo, porque é uma pessoa imprevisível com uma perspectiva sobre a vida e as pessoas da qual eu não partilho.
Mário Centeno
Conheci-o pela primeira quando nos cruzámos em Boston. Ele estava a acabar o seu doutoramento em Harvard, eu estava a começar o meu no MIT. É uma pessoa por quem tenho muito respeito técnico e científico e que está a procurar fazer navegar as nossas finanças num momento de equilíbrio difícil, do ponto de vista daquilo que é o arranjo parlamentar de apoio ao Governo.
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