António Costa deu ao jornal Público a sua primeira entrevista como primeiro-ministro.
“Percebo que a direita esteja irritada e respeito até algum azedume”
PÚBLICO: Como vê as críticas de que usurpou o poder?
António Costa: É de quem desconhece o procedimento normal da democracia, que é que os governos devem corresponder às maiorias que existem na AR, porque estas correspondem à maioria do eleitorado.
Sente-se incomodado quando dizem que não foi escolhido pelo povo?
Não me sinto incomodado. Os cidadãos elegeram os deputados e este Governo é aquele que dispõe de um suporte parlamentar maioritário. Aliás, durante vários meses, ouvimos o Presidente explicitar que era necessário um Governo que tivesse um suporte parlamentar maioritário.
Não devia ter assumido de forma mais explícita que queria fazer uma aliança à esquerda?
Na campanha, frisei que o nosso objectivo era ganhar as eleições e ter maioria — se tivermos maioria, teremos o Governo que os eleitores decidirem directamente. Não havendo maioria, ela terá de resultar das negociações partidárias. Desde as eleições primárias até ao congresso e do congresso até às eleições, disse várias vezes que recusava esse conceito de "arco da governação" como uma forma de excluir antidemocraticamente forças partidárias que representam os cidadãos nos mesmos termos que as outras forças partidárias da solução de Governo. Explicitei sempre que não excluiria ninguém e que falaria com todas. Até disse mais. Disse na campanha eleitoral que não contassem com o PS para viabilizar a continuação das políticas do PSD e do CDS.
Passos Coelho disse que se o muro caiu agora era porque existia e os eleitores, quando votaram, sabiam que havia.
Qualquer muro é antidemocrático. Desde que concorri às primárias, na moção que foi aprovada, na moção que apresentei no congresso do PS, é expressa a recusa do "arco da governação", devo ter dado uma ou duas entrevistas ao PÚBLICO onde o reafirmei, eu nunca escondi qual era o meu entendimento sobre esta matéria. O que eu, aliás, acho absolutamente extraordinário é que, em pleno século XXI, 42 anos depois do 25 de Abril, alguém possa achar que, por natureza, há um conjunto de partidos que estão impedidos de contribuir directa e indirectamente para a construção de soluções governativas. Mas que conceito de democracia é este onde se acha que quem vota no PS, no PSD e no CDS são votos que contam e quem vota no PCP, no BE ou no PEV são votos que não contam? Que democracia seria esta? Por que se há-de entender que um deputado do CDS vale mais do que um deputado do BE? Isso é que era a subversão completa das regras democráticas.
Tem sido assim.
O que aconteceu desta vez de novo foi que todos tivemos a maturidade de dizer: ok, já sabemos bem o que é que nos distingue, sobre essa matéria não vamos discutir porque não faz sentido. Agora vamo-nos entender sobre um conjunto de matérias que são urgentes, necessárias para responder aos problemas do país nos próximos quatro anos. Para um entendimento sobre a actualização do salário mínimo nacional não temos de pensar o mesmo sobre a NATO, para pôr termo aos cortes das pensões não temos de pensar o mesmo sobre o futuro da UE. E o que formos capazes de fazer é no respeito pelas diferenças que definem a identidade de cada qual, tendo um programa comum para executar na perspectiva da legislatura. Foi isso que foi feito.
07/12/2015 - 07:51
O PS vai cumprir a legislatura?
É com essa expectativa que estou, é com essa confiança que estou. Temos um Governo confiante desde logo na sua maioria parlamentar e não tenho qualquer sinal que perturbe essa minha confiança. A direita tem-se dedicado a um jogo até infantil, que é procurar descobrir a diferença onde ninguém duvida que existe a diferença. Quem é que se surpreende que sobre a Europa e sobre a moeda única, há um entendimento diferente entre o PS e o PCP, por exemplo? Nós não temos dúvidas. O PCP não tem dúvidas. E nem nós mudámos de posição nem o PCP. Não é isso que está aqui em causa, o que está aqui em causa é que, apesar dessas diferenças, o que é que podemos fazer em conjunto. E foi termos encontrado solução para esta questão que permitiu que houvesse um acordo com o BE, com o PCP, com o PEV. E, desse acordo, resultou não uma mera maioria negativa que derrubou o Governo da direita, não uma mera maioria que estaria a obstaculizar a acção governativa da direita, mas uma maioria que foi capaz de se afirmar pela positiva, como alternativa de Governo, viabilizando um Governo do PS, com um programa coerente com o programa eleitoral do PS, consistente com aquilo que foi o produto das negociações dos diferentes partidos e absolutamente compatível com os compromissos internacionais de Portugal. E percebo que a direita esteja irritada e respeito até algum azedume, agora há uma coisa que tem que acreditar: é mérito na solução encontrada e não defeitos onde eles não existem.
Já confia no BE?
Sim. Este processo negocial permitiu criar e reforçar relações de confiança entre os diferentes parceiros. É evidente que, entre partidos que há muitos anos não se falavam, ou que se falavam só para se combater nas divergências, a abertura deste processo não foi fácil. Percebo que muitas pessoas tivessem dúvidas da sua viabilidade. Eu próprio não escondi, aliás, publicamente que tinha pouca expectativa de que uma solução destas pudesse ser possível. A verdade é que foi. Isso deveu-se à vontade de todos, à boa-fé de todos, ao empenho de todos e a todos termos sido capazes de interpretar de uma forma correcta aquilo que era a vontade de mudança dos portugueses e a necessidade de estabilidade que o país tinha.
Como vê a actuação do Presidente desde as eleições?
O primeiro-ministro não avalia a actuação do Presidente da República.
Disse que queria entregar o OE 2016 na AR logo que possível. Está a pensar em Janeiro, Fevereiro?
É assim que tenhamos condições de o fazer. O país já perdeu muito tempo desde as eleições, até à investidura do Governo em plenas funções na quinta-feira passada, portanto, temos procurado encurtar prazos o máximo possível. No dia a seguir à tomada de posse, reunimos o Conselho de Ministros, aprovámos o programa de Governo e nesse mesmo dia apresentámo-lo na AR; discutimos logo na semana a seguir o programa de Governo, sem termos gasto os dez dias para a apresentação. No primeiro dia que estávamos em funções, aprovámos a lei orgânica do Governo. Conseguimos, no prazo de uma semana, responder a tudo o que era essencial para pôr o Governo a funcionar em pleno. Estamos agora a desenvolver os trabalhos não só para assegurar a melhor execução possível do OE 2015, tendo em vista assegurar e contribuir para que seja possível alcançar a meta que nos permita sair do procedimento por défice excessivo e também iniciar simultaneamente o OE 2016, de forma a que possa estar em vigor tão rápido quanto possível.
É verdade que encontraram o OE 2016 sem trabalho feito?
Não gostaria de andar a alimentar as queixas relativamente ao que encontrámos ou não encontrámos. Acho que temos de fazer aquilo que os portugueses querem que nós façamos, que é trabalhar a partir das condições que temos para resolvermos os problemas do país.
Quando chegar a Bruxelas com as suas opções orçamentais, que são diferentes das anteriores e da herança da troika, e quando a Comissão Europeia muito provavelmente lhe der o mesmo tipo de resposta que deu ao primeiro-ministro grego, que é que as receitas para aplicar são as que eles cá deixaram, qual o seu plano B?
Para já, não tenho nenhuma razão para antecipar que essa questão se coloque nesses termos. Temos mantido um diálogo normal com as instituições europeias. Na cimeira da União Europeia (UE) com a Turquia, tive oportunidade de falar com os meus diversos colegas. Já tive a oportunidade de falar com o presidente da Comissão Europeia. O senhor ministro das Finanças já reuniu com o presidente da Comissão, com os comissários da área económica, e todos conhecem aquilo que são os compromissos políticos do nosso programa de Governo, quer em matéria de trajectória de consolidação orçamental, quer as medidas de viragem da página da austeridade.
As autoridades europeias têm mostrado oposição a medidas baseadas no estímulo da procura interna, ou não?
O que eu considero essencial é executarmos o programa que temos. A política de austeridade que foi seguida conduziu a uma recessão, à estagnação, ao aumento do desemprego, a uma redução significativa da população activa, ao aumento gigantesco da emigração e a um significativo aumento do endividamento do país. Essa é uma receita que não pode ser prosseguida. Essa é a receita que dissemos que iríamos mudar e explicitámos como. E explicitámos de uma forma responsável e moderada, dizendo que viraremos a página da austeridade e cumprindo as nossas obrigações internacionais, designadamente as regras vigentes na área do euro. Dissemos mais: é verdade que discordamos de muitas dessas regras, mas, enquanto existirem, cumpriremos as regras, como aqueles que não estão de acordo com os limites de velocidade nas auto-estradas não deixam de estar obrigados a não ultrapassar os 120 quilómetro/hora. Cumpriremos as regras como elas existem, mas não deixaremos de aplicar um programa económico e uma estratégia de relançamento da economia, o qual consideramos essencial não só para garantir mais crescimento, para garantir que há emprego, para garantir maior igualdade, mas também uma consolidação saudável e sustentável das nossas finanças públicas.
Há uma questão muito sensível, que é a reestruturação da dívida. Ainda esta semana Catarina Martins disse: "Parece-nos um caminho inevitável. O peso da dívida é insustentável". É público que foi combinado um grupo de trabalho para a discutir. Até onde o Governo estaria disposto a levar esta discussão?
Como sabe, não consta do programa do Governo esse objectivo. Vai ser constituído um grupo de trabalho para analisar a dívida.
Mas é só para o BE ver, ou há uma vontade genuína de discutir o tema e chegar a uma solução?
Não. São acordos que assinámos com boa-fé e com vontade de encontrar soluções e respostas no quadro europeu e de um país responsável que cumpre as suas obrigações.
Antevê alguma para tornar a dívida sustentável, partindo do princípio que não é, como diz Catarina Martins?
Eu respondo por aquilo que está no programa do Governo e desenvolveremos o grupo de trabalho acordado com o BE. Agora, as afirmações da Catarina Martins são afirmações da Catarina Martins e as minhas afirmações são as minhas afirmações, e, nos acordos que estabelecemos, nem a Catarina Martins tem de revogar o que considera a sua posição nem eu a minha. Iremos trabalhar em conjunto. Agora, essa afirmação é dela, não foi minha.
Vão manter o processo de recrutamento dos dirigentes de topo da administração através de concurso público e na Cresap?
O Governo é defensor da estabilidade dos serviços da administração pública e da profissionalização do funcionamento da administração e dos seus dirigentes como condição, aliás, essencial para a sua própria qualificação e dignificação. O Governo já tomou a decisão de que não fará alterações em qualquer lei orgânica durante o próximo ano e que avaliaremos o funcionamento do conjunto do sistema, e naturalmente actuaremos com os dirigentes que estão em funções com total lealdade como aquela que supomos que terão na execução do programa do Governo, respeitando naturalmente aqueles que entendam que não têm condições para executar este programa e que, portanto, ponham o lugar à disposição ou pretendam cessar funções. Talvez por ter exercido sempre funções em ministérios de natureza institucional, nunca tive necessidade de provocar a demissão de qualquer dirigente para executar o que me competia executar e fazer executar. Iremos avaliar serenamente. E devemos procurar não confundir más aplicações do sistema, resultante de uma deficiente composição da Cresap ou de um mau exercício da escolha dos membros do Governo dos nomes fornecidos pela Cresap com o sistema em si.
Por que razão há só quatro mulheres ministras? O PS deixou de se preocupar com a igualdade de género?
Se me pergunta se estou satisfeito com o equilíbrio de género, não estou. Isso é a demonstração de que não há nenhum Governo perfeito.
Não havia no PS mais mulheres para convidar?
Haveria, com certeza. É o equilíbrio que entendi possível em relação ao Governo que formei.
Vão manter a não-indicação de voto nas presidenciais?
O PS deu liberdade de voto na primeira volta das presidenciais aos seus militantes, apelou à sua participação activa na candidatura da sua preferência, apelando a que haja uma convergência em torno da candidata ou do candidato da área do PS que passe à segunda volta.
A divisão do PS entre Maria de Belém Roseira e Sampaio da Nóvoa: isso não beneficia Marcelo Rebelo de Sousa?
Marcelo Rebelo de Sousa está longe de obter um resultado vencedor à primeira volta e essa dispersão de votos entre a dr.ª Maria de Belém e o dr. Sampaio da Nóvoa só pode significar que a qualidade de ambas as candidaturas tem sido suficientemente atractiva das portuguesas e dos portugueses.
Como vê a oposição interna à solução de Governo à esquerda?
O que verifiquei foi um enorme apoio à solução que propus quer na comissão política quer na comissão nacional, sem prejuízo de que é normal num partido aberto, democrático, plural como o PS, que haja algumas pessoas que prefeririam outro tipo de solução, designadamente que o PS tivesse viabilizado um Governo da direita, mas a esmagadora maioria dos socialistas, não tenho dúvidas, vê-se nesta posição de apoio a um Governo do PS.
"Não temos condições financeiras para eliminar integralmente a sobretaxa"
07/12/2015 - 07:27
PÚBLICO: O programa do PS previa a redução da sobretaxa de IRS para 1,75% em 2016 e eliminação em 2017, o PCP e BE querem eliminação imediata. Qual será a solução para ultrapassar o impasse?
António Costa: Essa questão ainda está a ser trabalhada na AR. Nós, infelizmente, não temos condições financeiras para eliminar integralmente a sobretaxa para todos os contribuintes e, portanto, entre a eliminação de metade em 2016 e outra metade em 2017 ou, sem uma diminuição superior de receita, poder haver uma eliminação variável, em função do escalão de rendimento, há várias soluções possíveis e estão a ser trabalhadas de forma a poder beneficiar o mais rapidamente possível um maior número de contribuintes, mas dentro daquilo que são os limites da capacidade financeira do Estado.
O Governo anterior fez um bom trabalho a consolidar as contas públicas?
Sobre o Governo anterior já disse o que tinha a dizer e o ponto de partida também está claro, quer o Instituto Nacional de Estatística quer a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da AR divulgaram o retrato do estado do país à data que este Governo iniciou funções. Esse é o nosso ponto de partida, e não vou dedicar o meu futuro a falar do passado, vou-me dedicar a fazer aquilo que os portugueses esperam que eu faça, que é resolver os problemas que existem e evitar criar novos problemas para o futuro.
Naturalmente, há imensos problemas para serem resolvido, mas pelo menos o problema das contas públicas terá ficado resolvido?
Acha?!
Pergunto. Não sei.
Recomendo que leia o relatório da Unidade Técnica e até o próprio discurso que o Governo anterior fez sobre a necessidade de prosseguir o trabalho de consolidação das contas públicas, que, obviamente, não se pode dar por concluído quando a dívida pública está próxima de 130% do PIB, ou seja, mais do dobro do que está previsto nos tratados da EU.
O PS não tem falado do défice estrutural, prevê que ele aumente com as medidas do Governo?
Assim que o OE 2016 for aprovado, terão resposta para todas essas questões. E, quando fixamos como objectivo o cumprimento das regras vigentes na UE, temos em conta, naturalmente, que elas abrangem também o défice estrutural.
Que reformas estruturais ou agenda reformista é possível fazer ou ter com um Governo minoritário?
A sua pergunta demonstra como a expressão reforma estrutural foi poluída ideologicamente pela direita. Portanto, só é capaz de conceber como reformas as reformas da direita. O nosso programa é muito reformista, não tem é as reformas da direita. As reformas que são necessárias não são as da direita. A direita acreditou que, baixando salários e destruindo direitos laborais, o país se tornava competitivo. A verdade é que o país andou 30 anos para trás em matéria de investimento e regrediu nos índices de competitividade. Nós temos uma agenda reformista. Em que enunciamos as reformas que é necessário fazer na área da educação, da formação, da modernização científica e tecnológica, na reforma da Administração Pública e do sistema de Justiça, nas políticas de emprego. Essas são as reformas necessárias para melhorar as políticas de emprego. O que não subscrevemos são as ilusões que a direita alimentou de que essa agenda ideológica contribuiria para melhorar a competitividade. Não contribuiu para a competitividade, para o crescimento, para defender as empresas, a única coisa para que contribuiu foi para o empobrecer o país, destruir emprego e destruir empresas.
Ao comprometer-se com o PCP e o BE a não mexer nos impostos, pensões e salários, não fica o Governo manietado caso seja preciso apertar o cinto, se houver uma derrapagem do défice?
Não sei se percebeu bem o objectivo deste Governo. Não é prosseguir com outras caras a política do anterior Governo. O nosso objectivo é mudar de política, e ela passa por termos instrumentos de política distintos dos que foram empregues pelo anterior Governo. A austeridade além da troika, que tanto entusiasmou o anterior Governo, confirmou ser absolutamente improdutiva no seu objectivo de consolidação das finanças. Hoje devemos mais do que devíamos, temos menos riqueza, o que temos é mais pobreza e mais desemprego. O que temos de fazer é relançar a economia, aumentar o rendimento disponível das famílias, melhorar as condições de investimento das empresas, de forma a podermos ter uma estratégia de mais crescimento, maior emprego, maior igualdade que permita uma consolidação saudável e sustentável das finanças públicas.
Mas não consegue controlar a economia, pode sofrer um choque externo, que instrumento terá na sua mão se tiver de contrair a despesa?
É como um automóvel. Não há automóveis só com travão, nem só com acelerador.
Qual é o seu travão?
É preciso conduzir. Governar não é ligar o piloto automático. Temos de ir aplicando o programa, indo vendo os resultados, doseando, respondendo. O que eu respondo é pelo programa que temos e pela trajectória que temos. Se me quer fazer a pergunta, perante factos absolutamente imprevistos e de natureza catastrófica que venham a atingir o país, naturalmente, e responsavelmente, o Governo adoptará as medidas que forem necessárias adoptar para responder a essas circunstâncias, mas não creio que estejam na ordem do dia.
07/12/2015 - 07:50
Como é que vai conseguir que o Estado mantenha a maioria do capital na TAP sem afectar a saúde financeira da empresa?
Teremos que negociar, iremos negociando, no respeito pela legalidade democrática, pelo princípio da continuidade do Estado, de acordo com o objectivo que temos, que é conhecido dos adquirentes e com quem estou convencido que chegaremos a um acordo que seja bom para todas as partes.
Já começaram a negociar?
Já.
E em relação à reversão das subconcessões dos transportes colectivos de Lisboa e Porto?
É simples, não há contrato nenhum, o Tribunal de Contas não visou um contrato que é absolutamente ilegal e neste momento estamos em negociações com quem temos de negociar, que é com a Câmara de Lisboa, de forma a pôr termo ao processo judicial que intentou oportunamente contra o Estado. Como sabe, foram processos absolutamente aventureiros, lançados em plena campanha eleitoral, com recurso, no caso do Porto, a um ajuste directo ilegal, um exercício arrogante do poder que levará à sua reversão e a fazer aquilo que sempre deveria ter sido feito, que é o entendimento com as autarquias.
Em Lisboa e Porto, quer que os transportes públicos sejam geridos a nível municipal, não é?
Sim. É o que consta do programa do Governo, que Lisboa e Porto não sejam uma excepção ao que consta da Lei das Autarquias Locais, a gestão dos transportes públicos é uma competência municipal.
Esta reversão de processos da TAP e dos transportes não teme que cause má imagem junto dos investidores, nacionais e estrangeiros, numa altura em que é necessário investimento?
O que causa muito má imagem certamente é o facto de, em ano de eleições e em plena campanha eleitoral, e no caso da TAP já depois do próprio Governo ter sido demitido, o Governo ter decidido avançar em confronto contra aquilo que sabia que era a posição maioritária das forças políticas e dos portugueses relativamente a processos que não tinham a menor consistência política para poderem avançar.
O PS sempre acusou o Governo anterior de gerir mal o dossier da resolução e venda do Novo Banco, o sr. António Costa usou a palavra "desleixo" para se referir a este processo. Mário Centeno, na AR, quando questionado pelo BE, diz que a responsabilidade é do BCE e do Banco de Portugal (BdP). Não há uma aparente contradição?
Não foi bem isso.
E o que vai acontecer ao banco?
O que tenho a dizer é que, neste momento, estamos a trabalhar em conjunto com o BdP para assegurar a estabilidade do funcionamento do sistema financeiro português e responder às questões que se colocam nas instituições bancárias onde é necessário assegurar intervenções para a estabilidade do sistema financeiro.
Catarina Martins disse que o Governo não pode esconder-se atrás do BdP.
Estou de acordo, não nos esconderemos, estamos a trabalhar com o BdP e assumiremos todas as responsabilidades que nos competem.
Como viu a contratação de Sérgio Monteiro?
O que tinha a dizer sobre essa matéria já o disse ao senhor governador do Banco de Portugal e não me parece que fosse boa prática discorrer em público sobre as conversas que mantenho com o senhor governador do BdP.
Mantendo-se Sérgio Monteiro, o Governo vai ter de trabalhar com ele?
Sobre essa pergunta creio que já respondi à sua colega.
“Ninguém queira transformar a Concertação Social numa Câmara Alta”
PÚBLICO: Quer finalmente explicar como vai poupar mil milhões durante quatro anos com as prestações não-contributivas da Segurança Social?
António Costa: Vamos lá a ver de uma vez por todas essa questão. Primeiro, o Governo não prevê poupar mil milhões de euros de prestações. O Governo publicou um quadro no qual prevê o impacto conjunto das medidas sobre diferentes rubricas orçamentais, sendo que, em algumas rubricas orçamentais, a despesa diminui e noutras aumenta. O que diz em relação às prestações de natureza não-contributiva resulta do facto da aplicação do conjunto do programa que prevê o aumento do Rendimento Solidário para Idosos, do Rendimento Social de Inserção, do Salário Mínimo Nacional, da criação do Complemento Salarial Anual, do descongelamento das pensões, da revisão dos abonos de família, portanto, do conjunto global de toda a despesa social, isso significa que algumas contribuições terão um custo diminuído. Um exemplo óbvio: se houver mais empregados, haverá menos beneficiários do subsídio de desemprego.
E essa despesa cai.
O conjunto da despesa social aumenta. E há uma mentira que a direita vendeu que é a ideia de que iríamos cortar prestações sociais. Essa mentira não contraria a realidade. O Governo que cortou prestações sociais foi o Governo da direita, este Governo será o que reporá as prestações sociais.
Quem tem hoje uma prestação social não-contributiva, nomeadamente o subsídio de desemprego, se mantiver a mesma condição, não vai ter cortes durante a legislatura?
Não. Uma pessoa que continua, infelizmente, a necessitar de uma prestação continuará a receber a prestação. O impacto que foi medido resulta do facto de que, com as medidas de política económica e social que temos previsto aplicar, muitas pessoas deixaram de beneficiar de prestações que hoje beneficiam, não porque elas sejam cortadas, mas porque felizmente deixarão de necessitar.
Como vai avançar com a diversificação das fontes da Segurança Social?
Em resultado das negociações com o PCP, o BE e o PEV, essa matéria foi retirada do programa do Governo e foi remetida para uma análise posterior, designadamente no quadro da concertação social. Por isso saiu a referência ao imposto sucessório, a referência às alterações à Taxa Social Única. Serão estudadas posteriormente no quadro da concertação social e da negociação que prosseguirá entre os dois partidos.
Outra questão que foi remetida para esse grupo de trabalho foi o despedimento conciliatório?
Era a rescisão conciliatória, é diferente. Era alterar as rescisões amigáveis que existem hoje para um contexto mais favorável, porque não o impediria de receber subsídio de desemprego e teria um aumento significativo da respectiva indemnização. É matéria que hoje também está fora do Programa de Governo, fruto das negociações.
O ministro das Finanças disse à Renascença que a rescisão conciliatória podia ser debatida no debate sobre combate à precariedade.
E pode ser. Mas neste momento não consta do programa do Governo. O que consta é a constituição de um grupo de trabalho para a definição de uma estratégia nacional de combate à precariedade, onde serão analisadas várias propostas. Essa é uma, mas não recebeu até agora o consenso dos outros partidos e nós não podemos impor uma solução para a qual não temos maioria.
07/12/2015 - 07:35
Como vê as críticas de que os acordos à esquerda vão esvaziar a concertação social, nomeadamente porque os partidos à esquerda do PS a secundarizam e preferem o debate político parlamentar?
Sem sentido. Consta do programa de Governo a valorização da concertação social. Está já marcada uma reunião da comissão permanente para discutir a actualização do salário mínimo nacional, que é uma matéria da competência do Governo, ouvidos os parceiros sociais. O nosso primeiro documento, a Agenda para a Década, apresentámo-lo aos parceiros sociais, a quem propusemos um acordo estratégico na concertação social. E queremos dinamizar o diálogo social, não só em sede de concertação, como desbloqueando a contratação colectiva e favorecendo o diálogo social ao nível das empresas. Não estamos disponíveis é para nos escudarmos na concertação social para adiar ou não tomar as decisões que devem ser tomadas. Tal como não temos uma visão limitada do diálogo político ao "arco da governação", também não temos o diálogo social limitado às confederações patronais mais uma confederação sindical. Quando falamos, falamos com todas e empenhamo-nos de igual modo com todos.
Por que fala de uma só associação sindical?
Porque o que eu tenho visto habitualmente descrever-se era um país imaginário onde toda a representação social na concertação social se resolvia em torno da UGT e das confederações patronais, e depois a AR era assim uma espécie de órgão menor que funcionava como câmara de compensação dos insucessos da CGTP na concertação social. Ora a AR é a assembleia representativa dos cidadãos portugueses, é um órgão de soberania, com total e plena legitimidade democrática, é a única instituição parlamentar da República portuguesa. A concertação social tem o seu papel, que não diminuímos e é essencial, queremos dinamizá-la, da mesma forma como queremos desbloquear a contratação colectiva e fomentar o diálogo social a todos os níveis, agora ninguém queira transformar a concertação social numa Câmara Alta com poder de veto sobre as decisões da AR.
E em relação ao salário mínimo?
Temos uma proposta e vamos ouvir os parceiros sociais. Há parceiros sociais que consideram insuficiente, há parceiros sociais que consideram excessivo. Estamos disponíveis para ouvir, mas, insisto, não será por ausência de acordo na concertação social que o Governo deixará de tomar as decisões que tem de tomar em matéria de fixação de salário mínimo e a nossa proposta é conhecida.
Não é estranho chegar à concertação social com a proposta fechada de 600 euros para a legislatura?
Acha estranho? Eu não acho. Acho que é uma acção normal da parte do Governo. Vamos ouvir os parceiros sociais.
Está disposto a mudar os 600 euros?
Estamos disponíveis para ouvir a concertação social e decidiremos em conformidade.
João Proença é um bom nome para presidir ao Conselho Económico e Social?
É prematuro analisar essa questão.
Como vai conseguir a paz social com a CGTP? Arménio Carlos disse ao PÚBLICO que há um grande risco de esta "coligação" falhar se o Governo não cumprir todas as promessas que fez.
E por que é que o Governo não há-de cumprir aquilo a que se comprometeu?
Por uma questão orçamental.
Mas assumimos os compromissos tendo feito as contas.
Estão greves anunciadas.
A sua ideia é que eu deva proibir o direito à greve? Há um programa de Governo aprovado na AR, que iremos executar. Agora não compete ao Governo nem limitar, nem se enervar com o exercício do direito à greve, é um direito normal, quem o exerce assume a responsabilidade do seu exercício.
Mas não o preocupa que já haja greves convocadas, nomeadamente nos transportes?
Eu não. Cabe cumprir o que está no programa do Governo e respeitar o exercício normal da vida democrática. Tal como é normal os cidadãos terem direito a voto, tal como é normal a Assembleia da República encontrar maiorias que viabilizam governos, tal como é normal o PR exercer as suas competências, tal como é normal os tribunais exercerem com independência o seu poder judicial, é normal também os sindicatos recorrerem à greve quando entendem que têm razões para o fazer, agora não me compete a mim julgar a acção dos sindicatos.
*
Estamos perante um primeiro-ministro que vai reverter as concessões nos transportes colectivos de Lisboa e Porto e a reprivatização da TAP, apesar dos prejuízos crónicos dessas empresas enquanto forem mantidas na esfera pública.
Que adia medidas indispensáveis para consolidar a credibilidade externa do País e atrair investimento externo para não perder o apoio do BE e do PCP, partidos que recusaram participar no Governo para poderem continuar a protestar e a crescer à custa do PS.
Que finge ser possível implementar as reformas estruturais de que o País carece, como seja o financiamento da Segurança Social, recorrendo unicamente à negociação.
Que mente descaradamente ao dizer que os eleitores que votaram no PS sabiam que iria fazer uma aliança parlamentar com os partidos da extrema-esquerda se perdesse as eleições.
Que vai provocar milhares de milhões de euros de aumento imediato da despesa com a descida das taxas moderadoras na saúde, a descida das portagens nas auto-estradas, a reversão das concessões nos transportes e da privatização da TAP, com a reposição dos cortes salariais na administração pública e a criação de mais uma prestação social — o Complemento Salarial Anual. E que diz tudo poder compensar com uma hipotética futura recuperação económica.
Um discurso de arrivista próprio de quem não tem preocupações éticas e que não se importa de enganar os portugueses e empurrar o País para um novo descalabro financeiro para poder chegar a primeiro-ministro e conseguir a sua sobrevivência política, após ter perdido eleições contra uma coligação PSD/CDS que acabara de aplicar 4 anos de austeridade.
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