Em 2014, as famílias pagaram 930,8 milhões de euros pela sobretaxa do IRS, mas este valor foi pago de forma muito assimétrica, pelo que a classe média vai ter um abrandamento inferior ao prometido por António Costa na campanha eleitoral.
As estatísticas já foram enviados ao parlamento pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, e não deixam margem para dúvidas.
Os números revelam que os 5,1 milhões de agregados familiares que entregaram declaração de IRS, em 2014, pagaram 930 milhões de euros de sobretaxa. Este valor foi, porém, suportado de forma muito assimétrica.
Os agregados familiares com rendimentos colectáveis até 7.000 euros, nesse ano, foram 3,5 milhões, ou seja, 68% do total. São mais de dois terços dos contribuintes mas pagaram apenas 2 milhões de euros, o que dá uma média de 67 cêntimos.
O segundo escalão, com rendimentos colectáveis entre 7.000 e 20.000 euros, inclui 1,15 milhões de agregados familiares. Pagaram, em média, 248 euros anuais.
O terceiro escalão, com rendimentos colectáveis entre 20.000 e 40.000 euros, pagou, em média, 1.049,4 euros anuais.
O quinto e último escalão, que abrange as famílias com mais de 80.000 euros de rendimento colectável, contribuiu, em média, com 6.206,7 euros. Contudo atinge um número muito reduzido de contribuintes, apenas 0,23% do total — cerca de 12.000 agregados familiares.
Donde se pode já tirar duas conclusões: primeiro, as negociações do PS, BE e PCP para isentar de sobretaxa o escalão de rendimentos mais baixo não tem efeito no bolso destes contribuintes porque já pagam pouco ou nada; a outra é que não serão apenas os "ricos" que sairão prejudicados pelo facto de António Costa não cumprir a sua promessa eleitoral.
Classe média de novo na berlinda
Diz o Negócios que a distribuição da sobretaxa por escalões de rendimento não é surpreendente, uma vez que segue a distribuição habitual da cobrança de IRS. E que põe em evidência o problema central quando se tenta alterar os escalões e taxas de IRS sem perda de receita: como os níveis de rendimento em Portugal são baixos, quando se procura beneficiar os contribuintes do primeiro escalão acaba-se sempre por castigar a classe média.
É o que vai, certamente, acontecer neste caso. A proposta original do PS previa que a sobretaxa baixasse, para todos, de 3,5% para os 1,75%.
Como o PCP exige que haja uma descida diferenciada por escalão, milhares de contribuintes terão de pagar mais de 1,75% para não se perder receita face ao cenário original. E não serão apenas os contribuintes mais ricos porque este grupo, embora pague muito, é pouco numeroso.
A segunda conclusão que se retira destas estatísticas é que eliminar a sobretaxa de IRS no primeiro escalão de IRS — um rendimento colectável até 7.000 euros, por ano, equivale a 500 euros por mês — pode parecer uma medida socialmente muito justa, mas tem pouco impacto ou nenhum. A sobretaxa actual já isenta os rendimentos até ao valor do salário mínimo, o que não só deixa de fora os rendimentos mais baixos, como lhe confere características progressivas.
A solução final ainda está a ser negociada, com as propostas de alteração a darem entrada até ao dia 14 de Dezembro e a serem votadas no dia seguinte.
Esta solução refere-se à sobretaxa de 2016, que será cobrada ao longo do próximo ano através das retenções na fonte, e será alvo de um acerto final aquando da entrega da declaração de IRS no início de 2017.
Coisa diferente é a devolução parcial da sobretaxa de 2015 que, caso a receita fiscal corresse bem, o governo PSD/CDS iria devolver em 2016.
Sobretaxa só representa 20% do enorme aumento de impostos
Nas recentes eleições legislativas de 4 de Outubro, os partidos políticos colocaram a sobretaxa de IRS no centro das suas promessas eleitorais. No entanto, segundo o Negócios, a sobretaxa é apenas uma gota no enorme aumento de IRS que os portugueses passaram a suportar a partir de 2010.
Na verdade, a sobretaxa só representa 20% de todo o aumento de IRS. A fatia de leão foi conseguida através da alteração dos escalões e taxas de IRS — António Costa já disse que vai mantê-los em 2016 — e pelos cortes nas deduções à colecta, nomeadamente na área da saúde e dos juros com o crédito à habitação.
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A sobretaxa incide sobre o rendimento colectável — rendimento bruto diminuído pelas deduções específicas — que excede o salário mínimo, depois de retirada a colecta de IRS. Se a maioria da população empregada ganha o salário mínimo e a classe alta é pouco numerosa, era óbvio que a sobretaxa afectava sobretudo a classe média.
Caro leitor, quer saber quanto pagou de sobretaxa?
Não, não é o valor inscrito na linha 26 do quadro da Demonstração de Liquidação de IRS que o serviço de Finanças lhe enviou.
Veja, no campo SOBRETAXA EXTRAORDINÁRIA, o valor calculado em Base.
António Costa jogou com o desconhecimento da classe média sobre as estatísticas fiscais para obter votos.
A opinião dos outros:
Esquerdolas da treta
04 Dezembro 2015 - 19:08
Afinal o Costa anda a anunciar o quê? Que vai devolver-me 67 cêntimos? Ora deixa-me rir para não chorar.
Anónimo
04 Dezembro 2015 - 21:28
Sempre os mesmos. O PCP não está interessado na classe média, pois aí não tem eleitorado. Boa PS, vais no bom caminho do desaparecimento.
Miguel Costa @ Facebook
04 Dezembro 2015 - 22:48
O maior "roubo" foi ao nível do IRS e esse parece que ficou para o ano de 2017. E nem isso sabemos. Conclusão simples: muda o governo, continua a roubalheira. Ainda bem que acabou a austeridade... Aleluia, aleluia.
virar a pagina da austeridade
03:26
Virar a página da austeridade, diz o Costa. Os reformados já têm mais 80 cêntimos e os contribuintes mais 67 cêntimos da sobretaxa do IRS. Grande Costa! Já valeu a pena a golpada que deu para assaltar o poder.
Atento
16:13
Mas a esquerda, alimentada pelos jornais, é que passa sempre a mensagem que a direita corta nos mais desfavorecidos. Triste sina a nossa...
João G
21:39
Claro! A comunicação social denuncia estas habilidades do PS em notas de rodapé. O que passa para o "povo" é que as pensões vão ser descongeladas (1,9€, no máximo, para quem recebe 628€) e a sobretaxa vai acabar (cerca de 67 cêntimos anuais para quem ganha pouco mais de 500€ por mês).
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Actualização em 15 de Dezembro
Rendimentos colectáveis abaixo de 20 mil euros pagam uma sobretaxa inferior aos 1,75% inicialmente propostos pelo PS. Acima de 40 mil euros pagam mais do que 1,75%.
PS, BE e PCP chegaram a um pré-acordo, com reticências da parte do PCP, quanto aos valores da sobretaxa a cobrar no ano 2016.
Era previsível e vai acontecer: a sobretaxa desaparece para os rendimentos colectáveis inferiores a 7 mil euros, onde rendia apenas 2 milhões de euros porque pouquíssimos contribuintes pagavam sobretaxa.
Os agregados familiares do segundo escalão serão realmente beneficiados que relação à proposta inicial do PS. Para estes, com rendimentos colectáveis entre 7 mil e 20 mil euros, a sobretaxa deverá descer para 1% e não será uma medida fictícia.
No terceiro escalão, entre 20 mil e 40 mil euros, a taxa prevista é de 1,75%, cumprindo a promessa eleitoral do PS.
Para o quarto escalão — rendimentos colectáveis entre 40 mil e 80 mil euros — a taxa deverá ser 3%. Este valor supera a proposta do PSD e do CDS para estes agregados familiares, o que deverá suscitar críticas dos partidos da oposição porque atinge ainda a classe média. E os contribuintes que votaram PS vão sentir-se enganados.
A sobretaxa para o escalão da classe alta — rendimentos colectáveis anuais acima de 80 mil euros — continuará a ser 3,5%.
"A redistribuição nunca é um almoço grátis"
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, confirmou estes valores e reconheceu que "a redistribuição nunca é um almoço grátis", pelo que há quem fique prejudicado face à promessa eleitoral do PS.
Fernando Rocha Andrade confirmou também que esta proposta não é neutra do ponto de vista orçamental, isto é, custará mais dinheiro do que o inicialmente previsto. A redução de receita será 431 milhões de euros, portanto mais 35 milhões do que reduzindo a sobretaxa para metade.
Além disso, o aumento do salário mínimo para 530 euros terá consequências na receita da sobretaxa, em 2016. Na verdade, a taxa multiplica o rendimento colectável subtraído do valor anual do salário mínimo. Logo, não só as famílias com rendimentos colectáveis até
530x14 = 7420
7420 euros ficarão isentas de sobretaxa de IRS, como a fórmula de cálculo beneficia também as outras.
Considerando o futuro salário mínimo no cálculo da sobretaxa, pode concluir-se que a nova sobretaxa trará apenas 445 milhões de euros¹ aos cofres do Estado, portanto a redução na receita vai ascender a 485 milhões de euros.
Uma perda de receita deste valor terá consequências graves. Ou terão de ser aumentados os impostos ou o défice público subirá acima dos 3% e avolumar-se-á o cortejo de sacrifícios que os portugueses estão a suportar desde Janeiro de 2011.
Nota:
- A partir do gráfico relativo a 2014, conhecemos a sobretaxa média por escalão, s. Como
s = (r - 505x14)x3,5%
pode obter-se o rendimento colectável médio por escalão r = s/3,5% + 7070.
A partir do quadro relativo a 2016, calcula-se a sobretaxa dos n agregados do escalão de taxa t,
n(r - 7420)t
soma-se para os quatro escalões que vão pagar sobretaxa em 2016 e obtém-se 445 milhões de euros.
Quem saiba trabalhar com um somatório calcula o valor da sobretaxa, em 2016, assim:
∑n(r - 7420)t = ∑n(s/3,5% + 7070 - 7420)t = ∑n(s/3,5% - 350)t = €445 milhões