sexta-feira, 24 de julho de 2015

O dia em que Ricardo Salgado ficou em prisão domiciliária


No passado dia 20 de Julho, o ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) foi interrogado pelo Ministério Público e constituído arguido no âmbito das investigações relacionadas com o denominado processo Universo Espírito Santo.

"Na sequência desse interrogatório, o Ministério Público, tendo em vista a aplicação de medida de coacção diversa do termo de identidade e residência, apresentou um requerimento para que o arguido fosse presente ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), o que aconteceu durante o dia de hoje", indica o comunicado hoje difundido pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Até agora, “foram constituídos seis arguidos no âmbito destas investigações, nas quais está em causa a suspeita da prática de crimes de falsificação, falsificação informática, burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal, corrupção no sector privado e branqueamento de capitais”.

Dois deles — Isabel Almeida, ex-directora financeira do BES, e António Soares, ligado à administração do BES Vida — foram constituídos arguidos em Novembro de 2014, durante uma mega operação de buscas que incluiu uma visita à sede do Novo Banco e às actuais instalações do BES. Agora foi a vez de Ricardo Salgado. Não é conhecida a identidade dos três restantes.

Quando o Ministério Público constitui alguém como arguido, fica obrigatoriamente determinado o termo de identidade e residência. Todas as outras medidas de coacção — caução; obrigação de apresentação periódica; suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; proibição de permanência, de ausência e contactos; prisão domiciliaria ou prisão preventiva — têm de ser aplicadas por um juiz.

Em consequência do requerimento do Ministério Público, Ricardo Salgado esteve a ser ouvido, esta sexta-feira, pelo juiz Carlos Alexandre do TCIC.

Há precisamente um ano, a 24 de Julho de 2014, Ricardo Salgado foi detido para prestar declarações perante o juiz Carlos Alexandre no âmbito do processo Monte Branco que está centrado num esquema de fuga ao fisco e branqueamento de capitais.

Os arrestos preventivos

De acordo com a PGR, estão a decorrer 78 inquéritos — 5 autónomos de maior dimensão e 73 inquéritos a eles apensos. Estes últimos "respeitam a queixas apresentadas por pessoas que se consideram lesadas pela actividade desenvolvida pelo BES e pelo GES".

O interrogatório de hoje a Ricardo Salgado é um momento mais visível de uma investigação iniciada há um ano e que, desde há oito meses, passou a eleger grandes buscas policiais tendo como alvo o arresto de bens para pagar eventuais indemnizações futuras aos lesados.

Segundo um documento obtido pelo Expresso, estas indemnizações estão estimadas em cerca de 1,8 mil milhões de euros, sendo 200 milhões de euros relativos a papel comercial ESI [Espírito Santo Internacional], 800 milhões de euros relativos a mais valias com as operações com as obrigações BES de cupão zero, 256 milhões de euros relativos à recompensa pelo BES de dívida própria e 379 milhões de euros relativos a papel comercial da RioForte, em retalho.

As três grandes buscas policiais no âmbito da operação Universo Espírito Santo foram assim noticiadas, no mês passado, por este jornal:
A primeira ocorreu em Novembro passado. Os investigadores foram a casa de Ricardo Salgado [em Cascais, assim como às casas de férias da família na Herdade da Comporta, no litoral alentejano] e a 39 outros locais, entre eles às residências e escritórios de ex-administradores do BES. Mais de 200 investigadores montaram uma investigação considerada inédita. (...)

Há um mês, vários investigadores da Polícia Judiciária fizeram uma busca à sede da empresa Espírito Santo Property, sociedade do Grupo Espírito Santo dedicada ao investimento em imobiliário. Com esta operação, percebeu-se com maior clareza a estratégia da investigação. (...)

Foram então apreendidos mais de 500 bens que pertencem a Salgado e ao universo da família Espírito Santo: Quinta da Penha, residências do Estoril Palácio Hotel, moradias da Quinta Patino estiveram entre as apreensões das autoridades.

A PGR não deixava margem para dúvidas: “O arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial que visa impedir uma eventual dissipação de bens que ponha em causa, em caso de condenação, o pagamento de quaisquer quantias associadas à pratica do crime, nomeadamente a indemnização de lesados ou a perda a favor do Estado das vantagens obtidas com a actividade criminosa.

Desta vez, os arrestos preventivos envolvem recheios de casas, escritórios, barcos [um ancorado em Cascais e outro em Tróia], carros, dinheiro, ouro e jóias de pessoas ligadas ao universo Espírito Santo, numa mega operação policial que investiga eventuais crimes de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

As buscas desta manhã decorreram em vários pontos do país em casas particulares e escritórios de ex-administradores do grupo. Algumas casas de Ricardo Salgado terão sido alvos dos inspectores, bem como vários imóveis de Amílcar Morais Pires e de José Manuel Espírito Santo.

O Expresso sabe que uma quinta situada em Sobral de Monte Agraço que pertence a Morais Pires foi alvo destas buscas. Além dos três ex-homens fortes do universo Espírito Santo, também Isabel Almeida, ex-directora financeira do BES, está no foco desta operação. Mas não haverá mais ex-administradores do grupo sob suspeita.

Depois de divulgado o arresto de bens, o Correio da Manhã e a TVI noticiaram que foram confiscados entre 500 e 600 imóveis do Grupo Espírito Santo (GES) e milhões de euros de produtos bancários, num valor total superior a 1 milhar de milhões. A maioria dos imóveis serão prédios rústicos e urbanos pertencentes à Rioforte — holding não-financeira do GES — que também é dona da Herdade da Comporta.

Na base deste processo está uma queixa-crime apresentada pelo Banco de Portugal após finalizar o relatório da auditoria forense sobre os actos da anterior gestão do BES liderada por Ricardo Salgado. O próprio BES, que ficou com os activos tóxicos do banco, tornou-se assistente do Ministério Público, tendo apresentado uma queixa-crime por infidelidade contra vários dos seus ex-administradores.

A Polícia Judiciária (PJ) terminou ontem mais uma operação de buscas, agora na ESEGUR, uma empresa de segurança que se dedica ao transporte de valores, onde o BES detinha quase metade das acções que agora são propriedade do Novo Banco (44%) e da Gestres – Gestão Estratégica Espírito Santo (6%). Os restantes 50% pertencem à Caixa Geral de Depósitos.
Durante esta operação, os inspectores da PJ apreenderam inúmeros documentos e centenas de quadros no cofre da empresa que serão propriedade do Grupo Espírito Santo.



25/07/2015 - 16:05



Actualização em 26 de Julho

Ricardo Salgado esteve a ser interrogado pelo juiz Carlos Alexandre, desde as 9h30 da manhã até perto das 22h desta sexta-feira.

Já na madrugada de sábado Francisco Proença de Carvalho, um dos seus advogados, anunciou aos jornalistas que o antigo presidente executivo do BES fica em prisão domiciliária, medida que considera desproporcional: "No nosso entendimento, trata-se de uma medida bastante desproporcional. É também esse o entendimento de todos os agentes processuais que estão neste processo. Vamos apresentar seguramente um recurso."


25 Jul, 2015, 20:29


25 Jul, 2015, 20:35


Na verdade, os procuradores titulares do processo que investiga o colapso do BES e do Grupo Espírito Santo pediram apenas que o ex-banqueiro ficasse proibido de se ausentar do país e de contactar com algumas pessoas. E até propuseram que a caução de três milhões de euros, prestada no processo Monte Branco, fosse afectada a este processo.
A prisão domiciliária de Ricardo Salgado foi decretada pelo juiz de instrução, Carlos Alexandre, que considerou que as sugestões do Ministério Público não acautelavam os perigos existentes, nomeadamente o perigo de fuga.

A reforma penal de 2007 vedava expressamente a possibilidade do juiz de instrução, — considerado em certos manuais de Direito Penal como o juiz da liberdade e das garantias — aplicar uma medida de coacção mais gravosa que a pedida pela entidade que dirige a investigação — o Ministério Público.
A reforma de 2010 eliminou aquela restrição, mas limitou o poder do juiz de instrução a duas situações: perigo de fuga ou risco de continuação da actividade criminosa.

Ao início da tarde deste sábado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou, em comunicado, quais os crimes pelos quais Ricardo Salgado está indiciado: burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, fraude fiscal qualificada, corrupção no sector privado e branqueamento de capitais.
Além da prisão domiciliária, sem pulseira electrónica, o juiz decidiu ainda como medidas de coacção a aplicar ao antigo presidente do BES a proibição de contactos com os restantes arguidos no processo. Medidas assim justificadas no comunicado: "As medidas de coacção foram aplicadas com fundamento na existência de perigo de fuga e de perigo de perturbação do inquérito e da aquisição e conservação da prova."



25/07/2015 - 22:46

26 Jul, 2015, 13:46


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Ser arguido no processo Monte Branco já constituía um sério desaire para Ricardo Espírito Santo Salgado.

Era previsível que as investigações ao universo Espírito Santo trouxessem grandes infortúnios aos membros da família Espírito Santo e, sobretudo, a Ricardo Salgado sobre cujos ombros todos os outros arguidos fizeram o favor de alijar a responsabilidade dos crimes cometidos.
Contudo o denominado processo Universo Espírito Santo não podia começar pior para Salgado que, desde já, passa a sofrer a privação da liberdade.

Apesar de ter subsidiado todas as campanhas presidenciais desde a década de 1990, já tinha percebido que não podia contar com um Cavaco Silva em fim de mandato e despojado de poder político.
O juiz Carlos Alexandre, liberto da pressão mediática exercida pelo seu arqui-inimigo Mário Soares, agora abatido pela morte da mulher, começou a apertar o cerco em torno do antigo presidente executivo do BES.

Vai custar caro a Ricardo Salgado, e a toda a família Espírito Santo, não ter cedido a presidência executiva do BES ao primo José Maria Espírito Santo Ricciardi, no final de 2013.
Ao escolher Ricciardi para consultor financeiro, em vez de Salgado, Pedro Passos Coelho pôs fim ao domínio da política portuguesa pelos Espíritos Santo. Premonição ou acaso? Só o primeiro-ministro conhece a resposta correcta. Mas, para conseguir baixar os défices públicos, Passos precisava de esmagar tantos lobbies poderosíssimos da sociedade portuguesa — autarcas, fundações, PPPs, empresas públicas deficitárias, "buracos" em bancos privados, ... — que, certamente, terá seleccionado meticulosamente os aliados.

Quando Ricardo Salgado pediu um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos para tapar o "buraco" de 1,3 mil milhões da Espírito Santo International — a holding do Grupo Espírito Santo —, Pedro Passos Coelho recusou liminarmente enterrar dinheiro dos contribuintes no grupo.

Entretanto a Haitong de Hong-Kong tornou-se dona do BESI, que continua a ser presidido por Ricciardi. Até Outubro, o Novo Banco estará vendido, provavelmente aos chineses da Anbang.
O desmantelamento do império do Grupo Espírito Santo está tão avançado e as subsequentes investigações dos crimes financeiros cometidos já atingiram tal profundidade que nem uma vitória do Partido Socialista nas legislativas deste Outono conseguirá fazer o tempo andar para trás e salvar a família Espírito Santo.

No entanto, será conveniente não esquecer que foi a privatização da EDP ganha pela estatal China Three Gorges que impediu o Governo de baixar as rendas aos produtores de energia eléctrica, provocando a demissão do secretário de Estado da Energia: Henrique Gomes queria baixar essas rendas para diminuir o peso das facturas da energia no orçamento das famílias e das empresas, tornando-as mais competitivas.

Fica, portanto, uma questão: será que os interesses defendidos pela ditadura chinesa em solo nacional vão ser menos nefastos para a população lusa do que os negócios derivados da promiscuidade estabelecida, durante duas décadas, entre os líderes dos partidos políticos portugueses com assento parlamentar e Ricardo Espírito Santo Salgado?


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