sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dia do Consumidor - II


Quatro dias depois, a inesperada campanha de 50% de desconto imediato, para compras superiores a cem euros, levada a cabo pela dona da cadeia de 369 lojas Pingo Doce continua a ser o acontecimento mais comentado a nível nacional.

Os representantes do eleitorado na Assembleia da República deram o mote interpelando ontem o governo sobre o magno assunto. Bloco de Esquerda, PCP e Verdes acusaram a dona do Pingo Doce de lançar uma campanha publicitária "ideológica" no Dia do Trabalhador e vão requerer uma audição parlamentar do ministro da Economia. O PS exigiu que a ASAE investigasse se se tratou de concorrência desleal com prejuízo da produção nacional. O PSD classificou as críticas de "ridículas".

A ministra da Agricultura, Assunção Cristas, agradeceu mais este presente dos céus (o outro foi a chuva que tem regado um país sequioso em resposta às suas preces): a capacidade financeira mostrada pela Jerónimo Martins para conseguir reduzir margens de lucro é a prova de que a grande distribuição tem meios para suportar a nova taxa de segurança alimentar e sanitária, aprovada recentemente pelo Governo.
Na Comissão de Agricultura, a ministra ainda garantiu aos deputados que vai introduzir novas leis para travar abusos e promoções inesperadas, quase sempre feitas à custa da redução das margens de lucro dos fornecedores. A Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) aplaudiu.

Depois vieram os especialistas em publicidade e marketing, com o presidente da Ivity a tentar passar a ideia que "nós, os seres humanos não acreditamos que uma coisa boa seja mais barata", quando os estudos de mercado mostram que a crise leva os portugueses a sentirem-se cada vez mais atraídos pelos descontos. É que o dinheiro também pode ter saído das verbas para publicidade da Jerónimo Martins, prejudicando os profissionais do sector...
Outros interrogam-se sobre o que os concorrentes Continente (Sonae), Auchan ou Intermarché vão fazer depois deste mega desconto. "Para a concorrência vai ser difícil igualar e repetir uma campanha destas. Exigirá mais e melhor. Mas resposta de certeza haverá. Um dos quatro "r" das promoções é "responder"", diz António Rosseau, um antigo director-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição durante dezanove anos, que elogia a "genialidade" da promoção numa perspectiva de estratégia de marketing.

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) avançou logo para o terreno e veio hoje apresentar resultados através de um comunicado divulgado no website:
"No âmbito das suas competências de fiscalização das actividades económicas, a ASAE iniciou no passado dia 1 de Maio uma averiguação sobre a campanha de desconto da cadeia Pingo Doce, com vista a verificar se existem indícios de vendas com prejuízo.
Hoje, dia 4 de Maio, após análise de centenas de documentos, foi entregue na Autoridade da Concorrência um processo sobre a matéria, havendo indícios do incumprimento de algumas disposições previstas no DL nº 370/93 de 29 de Outubro. O processo seguirá agora os trâmites legais para este tipo de situações.
"

Agora a Autoridade da Concorrência (AdC) vai decidir se houve ou não ilícito.
Neste momento, a AdC está a analisar 71 produtos suspeitos de terem sido vendidos pelo Continente abaixo do preço de custo, no âmbito de um cartão de promoção. A quantidade de produtos é tão elevada que o volume de facturas e contratos a analisar não permite ao regulador prever a data de tomada de decisão.
No caso do Pingo Doce, são todos os produtos a metade do preço...
De qualquer modo, a prática de venda com prejuízo é punida com coimas que no máximo chegam aos 14.963 euros, com um cúmulo jurídico até 30 mil euros.

O grupo Jerónimo Martins recusa ter vendido com prejuízo: fez "uma oferta" a quem fizesse compras no valor mínimo de cem euros, com o limite de 12 unidades de cada produto. A campanha "foi gerada pelo investimento do Pingo Doce" e "de alguns dos seus parceiros de negócio". Em média, os clientes compraram muito mais do que habitualmente, procurando os bens de primeira necessidade e os não perecíveis. "O balanço é positivo, considerando-se a acção como conseguida", conclui uma fonte oficial da empresa.
Pudera! Puseram 10 milhões de consumidores a falar dos supermercados Pingo Doce...

Preocupado com as consequências da campanha está também o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (CESP):
"No feriado, as outras lojas da concorrência não venderam nada. Mobilizaram trabalhadores e foi um fiasco total. Isso levanta um problema sério", diz o presidente do CESP para quem o Pingo Doce desferiu um golpe na concorrência que pode ser fatal: as empresas concorrentes têm de responder com campanhas similares, reduzindo margens de lucro ou diminuindo o número de trabalhadores.
Mas os funcionários da Jerónimo Martins que estiveram a trabalhar no 1º de Maio vão ter direito a fazer compras com 50% de desconto num dia à escolha entre 7 e 11 de Maio. E ganharam também uma folga adicional.


Reservámos para o fim as palavras do sociólogo Manuel Villaverde Cabral que encontra uma "ironia suprema" na campanha do Pingo Doce:
"Estas coisas não se podem fazer duas vezes. Foi fantástico do ponto de vista simbólico e metafórico. É o trabalhador versus consumidor, as duas qualidades estão na mesma pessoa. E hoje a segunda figura é mais importante."

Concordamos. Ao vermos a reacção dos trabalhadores até chamámos ao 1º de Maio português o Dia do Consumidor.


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