O jornal Público fez 26 anos e comemorou o aniversário com uma edição sobre a confiança. Das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal", escolhemos a do professor, médico e cientista Manuel Sobrinho Simões:
A medicina vai ser capaz de encontrar uma resposta para doenças como o cancro?
A medicina já encontrou forma de controlar diversos tipos de cancro, mesmo em estádios avançados. E é de esperar, com inteira confiança, que venha a ser capaz de controlar, no futuro, muitos outros. Estas são boas notícias a juntar à evidência de que a medicina, através da cirurgia, da endoscopia e da radioterapia, é já capaz de curar doentes com cancro desde que os tumores sejam diagnosticados em estádios precoces. Neste aspecto a situação continuará a melhorar, acompanhando o desenvolvimento excepcional da inovação nas tecnologias ligadas à saúde.
Embora a minha confiança no futuro seja, como se vê, enorme, os leitores mais atentos terão reparado na diferença dos verbos "controlar" e "curar". Vamos curar cada vez mais doentes com cancros em estádios iniciais, aproximando-nos dos cem por cento, mas provavelmente nunca seremos capazes de curar a maioria dos doentes com cancros avançados. O objectivo em relação a estes últimos é progredir na capacidade de controlar a doença, tornando-a uma doença crónica não mortal — ou com mortalidade muito adiada — que curse sem dar cabo da qualidade da vida dos doentes. Estou convencido — de novo a questão da confiança — que a medicina continuará a descobrir formas de se aproximar deste objectivo. Recentemente, por exemplo, começaram a obter-se resultados terapêuticos muito interessantes em algumas formas de cancro “avançado” com a chamada "imunoterapia" e é de esperar que os bons exemplos possam ser estendidos para outros tipos de doença cancerosa.
Sem pretender minar a crença no desenvolvimento (quase) imparável da medicina, valerá a pena recordar que o cancro é uma doença que surge a partir das células dos nossos tecidos, fruto de erros que ocorrem no ADN dos genes, como consequência da acção ambiental (hábitos, comportamentos…). Esses genes e essas células são nossos, isto é, o cancro é uma doença “de dentro” por oposição às doenças “de fora”, como as infecções. Em termos biológicos o cancro é quase uma inexorabilidade associada ao facto de sermos uma espécie que continua a evoluir e, ao mesmo tempo, a ficar cada vez mais longeva; daí a dificuldade em conseguir a sua cura, a não ser que seja extirpável. Daí também que seja difícil, ou mesmo impossível, “matar” um cancro avançado sem pôr em risco a vida do doente, o que justifica a importância que se atribui ao conceito de controlo como objectivo major do tratamento.
Manuel Sobrinho Simões
Director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup)
Director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup)
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