O Tribunal de Aveiro condenou hoje a penas de prisão todos os arguidos do processo Face Oculta, dos quais 11 irão cumprir penas de prisão efectiva, incluindo o ex-ministro Armando Vara e o ex-presidente da REN José Penedos.
O colectivo de juízes, presidido por Raul Cordeiro, deu como provado que Armando Vara, antigo ministro do governo Guterres e antigo vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos e do banco Millenium BCP, recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho como compensação pelas diligências empreendidas a favor das suas empresas. Foi condenado a uma pena única de cinco anos de prisão efectiva, em cúmulo jurídico, pelos três crimes de tráfico de influência de que estava acusado.
O ex-presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais) José Penedos era suspeito de ter transmitido informações privilegiadas ao seu filho, o advogado Paulo Penedos, para favorecer Manuel Godinho nos negócios com aquela empresa que então pertencia ao sector empresarial do Estado.
José Penedos foi condenado também a uma pena única de cinco anos de prisão efectiva, em cúmulo jurídico, por um crime de corrupção passiva, outro de corrupção activa e um crime de participação económica em negócio, enquanto o seu filho foi condenado a quatro anos de prisão efectiva por um crime de tráfico de influências.
O tribunal condenou ainda outros cinco arguidos que eram quadros da REFER e um da EDP Imobiliária — Abílio Silva Correia, Manuel Guiomar, João Tavares, Manuel Gomes, Afonso Costa e Paiva Nunes — a penas de prisão efectiva que variam entre os quatro anos e meio e os seis anos e meio.
O empresário Manuel Godinho foi condenado por 49 crimes de associação criminosa, corrupção activa, tráfico de influências, furto qualificado, burla qualificada, falsificação e perturbação de arrematação pública, com a soma das penas parcelares em 87 anos e 10 meses de prisão, resultando no cúmulo jurídico de 17 anos e meio de prisão efectiva.
Dos restantes oito arguidos do grupo empresarial de Manuel Godinho, apenas Hugo Godinho, sobrinho do sucateiro, foi condenado com uma pena de prisão efectiva (cinco anos e seis meses).
Todos os restantes arguidos foram condenados com penas de prisão suspensas, condicionadas ao pagamento de quantias entre os 3 mil e os 25 mil euros a instituições de solidariedade social, na área da respectiva residência.
Além das penas de prisão, o tribunal determinou que Manuel Godinho e vários arguidos terão de pagar solidariamente indemnizações cíveis à REFER, REN e Petrogal.
Quanto às sociedades SCI e O2-Tratamento e Limpezas Ambientais do grupo empresarial de Manuel Godinho, foram condenadas ao pagamento de multas de 162,5 mil euros e 80 mil euros respectivamente.
Os advogados de defesa dos principais arguidos manifestaram intenção de recorrer para o Tribunal da Relação do Porto.
A operação Face Oculta foi desencadeada pelo Departamento de Investigação Criminal de Aveiro para investigar uma alegada rede de corrupção que teria como objectivo o favorecimento de um grupo empresarial de Ovar, pertencente ao sucateiro Manuel Godinho, nos negócios com empresas do sector empresarial do Estado e outras entidades privadas.
O Ministério Público (MP) acusou 34 pessoas e 2 empresas de centenas de crimes de burla, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências.
Nas alegações finais, o MP tinha pedido a condenação de todos os acusados, defendendo a aplicação de penas de prisão efectivas para 16 arguidos, incluindo Armando Vara, José Penedos, Paulo Penedos e Manuel Godinho, e penas suspensas para os restantes.
Todos os advogados de defesa tinham pedido a absolvição dos arguidos por insuficiência de provas.
Os crimes provados estão descritos aqui.
Carlos Alexandre, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que decidiu enviar todos os 36 arguidos do processo Face Oculta para julgamento em Março de 2011.
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05/09/2014 - 14:41
Logo no princípio, o processo Face Oculta celebrizou-se quando o então primeiro-ministro José Sócrates foi apanhado em conversas com Armando Vara, durante as escutas a este, onde ambos planeavam o controlo da comunicação social. Escutas que deram origem a uma novela com vários episódios após a destruição ordenada por Noronha do Nascimento, então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, porque foram recolhidas sem sua autorização, e cujas transcrições foram cuidadosamente recortadas do processo com uma tesoura pelo então procurador-geral da República Pinto Monteiro.
Depois seguiu-se a instrução do processo com o desfilar de políticos do PS e do PSD — ex-ministros, ex-comissários europeus e até um ex-presidente da República — a testemunharem a favor do valor moral do presidente da REN, tentando ilibá-lo das acusações de recebimento de presentes.
Terminado o julgamento na primeira instância, estamos perante um acórdão histórico.
Histórico, mesmo não consubstanciando uma decisão definitiva, porque um acórdão com quase três mil páginas está bem fundamentado, facto já reconhecido por Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Penedos. Vai ser um osso duro de roer nas instâncias superiores.
Não é impossível que juízes da segunda instância ou do supremo tomem a decisão política de diminuir as penas. Já os expedientes dilatórios usados por Isaltino de Morais ao longo de anos de recursos para o Tribunal Constitucional estão fora de questão porque foram eliminados por Paula Teixeira da Cruz, actual ministra da Justiça.
Histórico pela acutilância das penas a mostrarem à sociedade e aos políticos que o País está a mudar velozmente e quem cometer crimes económicos terá uma pena de prisão efectiva proporcional à gravidade dos mesmos. Os políticos têm de receber severas penas de prisão efectiva porque, ao entregarem os negócios lucrativos a quem os untar com dinheiro e presentes, são quem impõe a corrupção. O papel de Godinho consistiu em adaptar-se ao ambiente que nem peixe na água.
Histórico porque os juízes, tanto os de instrução criminal como o colectivo do Tribunal de Aveiro foram insensíveis à procissão dos políticos que acorreram a apoiar o antigo deputado socialista José Penedos. Neste julgamento não foram apenas julgados actos de pessoas e empresas. Também foi julgada e condenada uma entidade que não esteve sentada no banco dos réus: as relações de promiscuidade entre políticos e empresários.
Só haverá investidores dispostos a apostar no nosso País se a justiça for cega aos interesses de politicalha. E sem investimento não há crescimento económico.
Este acórdão condenatório é um sinal dado aos investidores de que, neste País, se punem os crimes económicos e os seus investimentos não serão prejudicados por trapaceiros. Basta olhar para a cara dos principais arguidos, antes e depois da leitura do acórdão, para se compreender que estavam a contar com a impunidade. É um ponto de viragem.
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