Decorreu esta noite o último dos três debates televisivos entre o secretário-geral do PS, António José Seguro, e o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, no âmbito das eleições primárias socialistas do próximo domingo que escolherão o candidato socialista a primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2015.
23 Set, 2014
Prioridades e estratégias para o País
Como primeira prioridade assim que chegue ao Governo, Seguro elegeu "o emprego porque há mais de um milhão de portugueses que querem trabalhar e não conseguem". Para isso, a ideia do secretário-geral é lançar um "programa de reindustrialização ".
Costa, por seu turno, disse que a sua prioridade é lançar "lançar um programa de recuperação económica e social e resolver o problema da asfixia do financiamento às empresas".
Sobre os cortes nos salários da função pública e nas pensões não há diferenças
Os candidatos foram depois desafiados e explicar se pensam repor os cortes aos pensionistas. "É necessário repor os rendimentos dos pensionistas e dos funcionários públicos", disse Seguro, "mas não se faz no dia seguinte, não vendemos ilusões, consideramos que é possível com a recuperação da nossa economia".
O autarca de Lisboa sublinhou ser "possível e necessário fazer a reposição das pensões e a estabilização dos rendimentos". Mais, "é fundamental para o crescimento da economia", sendo portanto um factor indutor de crescimento e não uma consequência deste.
A convergência levou o moderador do debate a considerar que não havia distinção entre os candidatos.
Costa brincou com a situação: "Não temos de nos distinguir em tudo, temos a mesma cor da gravata, temos o mesmo clube de futebol, somos do mesmo partido".
Seguro aproveitou para argumentar que isso "só prova que esta crise não se justificava porque não há diferenças nas questões fundamentais".
Avançar agora é fácil
O debate aqueceu quando António José Seguro disse que os socialistas gostariam que na cadeira de António Costa estivesse Passos Coelho e de ver um debate na perspectiva de eleições antecipadas. Costa reafirmou que "o secretário-geral do PS teve todas as oportunidades ao longo destes três anos para afirmar a sua liderança, conduzir o partido, e os resultados foram o que foram. Estamos hoje aqui porque é necessário que o PS mude para fortalecer o PS e o PS poder corresponder ao que os portugueses anseiam", acrescentou Costa, tendo começado a exibir sondagens que lhe são favoráveis.
"A sondagem do EXPRESSO dá o líder do PS com a maior popularidade, portanto desfaz essas sondagens. O PS construiu um projecto ao longo destes três anos, com milhares de contributos de socialistas e independentes, ganhou as duas eleições, ganhou as autárquicas e as europeias e infligiu à direita a maior derrota que já teve", respondeu-lhe Seguro. "Mais, o PS enfrentou uma maioria, um Governo, um Presidente de direita, um presidente da Comissão Europeia de direita e um memorando. E tu só vens disputar a liderança do PS porque terminou o memorando. Um memorando que não negociei, não assinei, mas honrei. Tu eras o número dois da direcção que subscreveu o memorando. Agora é fácil fazer oposição. Os portugueses sabem fazer a diferença entre um líder que nos momentos mais difíceis avançou, não se refugiou, teve coragem".
Costa ripostou: "Deves estar desde pequeno a sonhar ser secretário-geral do PS. Para mim os cargos são uma missão. Há três anos entendi que havia dois quadros disponíveis, um deles que eu achava melhor — o Francisco Assis que apoiei —, não se justificava que me interpusesse". Além disso, "nessa altura tinha a câmara de Lisboa numa situação financeira muito difícil, tinha um Plano Director Municipal para fazer. O difícil começa agora. Fácil foi fazer oposição era quando estava cá a troika", afirmou. "Já deste a cara em alguma eleição? Não aceito essas lições", acrescentou ainda o autarca.
Seguro contestou que foi "candidato várias vezes quer como deputado quer para Assembleias Municipais". "Estou convencido que nesta campanha houve uma mais-valia: os portugueses começaram a conhecer-te melhor", atirou o líder do PS. "Coragem de avançar nos momentos difíceis teve o Assis e tive eu", concluiu.
Redução de deputados
O tema da redução dos deputados de 230 para 181 também provocou controvérsia. "É uma desonra para o PS. Primeiro pela oportunidade, quem quer fazer uma reforma séria do sistema eleitoral não o propõe mudar em ano de eleições. (...) 25% da representação do interior desaparecia, o PCP perdia um terço da representação e o Bloco de Esquerda perdia metade. O hábito de ganhar na secretaria é um mau hábito. É uma lei má, que não honra a história do PS", defendeu Costa.
Seguro classificou Costa como o candidato do status quo e os seus argumentos de "absurdos". "É falsa esta ideia de que os pequenos partidos vão ser trucidados e anulados; há um reforço da proporcionalidade. Se há redução de deputados, todos os círculos contribuem, mas não perdem o seu peso proporcional; perde mais Lisboa que tem 47 deputados. E se for criado um círculo nacional que recolhe todos os votos perdidos, ainda se reforça mais a proporcionalidade". Seguro também acusou Costa de não se preocupar com o interior, porque "quando era ministro da Administração Interna, defendia a redução de todas as freguesias com menos de mil eleitores".
Costa procurou manipular a questão: "O que Seguro chama de absurdo chama-se matemática. Se se for criar um círculo de compensação, o efeito que tem é agravar a sub-representação do interior e a redução do interior em vez de ser de 25% é superior". E acusou Seguro de ser co-responsável da reforma das freguesias, que cortou 1165 destas estruturas: "Se temos esta reforma absurda que temos é porque o PS não assumiu as suas responsabilidades. Teve medo, pôs-se à margem, e deixou o Governo fazer o disparate que fez."
"Somos contra uma reorganização a régua e esquadro, nós apresentamos sempre uma proposta pela positiva", declarou Seguro.
"Não apresentaste proposta nenhuma. Tu é que não tiveste iniciativa", acusou Costa, iniciando uma troca de palavras que tornou quase inaudível o que cada um dizia. O secretário-geral do PS haveria de concluir com um "não ajudes a direita, não ajudes o Governo".
Promiscuidade entre política e negócios
O debate azedou quando o moderador, o jornalista João Adelino Faria, pediu a Seguro para dar exemplos do PS ligado aos interesses e negócios que apoia António Costa.
"Vou dar-lhe um exemplo: Nuno Godinho de Matos, fundador do PS e apoiante de António Costa. Foi até há pouco tempo administrador do BES, apoiou no ano passado o candidato do PSD à Câmara de Oeiras e foi advogado da Ferrostaal no negócio dos submarinos. No outro dia deu uma entrevista e perguntado porque estava na administração do BES, disse que entrava mudo e saía calado, estava lá por razões políticas. Estamos a falar do porta-voz dos fundadores que apoiam o António Costa", respondeu Seguro. "Há um partido invisível na sociedade portuguesa (...). A conclusão é uma promiscuidade total entre o sistema financeiro, os negócios, a política e os outros partidos".
Costa reagiu com irritação: "Se tu tivesses tido um décimo da agressividade que tens contra mim na oposição a este Governo, o Governo já tinha caído. Tu tratas como traidores e inimigos os teus camaradas e não foste capaz de fazer frente ao Governo. O que acabas de fazer aqui é uma coisa muito feia, querendo-me atacar a mim em função do que fazem os meus apoiantes, ainda por cima 'ad hominem'. Achas que tens o direito, sendo tu secretário-geral do PS, de diabolizar e acusar e fazer acusações genéricas sobre o universo dos milhares de militantes e simpatizantes que me apoiam? Achas que o Jorge Sampaio e o Mário Soares e me apoiam por causa dos negócios? O que é que já fizeste de concreto na vida para combater a corrupção? Eu lancei um pacote efectivo de combate à corrupção, alterei o Código Penal para apertar a malha do crime de branqueamento de capitais. É ofensivo para mim e para os milhares de simpatizantes que me apoiam. Eu não estou aqui para receber lições. Quem recorre ao insulto e cede ao populismo não tem condições para ser secretário-geral do PS."
António José Seguro ripostou, lembrando que a sua "proposta para reforçar as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos é uma forma de combater a corrupção, introduzindo transparência ao fazer uma separação entre política e negócios". "Eu não te fiz nenhum ataque pessoal, mas um ataque ao que considero que são os teus apoiantes. Mas o que fizeste [no domingo, em entrevista ao jornal Correio da Manhã] foi inaceitável quando me tentaste associar a um político de outro partido, que está em investigação, através de uma falsidade", disse, numa alusão ao facto de Costa ter associado consultores políticos de Seguro aos do ex-presidente da Câmara de Gaia, o social-democrata Luís Filipe Menezes. "Não recebo nenhuma lição de moral tua, nenhuma", concluiu.
"Mas fazia-te falta", replicou Costa. "Nem respondo a esse tipo de argumentação", rematou Seguro.
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Depois deste debate, os fundadores do PS vão ficar profundamente preocupados. António José Seguro tem de ser rapidamente eliminado porque está a desmascarar a promiscuidade entre os negócios e a política. É preciso convencer rapidamente os eleitores que Costa ganhou o debate e internar Seguro como lunático antes que provoque uma revolução no podre sistema político português.
Será que os militantes e os simpatizantes do PS vão deixar-se iludir e votar a favor da partidocracia? No próximo domingo saberemos a resposta.