A minha geração invejou a democracia dos países do Centro e do Norte da Europa e recebeu de braços abertos o movimento militar de 25 de Abril de 1974 que permitiu a legalização dos partidos políticos, quer dos que já existiam — PCP e PS —, quer dos recém-nascidos PSD e CDS.
Entristecidos pelo comportamento destes partidos, vimos com bons olhos a criação do Partido Renovador Democrático (PRD) em 1985, apadrinhado por um homem que era, e se manteve incorruptível toda a vida, o general Ramalho Eanes.
Mas rapidamente este partido adoptou práticas que criticávamos noutros e se transformou numa agência de empregos para pessoas que não tinham tido oportunidade de se instalar nos partidos do arco da governabilidade.
Em 2000, minúsculos partidos da extrema-esquerda aglutinaram-se e, abandonando o sectarismo habitual nesta região do espectro político, propuseram-se criar um novo partido de raiz socialista mas sem os vícios que transpareciam no PS. Encabeçava-o Francisco Louçã, um professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão. Rapidamente este Bloco de Esquerda registou uma enorme adesão noutras instituições da Universidade Técnica de Lisboa e, em geral, no meio universitário, tendo depois alastrado ao cidadão comum.
No início de 2010, a focalização da actividade deste partido na discussão do casamento homossexual, um tema fracturante na sociedade portuguesa, numa altura em que a situação financeira do País se tornara crítica, demonstrou que era constituído por teóricos sem experiência prática de gestão de assuntos económico-financeiros e sem qualquer ligação ao sector empresarial.
Com o País a sofrer o mais duro ajustamento financeiro desde 1926, a decisão de Louçã de se afastar da ribalta e a aposta da nova coordenação bicéfala na legalização da cannabis acentuaram o declínio do Bloco.
De modo que o aparecimento do movimento 3D promovido por Carvalho da Silva, antigo secretário-geral da CGTP, e a proposta de criação de um novo partido intitulado Livre não nos tem excitado a curiosidade. Apesar da publicidade que a comunicação social, sobretudo os jornalistas do Público, lhes têm proporcionado, relatando pormenorizadamente as minudências da actividade destes movimentos e a tentativa falhada de uma convergência da esquerda, patrocinada pelo 3D e que incluiria o Livre, o BE e a Renovação Comunista.
Agora foi dado um enorme destaque ao congresso do Livre, que nem sequer ainda entregou as 7500 assinaturas no Tribunal Constitucional para requerer a sua legalização, sob o título “Do maquinista ao cientista, os militantes do Livre prometem um “grito de impaciência” nas europeias”.
A palavra cientista atraiu-me a atenção. Contudo, e exceptuando os médicos, a notícia só refere licenciados em áreas onde as universidades privadas tipo Lusófona, Lusíada, Autónoma, Fernando Pessoa, ... , têm despejado gente em quantidade desmedida, saturando o mercado de trabalho, e que se debatem com graves problemas de desemprego:
"Mas quem integra este projecto político para além do rosto mediático do eurodeputado Rui Tavares? Há maquinistas ferroviários e sindicalistas. Mas destaca-se uma maioria de jovens e licenciados. São biólogos, médicos, arquitectos ou jornalistas."
O logro foi tão notório que não se resiste a transcrever o perfil dos futuros dirigentes do futuro Livre:
"David Morais, 21 anos, veio de Lisboa e é finalista do curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais. Candidato a um dos 48 lugares da Assembleia — órgão máximo entre congressos —, David gostava de ser jornalista e nunca pertenceu a um partido".
"Outro dos candidatos a dirigente é Diogo Ribeiro de Campos. Foi militante da JS e é “militante-correspondente” do partido comunista francês. O diagnóstico que faz é que nas juventudes partidárias já não se discutem “ideias”, mas “lugares”. O surgimento deste partido configura, para ele, a oportunidade de regressar aos ideais, ao mesmo tempo que oferece ao Livre a sua “grande formação em assessoria de imprensa”.
"Mas também uma maior presença da ciência no futuro do país, como defendeu a bióloga Diana Barbosa, que tem um doutoramento sobre o comportamento sexual das lagartixas. E apresenta-se “como muitos outros”: “Sou bolseira. Sou republicana, ateia, humanista e feminista”.
Vamos esclarecer uma ideia:
Cientista é Arquimedes (Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.) que, para determinar uma fraude no fabrico de uma coroa de ouro, descobriu a impulsão sofrida pelos corpos mergulhados em líquidos, extravasando a sua alegria naquele delicioso episódio do "Eureka!". E calculou o volume da esfera através de uma demonstração engenhosa.
Cientista é Galileo Galilei (Pisa, 1564 — Florença, 1642) que formulou a lei da queda dos corpos e criou o método experimental que permitiu a supremacia da Europa no desenvolvimento da Física, da Química e da Medicina entre os séculos XVII e XIX.
Cientistas são James Watson (Chicago, 1928) e Francis Crick (Northampton, 1916 — San Diego, 2004) que descobriram a estrutura em dupla hélice da molécula de ADN, permitindo explicar como é copiada e transmitida a informação hereditária e revolucionando a biologia molecular.
Está a parecer-me que andamos a brincar aos cientistas e aos partidos políticos.
Sem comentários:
Enviar um comentário