sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Rui Machete e o BPN - II


No final de Julho, o jornal PÚBLICO enviou um e-mail ao ministro dos Negócios Estrangeiros inquirindo-o sobre notícias publicadas na imprensa de que, na década anterior, teria vendido as suas acções pessoais da SLN à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), instituição de que era presidente.

Alguns dias mais tarde, Rui Machete contactou telefonicamente aquele jornal para esclarecer que não tinha vendido acções à FLAD mas que, efectivamente, tivera acções da SLN na sua carteira de títulos pessoal:
"Confirmo que na minha carteira de investimentos constaram, efectivamente, as acções da SLN no montante referido e que as adquiri ao valor nominal e as vendi nas datas referidas ao BPN por 2,5 euros cada".
Portanto o ministro confirmou que havia comprado 25 496 acções da SLN a um euro cada e que posteriormente as vendera a dois euros e meio, o que significava um ganho de 150%. Valores estes que confirmou, também, a outros órgãos de comunicação social.

Pouco depois, a 10 de Agosto, o jornal Expresso noticiou que a FLAD adquiriu, na mesma data, acções da SLN a 2,2 euros. Ou seja, Machete teria comprado acções da SLN a um preço muito inferior ao da instituição a que presidia, algo que corroborava as duras críticas à sua gestão já levantadas pela embaixada dos Estados Unidos da América.

Vem agora Rui Machete dizer, em comunicado enviado ao PÚBLICO, que se equivocou:
No que respeita aos preços de aquisição das acções, a notícia em causa [publicada pelo Expresso a 10 de Agosto] baseou-se no relatório e contas da FLAD e numa informação anterior do jornal PÚBLICO, ao qual admiti, equivocadamente, que teria adquirido as acções ao preço de 1 euro. Apercebi-me do equívoco ao ser posteriormente referido que tinha adquirido as acções a um preço diferente da FLAD, quando era minha absoluta certeza de que tal não acontecera. Apesar dessa convicção, não respondi de imediato, porque não dispunha na altura das provas documentais que podiam confirmá-la insofismavelmente.
Depois de reunidos e analisados os documentos que formalizam as referidas transacções de acções, realizadas há mais de 12 anos, estou agora em condições de afirmar peremptoriamente que não comprei acções da SLN a 1 euro nem comprei acções da SLN a um preço diferente do que pagou a FLAD.

Acrescenta que subscreveu 22 650 acções da SLN, em 27 de Dezembro de 2000, num processo de aumento de capital, a 2,2 euros, "exactamente o mesmo que pagou a FLAD, no mesmo momento e no mesmo processo, como resulta da ordem de compra que detenho em meu poder e da escritura pública de reforço do capital social celebrada em 28 de Dezembro de 2000”.

Em 2003, diz que recebeu “1132 novas acções da SLN, num aumento de capital por incorporação de reservas, através do qual se atribuiu a todos os accionistas uma acção por cada vinte detidas".
E em 2004, em mais um aumento de capital, exerceu o direito de aquisição de mais 500 acções ao preço unitário de 1,8 euros.
"A partir dessa data, não fiz aquisições adicionais de acções da SLN; mais uma vez, como qualquer outro accionista, incluindo a FLAD, limitei-me a receber 1214 novas acções resultantes de um novo processo de aumento de capital por incorporação de reservas realizado em 2005 (uma acção por cada vinte detidas); somando à carteira inicial as acções adquiridas em 2004 e as que resultaram dos dois processos de incorporação de reservas, fiquei assim a deter um total de 25.496 acções da SLN."

Machete finaliza o comunicado dizendo que vendeu as acções da SLN por 2,5 euros em 30 de Agosto de 2007.

As duras críticas feitas pela diplomacia dos EUA à forma como Rui Machete geriu a FLAD foram reveladas há dois anos pelo jornal Expresso e encontram-se no espólio de 800 telegramas da embaixada norte-americana em Lisboa obtidos pelo Wikileaks.
Recorda o Expresso:
Num relatório enviado a 15 de Dezembro de 2008 para o Departamento de Estado em Washington pelo então embaixador dos EUA em Portugal, Thomas Stephenson, este declarava que "chegou a hora de decapitar Machete" porque, além de "suspeito de atribuir bolsas para pagar favores políticos e manter a sua sinecura", havia os factos da fundação "continuar a gastar 46% do seu orçamento de funcionamento nos seus gabinetes luxuosos decorados com peças de arte, pessoal supérfluo, uma frota de BMW com motorista e 'custos administrativos e de pessoal' que incluem por vezes despesas de representação em roupas, empréstimos a baixos juros para os trabalhadores e honorários para o pessoal que participa nos próprios programas da FLAD".

*

Analisando o comunicado, concluímos que Rui Machete mantém tudo o que disse no início deste mês, excepto que comprou o lote inicial de acções a 2,2 euros — exactamente o preço das acções que comprou para a FLAD —, e não ao valor nominal. Com esta singela alteração não só diminui o lucro do negócio para 26%, como consegue atenuar a ideia de que foi um gestor da FLAD permeável a práticas corruptas, criada pela publicação do telegrama da embaixada norte-americana. É o que se chama matar dois coelhos com uma só cajadada.

No entanto, a escritura pública de reforço do capital social da SLN celebrada em 28 de Dezembro de 2000 não comprova que um accionista tenha adquirido acções por esse processo.
Oliveira e Costa tinha um stock de acções da SLN que vendia ao valor nominal a políticos proeminentes, como foi o caso das acções vendidas a Cavaco Silva e filha em 2001.
Rui Machete tem relações políticas de peso — foi ministro da Justiça do governo do Bloco Central PS-PSD de Mário Soares e Mota Pinto, chegando a substituir este último como Ministro da Defesa Nacional e Vice-Primeiro-Ministro —, de tanto peso que a embaixada norte-americana só conseguiu desalojá-lo da FLAD em 2010, quando José Sócrates precisou de arranjar um poiso de destaque para Maria de Lurdes Rodrigues. Nada nos garante que não tenha adquirido acções desse stock.

Dizer que tem, ou mesmo deter, uma ordem de compra de acções da SLN, dona do BPN, vale o que vale. Não podemos esquecer que os prejuízos financeiros da SLN/BPN foram acumulados sobre o BPN por Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, e pela gestão socialista da Caixa Geral de Depósitos, mas não derivaram da conjuntura económica e financeira internacional, são simplesmente um caso de polícia.

Machete vendeu as suas acções em Agosto de 2007. Excelente momento, seis meses depois Oliveira e Costa abandonava um banco falido que o governo de José Sócrates fez o favor de nacionalizar em Novembro de 2008 para que os prejuízos pudessem ser pagos pelos contribuintes.


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