terça-feira, 10 de julho de 2012

"Predadores e Professores"


"09 Julho 2012 | 23:30
Simon Johnson


Será que as grandes universidades da América ainda são as fiéis guardiãs do conhecimento, as forças que lideram o caminho para o progresso tecnológico e as entidades que abrem espaço para as oportunidades, tal como já foram um dia? Ou será que se tornaram, em parte, cúmplices sem escrúpulos das elites económicas cada vez mais gananciosas?

No final do documentário “Inside Job”, do vencedor do Óscar da Academia Charles Ferguson, são entrevistados diversos economistas de topo em relação ao seu papel enquanto elementos pagos de propaganda da política que incentiva o risco excessivo e práticas agressivas do sector financeiro que conduziram à crise de 2008. Alguns destes proeminentes académicos receberam somas significativas de dinheiro para promoverem os interesses de grandes bancos e de outras empresas do sector financeiro. Tal como Ferguson documenta no seu filme e no muito relevador livro “Predator Nation”, muitos desses pagamentos ainda não são conhecidos, mesmo nos dias de hoje.

A predação é um termo totalmente apropriado para estas actividades dos bancos. Como a sua falência iria traumatizar o resto da economia, recebem protecções únicas — por exemplo, linhas de crédito especiais vindas dos bancos centrais e estão também sob regulações mais brandas (medidas que têm sido antecipadas ou anunciadas nos últimos dias nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Suíça).

Como resultado disso, aqueles que estão à frente dos bancos são incentivados a assumirem investimentos arriscados, que incluem actividades parecem simples apostas. Os banqueiros aproveitam os momentos enquanto as coisas estão a correr bem, ao passo que os riscos que se verificam quando as coisas correm mal são já, em grande medida, problemas de outras pessoas. Este é um esquema de subsídios conduzido pelo governo, sem transparência e perigoso, em último caso envolvendo uma transferência muito considerável de fundos dos contribuintes para um pequeno conjunto de pessoas do topo no sector financeiro.

Para proteger a contínua existência do esquema, os megabancos globais contribuem com enormes quantidades de dinheiro dirigidas aos políticos. Por exemplo, o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, testemunhou recentemente à comissão do Senado norte-americano com o tema da banca sobre a aparente falha na gestão de risco que causou uma perda estimada de 7 mil milhões de dólares à empresa. O openSecrets.com estima que o JPMorgan Chase, a maior “holding” bancária dos EUA, gastou cerca de 8 mil milhões de dólares em contribuições políticas em 2011 e estima ainda que Dimon e a empresa doaram dinheiro à maioria dos senadores daquela comissão. Sem surpresas, as perguntas dos senadores foram esmagadoramente brandas e a estratégia geral de pressão parece ter tido frutos; as “investigações” a uma má gestão que coloca o sistema em perigo deverão acabar sem resultados.

Para apoiar a sua estratégia política, os megabancos globais também executam uma operação de propaganda/desinformação altamente sofisticada, com o objectivo de criar, pelo menos, uma aparência de responsabilidade pelos subsídios que recebem. É aqui que entram as universidades.

Numa recente mesa redonda da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) [reguladora norte-americana], o representante do sector bancário que estava ao meu lado citou um estudo de um proeminente professor de Finanças da Universidade de Stanford para apoiar a sua posição contra uma regulação específica. O banqueiro esqueceu-se de mencionar que o professor tinha recebido 50 mil dólares pelo estudo por parte da Securities Industry and Financial Markets Association, SIFMA, um grupo de pressão. (O professor, Darrell Duffie, divulgou a dimensão do pagamento e doou-o à caridade).

Porque é que devemos levar este trabalho a sério — ou mais a sério do que outros trabalhos de consultoria pagos, por exemplo, por uma sociedade de advogados ou por qualquer outra entidade que trabalha para a indústria?

A resposta será, presumivelmente, a de que a Universidade de Stanford tem muito prestígio. Como instituição, fez grandes coisas. E o corpo docente é um dos melhores do mundo. Quando um professor escreve um estudo ao cuidado do grupo de uma indústria, essa indústria beneficia — e, de certa forma, faz um aluguer — do nome e da reputação da universidade. Naturalmente, o banqueiro presente na mesa redonda da CFTC sublinhou “Stanford” quando citou o estudo (Não estou a criticar esta universidade em particular; na realidade, outros professores de Stanford, incluindo Anat Admati, estão na liderança de quem tenta lutar por reformas sensatas).

Ferguson acredita que esta forma de “consultoria” académica está, de modo geral, fora de controlo. Eu concordo, mas controlá-la vai ser difícil enquanto as universidades e os bancos “grandes demais para falir” continuarem tão interconectados.

Neste contexto, fiquei desapontado, nos últimos tempos, quando li uma entrevista de Lee Bollinger, presidente da Universidade de Columbia, no “The Wall Street Journal”. Bollinger é um director “class C” da Reserva Federal de Nova Iorque — nomeado pelo conselho de governadores do Sistema Federal para representar o interesse público.

Naquela que parece ter sido a sua primeira entrevista, ou declaração pública, sobre as questões da reforma da banca (e até das Finanças), o principal ponto de Bollinger foi o de que Dimon deveria continuar no conselho da Fed de Nova Iorque. Bollinger usou surpreendentes palavras nada académicas — declarando que os “idiotas” que sugerem que Dimon deve demitir-se ou ser substituído têm um “falso entendimento” de como é que o sistema verdadeiramente funciona.

Lancei uma petição ao conselho de governadores para retirarem Dimon daquele cargo. Perto de 37 mil pessoas já assinaram a petição online na change.org e estou optimista perante a possibilidade de ter, em breve, um encontro com membros de nível superior do conselho, sedeado em Washington DC, para discutir o assunto.

A intervenção de Bollinger pode ser positiva para Dimon; no final de contas, a Universidade de Columbia é uma das mais bem vistas universidades do mundo. Por outro lado, a sua intervenção também poderá ser produtiva porque permite avançar para o debate público sobre como os banqueiros “grandes demais para falir” mantêm os subsídios implícitos que recebem.

Escrevi aqui uma detalhada resposta à posição de Bollinger. Espero que Bollinger, no espírito de diálogo aberto da academia, me responda em público — ou por escrito ou ao acordar discutir, pessoalmente, o tema comigo. Precisamos de conversações ao mais alto nível sobre como reformar as relações pouco saudáveis entre as universidades e as instituições financeiras globais subsidiadas, tais como o JPMorgan Chase.


Simon Johnson, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é co-fundador de um blog de relevo na área da economia, http://BaselineScenario.com, é professor na MIT Sloan e membro do Peterson Institute for International Economics. É co-autor, com James Kwak, de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why it Matters to You.


Copyright: Project Syndicate, 2012.
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