"A tragédia grega tem sempre 3 actos. Transportando para a realidade do país, os dois resgates foram os dois primeiros actos. No 3.º acto a Grécia torna-se ingovernável e acaba por abandonar o euro. O destino já está selado. É sempre assim nas tragédias gregas. Não podemos mudar o destino."
Muitos dos problemas da Grécia — uma pesada máquina administrativa, um sistema de saúde e de prestações sociais dispendioso, uma elevada evasão fiscal, o emprego público atribuído por compadrio político, as negociatas entre políticos e empresários com prejuízo do Estado, que é o mesmo que dizer, dos contribuintes — são partilhados por Portugal.
Apesar de ter um PIB duplo do português, sustentado sobretudo pelos turistas da Zona Euro, com destaque para os alemães, que procuravam o País atraídos pelo magnífico clima, pela beleza dos milhares de ilhas dos mares Jónico e Egeu e pelo património da antiguidade clássica, décadas de despesa pública superior à receita fizeram crescer desmesuradamente a dívida pública.
O desenlace ocorreu em Maio de 2010 e foi o habitual: quando as taxas de juro dos empréstimos feitos para financiar a dívida se tornaram insuportáveis, o governo socialista do PASOK foi obrigado a pedir ajuda financeira ao FMI/BCE/CE.
Numa economia baseada no consumo, a consequência imediata de haver menos dinheiro é a recessão. E à recessão segue-se a queda do governo. Mesmo com maioria absoluta.
Reflectir sobre o que se está a passar na Grécia, aprender com os erros gregos será sempre menos doloroso do que através dos nossos próprios erros.
Concorreram às eleições legislativas de ontem 32 partidos políticos. Comecemos pelos resultados nacionais divulgados hoje no website do Ministério do Interior da Grécia:
Partidos políticos/totais __________________________ Nova Democracia Syriza PASOK Gregos Independentes KKE Aurora Dourada Esquerda Democrática partidos fora do parlamento __________________________ votantes em partidos nulos/brancos __________________________ votantes abstenção __________________________ 9.949.401 eleitores inscritos | _________ _________ 65,10 % 34,90 % _________ 100,00 % | __________ 18,41 % __________ 97,64 % 2,36 % __________ 100,00 % | _________ 18,85 % 16,78 % 13,18 % 10,60 % 8,48 % 6,97 % 6,11 % 19,03 % _________ 100,00% | deputados _________ 108 52 41 33 26 21 19 _________ 300 |
A Grécia tem uma máquina administrativa colossal: 13 regiões, 1 região autónoma e, apesar de ter uma população idêntica à de Portugal, está retalhada em mais do dobro dos distritos e 325 municípios.
O mapa interactivo, a que se pode aceder no website, permite ver que o partido conservador Nova Democracia foi o mais votado em quase todos os distritos. O Syriza ganhou em dez distritos e o PASOK sofreu uma derrota brutal tendo vencido apenas em quatro distritos.
██ Nova Democracia
██ Syriza
██ PASOK
██ Gregos Independentes
██ KKE
██ Aurora Dourada
██ Esquerda Democrática
Vejamos a transformação do parlamento entre as eleições legislativas de 2009 e as eleições de Maio de 2012:
Parlamento __________________________________ Nova Democracia (centro direita) Syriza (esquerda radical) PASOK (socialistas) Gregos Independentes (novo, direita) KKE (comunistas) Aurora Dourada (neonazi) Esquerda Democrática (novo) LAOS (direita radical) __________________________________ total | 2009 _________ 33,48 % 4,60 % 43,92 % - 7,54 % 0,29 % - 5.63 % _________ 95,46 % | deputados _________ 91 13 160 - 21 0 - 15 _________ 300 | 2012 _________ 18,85 % 16,78 % 13,18 % 10,60 % 8,48 % 6,97 % 6,11 % _________ 80,97 % | deputados _________ 108 52 41 33 26 21 19 0 _________ 300 | variação ________ +17 +39 -119 +33 +5 +21 +19 -15 ________ |
Os únicos partidos que assinaram o memorando — a Nova Democracia e o PASOK —, e que têm alternado no poder desde 1974, foram justamente responsabilizados pela corrupção que criaram e ficam com 149 deputados, aquém da maioria absoluta apesar do bónus de 50 lugares dado ao partido vencedor. Este bónus baseia-se no princípio de que os eleitores votam mais para serem governados do que para serem representados.
Um partido neonazi propõe-se resolver os problemas do País pela expulsão de todos os imigrantes. Vem do zero. Recebe mais de duas dezenas de deputados.
Mas a grande surpresa é o Syriza, um partido da esquerda radical que pretende fazer a quadratura do círculo: apoia a permanência na Zona Euro, mas opõe-se às reformas estruturais do memorando da troika. Exactamente o que os eleitores querem ouvir. É quem mais aumenta o número de lugares no parlamento, passando a ser a segunda força política da Grécia.
Da multiplicidade de partidos nascidos sob o espectro da recessão e das convulsões sociais que se seguiram, e que também recusam a austeridade implícita no memorando, apenas dois conseguem lugares no parlamento nestas eleições antecipadas — os Gregos Independentes e a Esquerda Democrática. Os outros serviram apenas para fragmentar o eleitorado.
Segundo a Constituição, o partido vencedor vai tentar formar Governo. Se o Nova Democracia, o mais votado, não conseguir negociar uma coligação, é a vez do Syriza tentar. Se o segundo partido mais votado também não conseguir, é ainda dada uma oportunidade ao terceiro.
Mesmo que os dois partidos que assinaram o memorando consigam formar governo, este será tão fraco que não poderá sobreviver. À primeira dificuldade as forças políticas em ascensão vão pôr os interesses partidários à frente dos interesses nacionais e apostar em novas eleições que lhes permitam continuar a subir.
Há duas forças antagónicas em crescimento. Uma, de direita, com núcleo no novo partido Gregos Independentes formado à custa da Nova Democracia. Outra, de esquerda, concentrada no Syriza e no também novo Esquerda Democrática, partidos que estão a esvaziar o PASOK.
A segunda tem como táctica fomentar as convulsões sociais. O ambiente é propício.
Estes partidos desenterraram o sentimento anti-alemão criado pela ocupação nazi durante a segunda guerra mundial e exigem que a actual Alemanha continue indefinidamente a dar dinheiro à Grécia como reparação de guerra. Recusam as reformas estruturais com o pretexto de que provocam recessão. Se chegarem ao poder, vão provocar a saída da Grécia do euro.
Com o recrudescimento do nacionalismo argentino e a presidência socialista em França, tanto podem provocar a regeneração do sistema financeiro mundial, como estilhaçar a Zona Euro.
De qualquer modo, os gregos querem ter como moeda o euro mas votaram para sair do euro.
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