sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Nasceu a União Económica e Monetária


Depois de nove horas de negociações, quando já era madrugada em Bruxelas, os líderes dos 17 países da Zona Euro divulgaram uma declaração conjunta em que se comprometem a seguir a proposta franco-alemã de reforço da disciplina orçamental.

O único senão é que as novas regras não podem ficar inscritas no Tratado de Lisboa e no quadro jurídico da União Europeia porque... o Reino Unido vetou.
David Cameron declarou que só aceitaria a revisão do Tratado de Lisboa se a City londrina ficasse de fora das regulamentações financeiras rigorosas agora acordadas. Paris e Berlim recusaram, argumentando que esta crise se deve justamente às derrapagens orçamentais nacionais, pelo que é necessário esta regulamentação para estabilizar o euro.
Assim, os 17 países do euro vão avançar sozinhos para uma "União de Estabilidade" através de um Tratado internacional que deverá ser assinado até Março e ao qual podem aderir outros países.

Um novo Tratado internacional é uma modalidade jurídica mais rápida de implementar do que uma revisão do Tratado de Lisboa, que corria o risco de se eternizar ao ser travada em parlamentos e exigir referendos.
No entanto, é uma solução juridicamente mais frágil, porque não é claro se a "União de Estabilidade" que os países do euro vão criar pode usar as instituições criadas para os membros da União Europeia, nomeadamente o Tribunal Europeu de Justiça.
Mas os 17 desejam ver este Tratado internacional integrado na União Europeia, à semelhança do que sucedeu com o Tratado de Schengen sobre a livre circulação, que começou por ser um acordo entre alguns países e só mais tarde foi incorporado na jurisdição comunitária, com o Reino Unido, de novo, a negociar a sua exclusão (opt-out).
Para já, o Reino Unido está completamente de fora. Os restantes países da União Europeia mostraram vontade de aderir a este Tratado Internacional, porque pretendem aderir ao euro, mas alguns vão consultar os seus parlamentos.

Este Tratado internacional abre a porta a novas transferência de soberania pois, se ocorrerem desvios orçamentais, as políticas nacionais podem passar a ser dirigidas a partir de Bruxelas.
Na declaração, os 17 países do euro acordaram incluir disposições "a nível constitucional ou equivalente" para limitar o endividamento e estabelecer critérios para elaboração de Orçamentos em equilíbrio ou com excedente, considerando-se que "este princípio é respeitado se, por norma, o défice estrutural anual não exceder 0,5% do PIB nominal".
Esta "regra incluirá um mecanismo de correcção automática, que será activado na eventualidade de desvio. Será definida por cada Estado-Membro com base nos princípios propostos pela Comissão [Europeia]".

Segue-se a declaração na íntegra:



"DECLARAÇÃO DOS CHEFES DE ESTADO OU DE GOVERNO DA ÁREA DO EURO

No decurso dos últimos dezoito meses, a União Europeia e a área do euro muito fizeram para melhorar a governação económica e para adoptar novas medidas em resposta à crise da dívida soberana. Todavia, as tensões nos mercados na área do euro aumentaram, e temos de acelerar os nossos esforços para fazer face aos actuais desafios. Chegámos hoje a acordo em avançarmos no sentido de uma união económica mais forte. Tal implica que sejam tomadas medidas em duas direcções:
– um novo pacto orçamental e uma coordenação reforçada das políticas económicas;
– o desenvolvimento dos nossos instrumentos de estabilização para enfrentar os desafios a curto prazo.


Uma arquitectura reforçada para a União Económica e Monetária

  1. A estabilidade e a integridade da União Económica e Monetária e da União Europeia no seu conjunto tornam necessária uma implementação rápida e vigorosa das medidas já acordadas, bem como novos avanços qualitativos no sentido de uma verdadeira "união de estabilidade orçamental" na área do euro. A par da moeda única, é indispensável um forte pilar económico. Esse pilar assentará numa governação reforçada para incentivar a disciplina orçamental e uma maior integração no mercado interno, bem como um crescimento mais forte, uma competitividade reforçada e mais coesão social. Para alcançar este objectivo tomaremos como ponto de partida, e desenvolveremos, aquilo que já foi conseguido nos últimos dezoito meses: o Pacto de Estabilidade e Crescimento reforçado, a implementação do Semestre Europeu que terá início este mês, o novo procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, e o Pacto para o Euro Mais.

  2. Tendo presente este objectivo global, e plenamente determinados a superar em conjunto as actuais dificuldades, chegámos hoje a acordo sobre um novo "pacto orçamental" e sobre uma coordenação significativamente mais forte das políticas económicas em áreas de interesse comum.

  3. Para esse efeito será necessário um novo acordo entre os Estados-Membros da área do euro que deverá ficar consagrado em regras comuns e ambiciosas que traduzam o seu forte compromisso político num novo quadro jurídico.


    Um novo pacto orçamental

  4. Comprometemo-nos a estabelecer uma nova regra orçamental, que inclua os seguintes elementos:

    • Os orçamentos gerais dos Estados devem estar em equilíbrio ou com excedente; considera-se que este princípio é respeitado se, por norma, o défice estrutural anual não exceder 0,5% do PIB nominal.
    • Tal regra será igualmente introduzida nos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados-Membros a nível constitucional ou equivalente. A regra incluirá um mecanismo de correcção automática, que será activado na eventualidade de desvio. Será definida por cada Estado-Membro com base nos princípios propostos pela Comissão. Reconhecemos a competência do Tribunal de Justiça para fiscalizar a transposição da regra ao nível nacional.
    • Os Estados-Membros devem convergir para o seu nível de referência específico, de acordo com um calendário proposto pela Comissão.
    • Os Estados-Membros sujeitos ao procedimento relativo aos défices excessivos apresentarão à Comissão e ao Conselho, para homologação, um programa de parceria económica especificando as reformas estruturais necessárias para assegurar uma correcção efectivamente duradoura dos défices excessivos. A execução do programa, assim como os planos orçamentais anuais com ele coerentes, serão acompanhados pela Comissão e pelo Conselho.
    • Será instituído um mecanismo para a comunicação ex ante pelos Estados-Membros dos seus planos nacionais de emissão de dívida.


  5. As regras aplicáveis ao procedimento relativo aos défices excessivos (artigo 126.º do TFUE) serão reforçadas para os Estados-Membros da área do euro. Logo que a Comissão reconheça que um Estado-Membro não está a cumprir o limite máximo de 3%, haverá consequências automáticas salvo decisão em contrário dos Estados-Membros da área do euro, deliberando por maioria qualificada. As medidas e sanções propostas ou recomendadas pela Comissão serão adoptadas salvo decisão em contrário dos Estados-Membros da área do euro, deliberando por maioria qualificada. A especificação do critério da dívida, em termos de valor numérico de referência para a redução da dívida (regra do 1/20) para os Estados-Membros com dívida pública superior a 60%, terá que ser consagrada nas novas disposições.

  6. Examinaremos rapidamente as novas regras propostas pela Comissão em 23 de Novembro de 2011 relativas i) ao acompanhamento e à avaliação dos projectos de planos orçamentais e à correcção do défice excessivo nos Estados-Membros da área do euro e ii) ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros afectados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira na área do euro. Solicitamos ao Conselho e ao Parlamento Europeu que examinem rapidamente esses regulamentos para que possam entrar em vigor no próximo ciclo orçamental. Ao abrigo deste novo quadro jurídico, a Comissão analisará em particular os principais parâmetros da estratégia orçamental dos projectos de planos orçamentais e, se necessário, dará parecer sobre esses planos. Se a Comissão verificar que existe um incumprimento particularmente grave do Pacto de Estabilidade e Crescimento, solicitará um projecto de plano orçamental revisto.

  7. A mais longo prazo, continuaremos a trabalhar sobre a forma de aprofundar ainda mais a integração orçamental por forma a reflectir melhor o nosso grau de interdependência. Estas questões farão parte do relatório do Presidente do Conselho Europeu, em cooperação com o Presidente da Comissão e o Presidente do Eurogrupo, em Março de 2012. O relatório também abordará as relações entre a UE e a área do euro.


    Reforço da coordenação das políticas e da governação

  8. Acordamos em recorrer mais activamente a uma cooperação reforçada em matérias essenciais para o bom funcionamento da área do euro, sem comprometer o mercado interno.

  9. Estamos empenhados em trabalhar no sentido de uma política económica comum. Será estabelecido um procedimento tendo em vista assegurar que todas as reformas importantes das políticas económicas planeadas pelos Estados-Membros da área do euro sejam debatidas e coordenadas a nível da área do euro, tendo em vista a aferição das melhores práticas.

  10. A governação da área do euro será reforçada tal como acordado na Cimeira do Euro de 26 de Outubro. Designadamente, serão realizadas Cimeiras do Euro, periodicamente, pelo menos duas vezes por ano.


    Reforço dos instrumentos de estabilização

  11. As reformas a mais longo prazo, tais como as acima referidas, devem ser conjugadas com medidas imediatas para resolver com determinação as actuais tensões nos mercados.

  12. A alavancagem do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) será rapidamente accionada, através das duas opções concretas acordadas pelo Eurogrupo em 29 de Novembro. Congratulamo-nos com a disponibilidade do BCE para actuar como agente do FEEF nas suas operações de mercado.

  13. Acordamos na aceleração da entrada em vigor do Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). O Tratado entrará em vigor logo que tenha sido ratificado por um número de Estados-Membros que representem 90% dos compromissos de capital. O nosso objectivo comum é que o MEE entre em vigor em Julho de 2012.

  14. Em relação aos recursos financeiros, acordamos no seguinte:

    • O FEEF permanecerá activo no financiamento de programas que tiverem sido iniciados até meados de 2013, tal como previsto no Acordo-Quadro, e continuará a assegurar o financiamento dos programas em curso consoante as necessidades;
    • Procederemos, em Março de 2012, à reavaliação da adequação do limite máximo global do FEEF/MEE de 500 mil milhões de euros (670 mil milhões de USD);
    • Durante a entrada gradual do capital realizado, estamos prontos a acelerar os pagamentos de capital por forma a manter um rácio mínimo de 15% entre o capital realizado e o montante remanescente das emissões do MEE e a garantir uma capacidade combinada de concessão de empréstimos de 500 mil milhões de euros;
    • Os Estados-Membros da área do euro e os outros Estados-Membros ponderarão — e confirmarão num prazo de dez dias — a disponibilização de recursos adicionais para o FMI num montante que poderá ir até 200 mil milhões de euros (270 mil milhões de USD) sob a forma de empréstimos bilaterais, para assegurar que o FMI disponha dos recursos adequados para fazer face à crise. Aguardamos com expectativa as contribuições paralelas da comunidade internacional.

  15. Acordamos nos seguintes ajustamentos ao Tratado que cria o MEE para o tornar mais eficaz:

    • No que se refere à participação do sector privado, iremos aderir rigorosamente aos princípios e práticas bem estabelecidos do FMI. Tal será reflectido sem ambiguidade no preâmbulo do Tratado. Reiteramos claramente que as decisões adoptadas em 21 de Julho e 26/27 de Outubro em relação à dívida grega são únicas e excepcionais; nos termos e condições de todas as novas obrigações do Estado em euros serão incluídas cláusulas de acção colectiva normalizadas e idênticas, por forma a preservar a liquidez dos mercados
    • A fim de assegurar que o MEE está em condições de tomar as decisões necessárias em todas as circunstâncias, as regras de votação no MEE serão alteradas para incluir um procedimento de urgência. A regra do comum acordo será substituída por uma maioria qualificada de 85% caso a Comissão e o BCE constatem que é necessária uma decisão urgente relacionada com a assistência financeira quando a sustentabilidade financeira e económica do euro estiver ameaçada.¹

    ¹ Sujeito a confirmação do Parlamento finlandês.

  16. Congratulamo-nos com as medidas tomadas pela Itália; congratulamo-nos também com o compromisso do novo Governo grego, bem como das partes que o apoiam, no sentido de implementar integralmente o seu programa, e com os progressos significativos realizados pela Irlanda e por Portugal no que se refere à implementação dos seus programas.

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Algumas das medidas acima descritas podem ser decididas através do direito derivado. Os Chefes de Estado ou de Governo da área do euro consideram que as outras medidas devem fazer parte do direito primário. Dada a falta de unanimidade entre os Estados-Membros da UE, decidiram adoptá-las por via de um acordo internacional a assinar em Março ou em data anterior. O objectivo continua a ser incorporar essas disposições nos Tratados da União o mais rapidamente possível. Os Chefes de Estado ou de Governo da Bulgária, da República Checa, da Dinamarca, da Hungria, da Letónia, da Lituânia, da Polónia, da Roménia e da Suécia referiram a possibilidade de participarem neste processo depois de consultarem os respectivos Parlamentos, se for caso disso."


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