domingo, 17 de abril de 2011

"O tesourinho"


"Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


O salário? Corta. A pensão? Reduz. O contrato? Rasga. O emprego? Despede. A dívida? Adia. O certificado? Já não certifica.

Todas as certezas se estão a relativizar. Afinal, até o ferro se liquidifica, é apenas uma questão de temperatura. E o calor está de estoirar termómetros.

A Europa não perdeu a cabeça porque não se pode perder o que já não se tem. E os portugueses já perceberam que, se querem cumprimentar os seus chefes, têm de começar a aprender nomes alemães. É preciso aprender mais este: Wolfgang Schaeuble. É o ministro das Finanças de Angela Merkel e, ontem, quebrou um tabu: admitiu a necessidade de reestruturar a dívida pública da Grécia. E assim incendiou os mercados.

Reestruturar a dívida é uma maneira educada de dizer que não se consegue pagá-la. Primeiro aumenta-se o prazo de pagamento (tal como muitos portugueses fizeram com o seu crédito à habitação). Depois... bom, depois há várias formas de fazer perdões de dívidas. Eis o tabu para a Grécia, para a Irlanda... e para Portugal: conseguiremos algum dia pagar o que devemos?

O que Schaeuble disse ontem não era impensável, era apenas indizível. As opiniões públicas europeias (como a alemã ou a finlandesa) não estão disponíveis para "hair cuts" (que na prática significam perdões de dívida) ou de empréstimos que subsidiam, pela baixa taxa de juro ou pelo elevado prazo, os países falhados. Mas esse é um cenário que temos pela frente.

Mesmo vendendo "tudo" o que temos, através de privatizações, e reduzindo drasticamente o consumo e o crédito da banca, precisamos de tempo para reduzir o volume de endividamento. Mesmo o empréstimo da missão externa é, ainda assim, um empréstimo. É preciso pagá-lo.

A necessidade eventual de rever as condições de resgate de certificados de Aforro e de Tesouro é, apenas, mais uma das medidas de excepção. O dramatismo actual leva a que tudo o que dávamos por adquirido seja posto em causa. Começou pelos salários no Estado, já se agendaram as pensões mas não se vai ficar apenas pelos que não têm poder de contestar.

Aprendemos no último ano que a austeridade também tem uma cadeia alimentar: primeiro mastigam-se os mais fracos e apenas se rosna aos mais fortes. Os funcionários públicos, os trabalhadores por conta de outrem e os consumidores foram já a carne para canhão. Mas é preciso ir ao osso também dos lobbies e dos grupos de interesse.

Anulou-se meio TGV? A Mota-Engil processa. Anula-se o outro meio? Processa a Soares da Costa. Estão cobertas de razão. Mas os advogados mandam menos que os políticos. E os políticos têm de rever estes contratos com a mesma crueldade com que reviram os dos funcionários do Estado para lhes cortar salários.

O Estado deixa de ser paternalista mas continuará a agir como pai: um pai tirano. Com a mesma necessidade com que pedem ajuda para pagar as dívidas. Ou com a mesma urgência com que vão ter de rever as parcerias público-privadas. Rendibilidades de 12%?! Baixa para metade. Se não gostam, processem.

Os funcionários públicos, os pensionistas e os contribuintes não podem ser os únicos a pagar as facturas. É preciso entrar nos lobbies, económicos e políticos. Nas PPP. Nas empresas do Estado, nos institutos, nas fundações, nas empresas com monopólios protegidos. Sim, vamos chegar aos poisos de "boys" e aos financiadores dos partidos. Afinal, o FMI não é um saco de dinheiro nem um saco de pancada. Também está cá para isto."






Eis um artigo de opinião do Negócios que deu origem a um fórum espontâneo merecedor de registo, para o qual juntámos mais uma excelente infografia deste jornal sobre as vantagens e desvantagens da saída do país da Zona Euro:


PR1967 16 Abril 2011 - 12:58
A verdade que custa
Nos últimos anos os EUA e a UE, de um modo geral, e Portugal, em particular, têm vivido de forma absolutamente irreal:
  • não produzindo: as fábricas fecham, a agricultura é abandonada, as pescas idem,...
  • consumindo de forma crescente e absolutamente desnecessária
  • criando empregos em áreas sociais
  • construindo imóveis para ficarem desabitados
  • mudando de casa como quem muda de camisa
  • reduzindo horários de trabalho e "inovando nas reivindicações"
  • colocando nos governos pessoas absolutamente incompetentes
    enfim, fugindo à realidade.
E o resultado é a falência total deste modelo de "desenvolvimento". Em 15 anos, Portugal
  • desbaratou vários pacotes de incentivos comunitários
  • destruiu o aparelho produtivo (com o apoio da grande distribuição, i.e., SONAE, J. Martins, ...)
  • tem um sistema de justiça em que ninguém acredita
  • tem um sistema de ensino que atribui graus por simples presença (Como é possível que alguém, que não sabe ler e escrever, conclua o 9º ano?)
  • tem um sistema de saúde que serve essencialmente os profissionais de saúde.
Numa palavra, estamos falidos e hipotecados aos mais diferentes níveis.

Mas para este estado de (des)graça muito contribuíram:
  • os políticos do governo central, em primeiro lugar, porque deveriam dar o exemplo e, na maioria das vezes, o exemplo foi despesismo, corrupção, fraude e incompetência
  • os políticos das autarquias que, por absoluta falta de bom senso, acharam que uma cidade, vila ou região se desenvolve com grandes superfícies e amontoados de betão
  • o sector da justiça que tem feito figuras absolutamente miseráveis
  • a banca que tresloucadamente incentivou ao endividamento
  • os cidadãos que trabalham e pagam os seus impostos que continuam a aceitar este estado de coisas.

E agora:
  • diz-se mal do FMI e da Europa por estarem dispostos a nos emprestar dinheiro, mas também se diz mal se eventualmente não estiverem
  • esgotam-se os mais apetecidos destinos de férias (vamos aproveitar enquanto é tempo...)
  • temos os políticos, de manhã à noite, na TV, a dizerem-nos que as mentiras que nos disseram ontem foi para o nosso bem
  • temos uma rede de centros comerciais lindíssima (se não fosse o Belmiro a criar emprego "rasca" e a fechar mais umas lojas e fábricas, ninguém sobrevivia...)
  • temos passeios aos domingos nos hipermercados, com toda a família
  • temos muitas casas
  • não temos maternidades, mas temos "abortonidades"
  • temos a associação na hora (Tínhamos poucas, “né”?)
  • temos um aeroporto em Beja. (Viva!)
  • vamos ter um bocadinho de TGV (e muitos, muitos estudos)
  • temos o centro das cidades livre para os ratos nidificarem
  • consumimos quase tudo de fora (Somos mais "in"!)
  • temos licenciados em Matemática que mal sabem a tabuada e em Português que não sabem o presente do indicativo do verbo ser
  • já não temos temas fracturantes para iludir o "Zé Povinho"
  • temos uma economia social fortíssima (mas idosos a morrer como moscas e a serem encontrados 9 anos depois!)
  • temos cada vez mais telemóveis
Que bom!


Olisipone 16 Abril 2011 - 13:09
Oportunidade única
A verdadeira crise não é económica nem financeira: é contabilística e política. Reparem:
A UE, ou pelo menos a Zona Euro, não está insolvente. O Euro flutua nos mercados, devido a factores psicológicos, não económicos. A UE no seu todo continua a ser o maior Exportador mundial, acima da China. É também o maior Importador e tem o maior PIB do Mundo (dados do FMI).
O que se passa é que há diferenças muito grandes no seio da UE. Penso, e não sou o único, que o erro foi pensar que o Mercado Único ia trazer um desenvolvimento mais ou menos uniforme através da dissolução das fronteiras internas da UE. Na realidade, pondo em concorrência directa países fortes e fracos, 20 anos de experiência demonstraram que os mais fortes, ficaram mais fortes, e os mais fracos, mais fracos!

Mas, a questão de fundo é a seguinte: se todos devem uns aos outros, ou mesmo uns mais que outros, dentro do mesmo universo económico, na realidade a riqueza dos 16, ou mesmo dos 27, mantém-se a mesma. O problema é a forma como está distribuída e os direitos que foram sendo adquiridos sobre os excedentes e as dívidas.

Comunismo? Não! A UE estava disposta a partilhar os lucros, mas não as perdas! Isto é absurdo.

A solução está na UE assumir em conjunto as dívidas, emitindo, se necessário, títulos de dívida conjunta. Em funcionar, na realidade, como um só País com regiões mais rentáveis do que outras. Para isso seria necessário, obviamente, ter uma fiscalidade e uma economia únicas e acabar com as soberanias.

Porém, se verificarmos que ninguém está disposto a abdicar dos juros, ou a emprestar mais dinheiro, ou mesmo a anular as dívidas internas no seio da UE através de uma solução contabilística, nesse caso, o que temos é uma crise política no seio da UE que põe em causa a sua própria sobrevivência.

E nesse caso, qual é o nosso papel? Não vejo vantagem absolutamente nenhuma em continuarmos reféns de uma moeda que não controlamos, metidos num universo sem fronteiras onde não temos competitividade e a pagar dívidas em que incorremos, largamente, pelas condições que nos foram impostas.

Devíamos, pois, aproveitar a oportunidade única que temos até Maio e declarar-nos insolventes. Sair do euro e negociar apenas com o FMI! Aliás, decorre neste momento uma luta entre a UE, que nos quer penalizar, e o FMI, que nos quer dar uma taxa de juro mais baixa.

Esta é a última oportunidade que temos de nos vermos livres de uma UE que nos estrangula e nos arrasta para o abismo!


PR1967 16 Abril 2011 - 15:25
Comentário a olisipone "Oportunidade única"

Caro amigo(a) "Olisipone" do fórum,

Peço desculpa por discordar do seu comentário, pois no meu entender a realidade é diferente daquela que apresenta.

A Europa não é o bloco mais importante do mundo e está a perder competitividade para as novas potências (China, Índia, Brasil, ...) sendo, politicamente, um saco de gatos...
A Europa tem, aliás, meia dúzia de países, com a Alemanha à cabeça, que ainda têm um aparelho produtivo dinâmico e competitivo, mas aos quais estão ancorados países — entre os quais Portugal — sem uma estratégia, sem rumo e, pior que tudo, sem valores. Mas todos os europeus acham que devem ter os mesmos direitos embora o menor número de deveres possível.
A realidade é que, na Europa, os povos que menos produzem e mais gastam devem aos países que mais produzem (ex: Portugal deve à Alemanha) e no mundo acontece a mesma coisa (ex: os EUA devem à China).
Por isso aquilo que irá acontecer, quer nós queiramos quer não, é que, não por vontade própria e inteligência mas por não ser possível contornar a realidade eternamente (embora isso parecesse possível nos últimos anos), vamos ser obrigados a mudar de vida, gastando, não mais (como até agora), mas menos do que aquilo que ganhamos (pois teremos que pagar dívidas).
O que eu quero dizer é que, por mais conversa "mole" que tenhamos para ludibriar a realidade e culpas que possamos atribuir aos outros — mercados, FMI, UE, Globalização —, ninguém vai trabalhar e criar riqueza por nós e isso é o que todos devíamos assumir.
O único grande problema é que aqueles que nos transportaram para o abismo (políticos principalmente) e os que usufruíram deste regabofe (sector empresarial do estado, alguns funcionários públicos, responsáveis por fundações e institutos que para nada servem, grande distribuição, alguma banca, corruptos de quaisquer sectores, boys dos partidos, filhos e enteados de gestores de sei lá o quê e, também, pessoas que se endividaram para passar férias, ter iates, mudar de carro anualmente, ...) não sejam os únicos a pagar, pois se assim fosse a única coisa que existia era justiça.
P.S.: Em todas as classes existem pessoas competentes e incompetentes, contudo há sectores onde o desperdício é clamoroso.


Olisipone 17 Abril 2011 - 08:51
Resposta A PR1967
Uma coisa que nunca deixará de me espantar, é a capacidade dos portugueses para transformarem os seus desejos em realidades.

Uma coisa é uma hipótese como a que eu apresento e que me parece correcta. Pode, evidentemente, ser debatida. Foi para isso que a publiquei.
Outra coisa é negar as bases de um raciocínio em vez de debater o conteúdo.

"No seu entender" a realidade é diferente. Pois olhe, "no entender" do FMI, nas últimas projecções até 2016, o PIB nominal estimado da UE este ano será de 17,452.406 biliões de dólares, o da China 6,515.861 e o do Brasil 2,421.637. Em 2016, de acordo com o mesmo documento, estes números serão 20,791.880, 11,220.173 e 3,302.858, respectivamente.


JMGPI 18 Abril 2011 - 09:47
Olisipone - Portugal sair do Euro?
Portugal sair do Euro?
Certamente terá vantagens e desvantagens, como tudo na vida...

Eu não sou economista, mas interesso-me por estes assuntos e tento, na medida do possível, manter-me informado.
Se Portugal saísse da zona Euro, não iríamos ficar com uma moeda fraquíssima, desvalorizada e, mais preocupante que isso, extremamente volátil, desprotegida e que levaria muito, muito tempo até voltarmos a ter (se é que alguma vez tivemos) poder de compra no estrangeiro?


PR1967 18 Abril 2011 - 10:26
Sobre a última oportunidade (novamente)
Caro(a) Olisipone,

A sua visão para a discussão é, de facto, válida embora me pareça em alguns aspectos (saída da UE) algo radical.
As estatísticas que refere evidenciam a tendência que eu refiro, i.e., a perda da Europa e dos EUA, face aos países emergentes.
Agora o que seria importante em reflectir, também, era sobre o endividamento dos países e, se quiser verificar essas estatísticas, constatará que são assustadoras.
Mas há mais índices sobre os quais a nossa sociedade está em perda:
  • envelhecimento da população
  • qualificação da sociedade (Imagina quantos engenheiros são formados anualmente na China ou na Índia? Em contrapartida, Portugal forma advogados, sociólogos, psicólogos, comunicólogos, especialistas em acção social, ...)
  • qualidade do ensino (preocupante, excepto nas línguas e informática em que evoluímos imenso)
  • justiça (a falta de um sistema credível é, de facto, penoso)
  • valores (vivemos numa sociedade em que, para uma grande parte das pessoas, os valores são os do consumo)
E é por isso que, no meu entender, nós temos que encarar a realidade! Sendo certo que ainda temos uma qualidade de vida muitíssimo superior aos chineses, indianos, ... Mas os gregos na antiguidade também tiveram um grande império!

P.S.: Não se deduza do que escrevo que as profissões da área social não são úteis, simplesmente não são o motor da criação de riqueza, mas sim da distribuição da riqueza já gerada.


Olisipone 18 Abril 2011 - 11:56
Mais uma achega...
Na minha opinião, que sou historiador e não economista, parece-me que:
a) era melhor assumir o default agora, e não depois de assinado o pacto com a Tróica e
b) anteciparmo-nos, trar-nos-ia muito maior credibilidade

Claro que estamos em recessão. Mas seja de que modo for, Portugal encontrou-se com o seu destino e tem mesmo de reinventar a sua economia.

Não podemos continuar a ter um desequilíbrio de -35,7% na Balança Comercial (ou seja, a importar mais 20 mil milhões do que exportamos), importando 6950 milhões de bebidas e refrigerantes, quando importámos 8027 milhões de lubrificantes e combustíveis em 2010, por exemplo!

É preciso um controlo das fronteiras e produzir essencialmente para o mercado nacional e para exportação, em vez de importarmos 80% do que comemos, e de termos à venda por todo o lado produtos importados que só cá deixam as margens de lucro dos comerciantes e eventualmente o IVA, se for declarado...

Em política, (quase) tudo é possível. E a melhor estratégia é sempre surpreender o adversário.

Se Portugal optasse por tomar a dianteira neste processo, com uma moeda desvalorizada, o investimento estrangeiro iria vir de todo o lado. Sobretudo se soubéssemos gerir as nossas parcerias, não de acordo com os interesses da UE, mas com os nossos! Vocês dão-se conta de que o comércio com a UE nos é extremamente deficitário? Dos 56 mil milhões importados em 2010, 43 mil vieram da UE! E só exportámos para a UE 27 mil milhões, dos 36 mil que exportámos.

Claro que não podemos deixar de exportar para a UE. Mas devemos fazê-lo como todos os outros países de fora da UE e não numa situação de dependência como aquela em que nos encontramos.

E quanto à "honorabilidade" do nosso default, pergunto-vos: Qual é a moral de uma UE que se serve de nós para escoar os seus produtos há 25 anos, que compra os nossos ainda assim bastante baratos e nos vai emprestar dinheiro a um juro mais alto, e a um prazo mais curto, do que o FMI?


(actualizado)


Sem comentários:

Enviar um comentário