quarta-feira, 27 de abril de 2011

O programa eleitoral 2011 do PS


O programa eleitoral do PS, hoje apresentado por José Sócrates, ocupa metade das suas 70 páginas a responsabilizar os partidos da oposição pela necessidade de pedir ajuda externa e a explicar que a crise das dívidas soberanas é apenas uma nova fase da crise internacional, que o PS se propõe resolver tão bem como diz ter resolvido a anterior.

Finalmente, na página 35 entra-se no programa propriamente dito, definindo três objectivos — o crescimento económico, a sustentabilidade financeira e o Estado social — e enunciando sete desafios estratégicos:
  • o aumento da taxa de escolarização dos jovens e o reforço das qualificações dos Portugueses
    "Reside nas qualificações o principal défice estrutural que bloqueia a competitividade da economia portuguesa; e, portanto, é na universalização da educação básica e secundária, com o pleno cumprimento da nova escolaridade obrigatória de 12 anos, e na generalização do ensino superior, assim como na promoção da formação profissional e na oferta de Novas Oportunidades de formação ao longo da vida, que reside a resposta".

    Bem identificada uma das causas da falta de competitividade da nossa economia, porém, não conseguem entender que o alargamento da escolaridade obrigatória não vai resolver nada, pelo contrário vai alastrar ao ensino secundário o cancro que mina o ensino português — o défice crónico de rigor e exigência.

  • a consolidação da aposta nas energias renováveis (...) "reforçando o importante “cluster” industrial constituído nos últimos anos, numa área de elevada incorporação tecnológica e potencial exportador."

    Vamos exportar turbinas eólicas?

  • a afirmação do sector exportador
  • a continuação do investimento na Ciência
  • o avanço na agenda digital, "assegurando que todo o território nacional fica coberto pelas redes de nova geração, para o acesso à Internet de alta velocidade".
  • a manutenção da dinâmica de simplificação e modernização administrativas, "porque o combate à burocracia, não só na administração central mas também na administração regional e local, não obstante os resultados alcançados, é um combate sem fim".
  • a consolidação e qualificação das redes de cuidados de saúde e das redes de equipamentos sociais, "para o reforço da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde e das instituições de apoio social, incluindo no que diz respeito à rede de creches".

Segue-se quatro questões-chave:
  • Na justiça propõem-se prosseguir a informatização e simplificação dos procedimentos e a promoção de vias alternativas de resolução dos litígios.
  • Na inserção dos jovens na vida activa, dizem ser um problema europeu mas refutam que não valha a pena estudar: "Segundo os dados do quarto trimestre de 2010, publicados pelo INE, em Portugal os empregados com o ensino superior aumentaram em 34,9 mil pessoas, contra a redução, em 170,2 mil, daqueles que tem apenas o 3º ciclo ou menos. Por outro lado, se é verdade que o desemprego dos licenciados aumentou 4,2%, no mesmo período, o certo é que aumentou 28,9% entre os que têm apenas o 3º ciclo ou menos."
    Apresentam, entre outras soluções, "desenvolver um programa específico de formação dos jovens para os sectores económicos emergentes, assente em novas competências, nomeadamente das energias alternativas e dos empregos verdes (...) e fomentar o espírito empreendedor e a criação de auto emprego e de novas empresas fundadas para pessoas, nomeadamente no domínio da energia e das novas tecnologias."
  • Na reabilitação urbana propõem o seu financiamento através de linhas de crédito bonificado, desburocratizar os procedimentos por um SIMPLEX e dinamizar o mercado de arrendamento.
  • Na reorganização do poder local preconizam um debate sobre as freguesias e avançar com a desconcentração em torno de cinco regiões administrativas; a reforma do sistema político limita-se à alteração da lei eleitoral para a Assembleia da República de modo a diminuir a distância entre eleitores e eleitos.

O programa termina referindo as Orientações Sectoriais de que destacamos as seguintes:
3. A modernização da administração pública "Em 2007, o PRACE concretizou uma importantíssima reestruturação da administração central do Estado. Em resultado dessa reforma, um em cada quatro serviços e um em cada quatro cargos dirigentes foram extintos. Pois bem: o próximo Governo do PS eliminará, já em 2011, mais cerca de um milhar de cargos dirigentes e equiparados; e procederá à fusão ou extinção de mais de 60 organismos e serviços da administração central do Estado (correspondendo a uma redução de aproximadamente 20% do universo global)".

Se em 2007 extinguiram 25% dos serviços e dos cargos dirigentes e ninguém se apercebeu de nada, já se prevê qual vai ser o efeito desta redução de 20% dos serviços. Mas propõem também a introdução de novos SIMPLEX nas autarquias, escolas, hospitais, ambiente, ...

4. A consolidação das contas públicas "A redução do défice orçamental é um imperativo nacional e a forma da sua concretização também não oferece dúvidas: faz-se mais pelo lado da redução da despesa do que pelo lado do aumento da receita. A redução da despesa obtém-se por via da redução da despesa no sector empresarial do Estado e nos fundos e serviços autónomos, bem como no consumo intermédio da administração pública; por via da racionalização e dos ganhos de eficiência em sectores como a saúde e a educação, (...); por via da moderação salarial; por via da verificação da condição de recursos no acesso a prestações sociais não contributivas." Vão prosseguir a reestruturação do sistema fiscal nacional, com as seguintes linhas de acção (incluem as medidas do OE 2011 que foram inviabilizadas pelo PSD):
  • "Reforçar os instrumentos de luta contra a fraude e evasão fiscal, utilizando os instrumentos legais disponíveis, incluindo as possibilidades e condições de derrogação do sigilo fiscal e do sigilo bancário;
  • Concluir o processo de convergência, no IRS, entre pensões e rendimentos de trabalho; e rever estruturalmente o sistema de deduções e benefícios fiscais;
  • Racionalizar a estrutura de taxas do IVA e actualizar os impostos específicos sobre o consumo."
5. O crescimento da economia e do emprego Defendem medidas que valorizem o sector exportador e apostem
  • na agricultura e floresta
  • na aquicultura e nas pescas
  • nas infra-estruturas portuárias, aeroportuárias, rodoviárias e ferroviárias (aqui há um TGV encapotado).
6. Promover o ambiente
  • Além de manterem a aposta na energia eólica e na concretização do Plano Nacional de Barragens, decidiram reforçar a opção pela energia fotovoltaica e relançar o incentivo às experiências e projectos-piloto sobre a energia das ondas, bem como as iniciativas que viabilizem e promovam a opção por veículos eléctricos.
  • Investir nos parques naturais para atrair visitantes através da criação de novas infra-estruturas, meios de circulação e meios de observação que permitam uma apreensão da sua flora e fauna.
  • Lançar um programa para a requalificação dos rios portugueses.
9. Promover a qualificação das pessoas
  • concretização da extensão da escolaridade obrigatória até ao fim do ensino secundário
    Propõem prosseguir o reforço "na língua materna, nas matemáticas e nas ciências experimentais; na promoção de uma cultura escolar de rigor e exigência, o que inclui o desenvolvimento de sistemas equilibrados e eficientes de avaliação, não só dos alunos, como também das escolas e dos professores; e no desenvolvimento da autonomia e da direcção das escolas e agrupamentos, favorecendo a sua inserção no meio social que servem."
  • generalização do acesso ao ensino superior
  • oferta de novas oportunidades de formação
    Afirmam que o programa Novas Oportunidades é "a demonstração prática cabal de que era necessário e era possível criar um verdadeiro movimento social de formação: mais de milhão e meio de inscritos, mais de meio milhão de certificados, entre 2006 e 2010".

O alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos vai diminuir o desemprego: os adolescentes vão procurar trabalho três anos mais tarde, pelo menos, e aumenta o número de professores. Os departamentos de Ciências da Educação das universidades privadas e de algumas públicas vão receber mais alunos para as célebres licenciaturas em Ensino e consolidar o lobby do “eduquês” a que pertence a ministra da Educação e seus secretários de Estado.

É óbvio que promover uma cultura de rigor e exigência nos agrupamentos/escolas não agrupadas do ensino básico e secundário depende, sobretudo, do director da escola porque é ele que nomeia os detentores de todos os cargos e distribui o serviço docente e não docente. Mas é preciso denunciar a ineficiência dos mecanismos de controlo, aliás criados com o único objectivo de enganar os ingénuos e, pior que isso, o incentivo à geração de sucesso fictício promovido por quem devia fiscalizar a qualidade do ensino — as próprias estruturas do ministério da Educação.

No que respeita a burocracia, houve um crescimento exponencial, o que era de esperar porque o parâmetro “Resultados dos alunos” é apenas um entre muitos na avaliação das escolas pelo ministério da Educação e as escolas esforçam-se por apresentar o máximo de papelada. De assinalar que uma visita de estudo, ou qualquer outra actividade, exige a elaboração de um relatório por cada professor participante.

Quanto ao "movimento social de formação", o que o programa está a dizer é que as escolas distribuíram mais de meio milhão de certificados que permitem aumentar a auto-estima das pessoas, mas não correspondem a uma aquisição de conhecimentos e competências, até porque não há qualquer espécie de avaliação externa ou interna. Aliás o curso Novas Oportunidades é a maior fraude que alguma vez ocorreu no sistema de ensino português: estão a ser dados certificados do 9º ano a formandos que mal sabem ler e escrever, não distinguem um rectângulo de um paralelepípedo, são incapazes de resolver um problema que envolva uma equação do 1º grau e não têm quaisquer conhecimentos de Física, Química, Biologia, Mecânica, Electricidade, Electrónica, … porque estas disciplinas nem sequer fazem parte do currículo.

*

Enfim, quase nada de novo, mas o PS foi o primeiro partido a apresentar o programa eleitoral. E não temos dúvidas que o leitor incauto e que desconheça o país vai pensar que, dentro de certas opções ideológicas, é um bom programa.
O problema é a distância entre as palavras e as acções. No domínio do ensino, então, mede-se em ano-luz.


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